Partido Comunista Portugu�s
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A propósito do Pagamento Especial por Conta. Um despudorado exercício de hipocrisia política e mistificação da opinião pública - Declaração de Agostinho Lopes, da Comissão Política do PCP em Conferência de Imprensa
Quinta, 10 Julho 2003

Ver também breve «dossier»

A propósito do Pagamento Especial por Conta (PEC) vem o Governo PSD/CDS-PP desenvolvendo um despudorado exercício de hipocrisia política e tentativa de mistificação da opinião pública. Atente-se:

1. Hipocrisia e despudor porque ao longo dos últimos anos os partidos do Governo, PSD e CDS-PP, na oposição, ziguezaguearam ao sabor das conjunturas e das alianças que iam fazendo com o PS, para a passagem dos Orçamentos do Estado de 1997, 1998 e 1999. É ver as páginas do Diário da Assembleia da República sobre matéria fiscal. É ver os artigos na imprensa que sobre o assunto, incluindo a ministra Ferreira Leite, foram produzindo. A desfaçatez do PSD então é notável. O PSD na oposição, tendo como deputados aqueles que são hoje ministros, secretários de Estado, presidentes de câmaras e dirigentes e deputados do PSD, não hesitaram perante nada no combate à «colecta mínima» primeiro, e depois ao «pagamento especial por conta», a que continuaram a chamar colecta mínima. Desde o célebre outdoor «Pena máxima para a colecta mínima», até aos debates de urgência, apresentação de projectos de lei e, em particular, com a chamada de Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de Março – o Decreto-Lei que, na base de uma autorização legislativa de 27 de Dezembro 1996, aprovada pelo CDS-PP, criou o PEC – Pagamento Especial por Conta. E o mais notável neste debate parlamentar é que o PSD, em cuja bancada estava a actual ministra Ferreira Leite, negou toda a validade aos argumentos então expendidos pelo governo e deputados do PS em defesa da criação do PEC! Argumentos de o PEC combater a evasão fiscal de milhares de empresas e fazer justiça fiscal, o de assim se proceder ao saneamento do tecido económico português, eliminando as empresas que hoje o primeiro-ministro diz que são «fictícias». Argumentos que hoje, despudoradamente, o Governo usa em defesa do «seu PEC»!

(Senhores Jornalistas, leiam as páginas desse Debate de 27 de Abril de 1998, e em particular a intervenção inicial do deputado do PSD Rui Rio, que apresentou e justificou o pedido de apreciação do Decreto-Lei.)

2. Hipocrisia e desfaçatez porque estes senhores e senhoras que agora vêm clamar contra a «injustiça fiscal» são os mesmos que, ao longo de um ano e três meses de governação aliviaram a carga fiscal das SPGS, das holdings dos grandes grupos económicos e financeiros portugueses, eliminaram a tributação das mais valias da especulação bolsista (que por decisão do governo PS estava apenas suspensa), criaram novas condições mais favoráveis para as empresas do sector financeiro sediadas no offshore da Madeira, continuam a opor-se à derrogação do sigilo bancário para efeitos fiscais; permitem que a banca só tenha pago, em 2002, 16% de Imposto sobre os lucros (já descontadas as amortizações e provisões).

Os mesmos senhores que mantiveram vultuosos benefícios fiscais e uma clara cumplicidade com a evasão fiscal através dos offshores.

Entretanto, no Orçamento do Estado para 2003 o Governo e a maioria PSD/CDS-PP impuseram um brutal agravamento da carga fiscal sobre as micro, pequenas e médias empresas com o aumento de 28% da tributação em regime simplificado que passou, no IRS, de € 2436 (488,3 contos) para € 3125 (626,5 contos) e no IRC, de € 4872,14 (976,7 contos) para € 6250 (1253 contos) e, sobretudo, com o enorme aumento do Pagamento Especial por Conta.

Assim, o limite mínimo do PEC aumentou de € 498,80 (100.000$00) para € 1250 (250.000$00) e o limite máximo de € 1496,39 (300.000$00) para € 200.000 (40 mil contos) tendo igualmente sido alterada a base de cálculo (diferença entre 1% dos respectivos proveitos e ganhos do ano anterior com aqueles limites mínimo e máximo e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano anterior).

