Partido Comunista Portugu�s
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Artigo de Octávio Teixeira - Reforma fiscal: será agora?
Segunda, 09 Outubro 2000

Na próxima quarta-feira a Assembleia da República iniciará o debate da “reforma fiscal”.

É facto que se impõe sublinhar, pois significa que da aparente unanimidade sobre a necessidade da reforma se passa agora ao patamar muito mais exigente da concretização da reforma. É evidente que a reforma fiscal se não esgota nos impostos sobre o rendimento, e que o processo que se vai iniciar deverá, desejavelmente, ter continuidade noutras áreas do sistema fiscal, desde logo na da tributação do património. Mas continuo a pensar, por um lado, que seria temerário, eventualmente contraproducente, avançar em simultâneo com todo o processo de reforma fiscal e, por outro lado, que a prioridade deve ser dada aos impostos sobre o rendimento, por ser nestes que mais gritantes se tornam a actual política de “favores fiscais” e a mais grave afectação dos princípios da igualdade e da justiça fiscais.

Ao fazer uso do seu direito de agendamento potestativo com o seu projecto de lei sobre a reforma dos impostos sobre o rendimento e ao autorizar que outros projectos sobre idêntica matéria pudessem ser discutidos e votados no mesmo momento, o Grupo Parlamentar do PCP conseguiu, desde já, dois resultados a assinalar: obrigou outros grupos parlamentares e o Governo a apresentarem as suas propostas concretas para essa reforma; impôs que de uma vez por todas se passe das palavras aos actos, que a reforma fiscal deixe de ser objecto recorrente de um debate abstracto e se transforme num processo em que se confrontam as diversas ( e em muitos aspectos divergentes) soluções concretas de cada força política para essa mesma reforma. E espero que a estes se venha somar um terceiro resultado, o de a curto prazo o país poder dispor de um novo e mais justo regime de tributação dos rendimentos.

Ao projecto de lei do PCP (apresentado em Janeiro passado) juntam-se agora os do BE, do CDS-PP, do PSD e do Governo. Mas é um facto incontornável para quem os leia, que só o projecto do PCP e a proposta do Governo apresentam uma visão global de reforma do IRS, do IRC e do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Os restantes projectos quedam-se por propostas de natureza muito pontual, fundamentalmente centradas nos aspectos que podem ser mais simpáticos para os eleitores (tabela de escalões e taxas e deduções à colecta, em IRS). Assim sendo, necessariamente terão de ser aquele projecto e aquela proposta a base da reforma que vier a resultar do processo parlamentar.

Porque já em “Ponto de Vista” anterior me referi às orientações essenciais das propostas contidas no projecto de lei de que sou subscritor, ocupar-me-ei hoje de alguns aspectos relacionados com a proposta do Governo, designadamente daqueles em que maior é a minha crítica (e que, logicamente, mais se afastam das propostas do PCP).

Diga-se desde já que, na generalidade, a proposta do Governo representa um avanço face à situação actual. Isto sem prejuízo de haver soluções que, em sede de especialidade, necessitam de aprofundamento e ponderação. Mas depois de cinco anos de atraso no avanço da reforma por parte dos Governos liderados pelo PS, depois dos muitos relatórios e estudos que a sua solicitação foram realizados, seria de esperar mais. Fundamentalmente, mais determinação e mais vontade política em atacar as fontes da injustiça fiscal, nomeadamente a injustiça patente na desigual tributação dos rendimentos do trabalho e de capital, e da fraude e evasão fiscais.

No que concerne ao âmbito da equidade fiscal, considero inaceitável que, depois de tanto atraso e de múltiplas declarações de intenções, o Governo mantenha na sua proposta, contra sugestões e soluções que lhe foram apresentadas nos relatórios e estudos realizados, a continuação da política de favores e a descaracterização da unidade decorrente da lógica do imposto único que o IRS deve ser. Isso é particularmente visível na não integração no regime geral de tributação das mais-valias as relativas a acções e a outros valores mobiliários, permanecendo a sua tributação sujeita a uma taxa especial de privilégio (na proposta 20%, que, aliás, se transformam em 15% e 10% em termos efectivos). Identicamente a intenção do Governo de manter os rendimentos de acções, de juros e de títulos de dívida sujeitos a taxas liberatórias, também aqui violando o princípio do englobamento dos rendimentos. E, ainda, a falta de vontade política para reduzir e eliminar múltiplos benefícios fiscais, especialmente no âmbito dos planos de poupança em acções, nos dividendos de acções cotadas em Bolsa ou de empresas privatizadas, etc.

No âmbito do combate à fraude e evasão fiscais, reputo de incompreensível que o Governo, tendo (finalmente) reconhecido a insustentabilidade do actual regime fiscal das provisões para riscos gerais de crédito, proponha a concessão de um período de transição de dois anos, com “meio beneficio”, às instituições de crédito. Assim como o continuar a permitir a distribuição camuflada de lucros pela via de juros de suprimentos, ou a pouco fazer para “moralizar” o reporte de prejuízos, a não considerar a taxa efectiva de IRC paga pelas empresas, no âmbito da chamada eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos. Ou, ainda, a não tributação de certas vantagens acessórias (p.ex., cartões de crédito) nem o avanço decidido na presunção de rendimentos em determinadas situações, como seja a do exercício de cargos de administração em empresas e instituições de fins lucrativos.

Finalmente, no que respeita à quebra do sigilo bancário, a proposta do Governo apresenta-se demasiado tímida, resultado eventual de pressões de certas entidades empresariais, divulgadas pela comunicação social. Mas ao conceder efeito suspensivo a recursos judiciais sobre a derrogação do sigilo, a natureza tímida da proposta governamental tende a transformar-se numa mera manobra de diversão, tendente a deixar tudo como está.

Se estes elementos essenciais da proposta do Governo não vierem a ser alterados em sede de especialidade, temo que a reforma dos impostos sobre o rendimento venha a continuar adiada. A opção está nas mãos do Governo e do PS.