É evidente que este agravamento não tem por base nenhuma análise de rentabilidade efectiva dos sectores e empresas atingidas mas teve exclusivamente como objectivo aumentar a arrecadação pelo Estado de mais receita fiscal para atingir, a todo o preço, o valor do irracional défice orçamental resultante do Pacto de Estabilidade.

É preciso destacar e sublinhar esta questão. O PEC já existia no Orçamento do Estado para 2002 e, que se saiba, não levantou protestos significativos. O que agora acontece, por responsabilidade única do governo de Durão Barroso, é o resultado da subida brutal do valor mínimo do PEC de 100 contos para 250 contos, que afecta particularmente os milhares de pequenas empresas até 3 trabalhadores!

3. Hipocrisia e desfaçatez porque o Governo sabe, como todos os especialistas vão referindo, mesmo quando estão de acordo com ele, que o actual PEC não é nem pode ser o instrumento fundamental ou decisivo para combater a real evasão fiscal. O Governo sabe que esse combate terá de passar por uma Administração Fiscal ágil e motivada, «ágil na utilização da informática» bem equipada em meios humanos e materiais, e o fim da reverência religiosa pelo segredo bancário. Ora, não é nesta direcção que o Governo avançou ou quer avançar. Bem pelo contrário.

O PCP há muito que reclama um efectivo combate à fraude e evasão fiscal. E sempre considerou que os Pagamentos Especiais por Conta, aprovados em 1998 poderiam constituir um instrumento fiscal complementar para esse objectivo.

Só que isto nada tem a ver com o agravamento cego do imposto que foi aprovado no Orçamento do Estado para 2003 nem com o facto de não se ter em conta o real nível de rentabilidade dos diferentes sectores de actividades e micro e pequenas empresas atingidas pelo PEC, sejam os industriais de táxi, os agentes de viagem, as empresas de hotelaria e restauração ou múltiplos outros sectores de actividades.

O brutal e inesperado aumento do PEC, mais a mais num período de recessão e quebra da actividade económica, traduz-se numa insuportável dificuldade económica e de tesouraria para as empresas atingidas.

4. Hipocrisia e desfaçatez quando, na argumentação em defesa do PEC, o primeiro-ministro e a ministra das Finanças usam a comparação com a retenção na fonte do IRS dos trabalhadores por conta de outrém. Porque o Governo sabe que uma elevada percentagem de pequenas empresas (como sucede com os industriais de táxi) com resultados negativos ou nulos sobrevivem porque representam o salário do empresário e de mais um ou dois familiares ou outros sócios, e que esses salários são tributados em sede do IRS. E o despudor é tanto maior nesta argumentação quando é da política de direita deste Governo (e do anterior) para combater o desemprego dar incentivos aos «desempregados» para criarem a sua própria empresa! Não se lembram dos slogans «criar o seu próprio posto de trabalho»! Não foi assim que o Governo respondeu ao desemprego na Coats e Clark, onde aliás quer aplicar 5 milhões de euros de fundos deslocados do apoio aos pequenos empresários, para criação de «novos pequenos e pequeníssimos empresários»?

Mas desfaçatez também porque o Governo sabe que a retenção na fonte do IRS dos trabalhadores por conta de outrém é feita sobre um rendimento real obtido nesse momento, e o PEC – uma espécie de adiantamento do IRC a pagar – é feito na base de um presumível lucro, calculado de forma esdrúxula a partir do volume de proveitos, sem atender à diversidade de rendibilidades e situação muito diferenciada do universo dos pequenos e médios empresários. E isto porque este Governo (tal como o anterior) nunca mais avança com os indicadores de base tecnico-científica para os diferentes sectores de actividade económica com vista à determinação das taxas específicas a aplicar a cada ramo de actividade. Apesar das sucessivas propostas e reclamações do PCP. Mas não só. Enquanto os contribuintes do IRS recebem de forma automática, em cada ano, o excesso pago com a retenção na fonte, os pequenos contribuintes do IRC, para receber o diferencial pago a mais com o PEC, têm de requerer uma inspecção aos Serviços Tributários, que pagarão do seu bolso, como ainda ontem confirmou a Sra. ministra das Finanças. Custo de inspecção que será para as pequenas empresas em geral, superior ao diferencial a receber! Isto é, em geral, nada receberão de reembolso, o que significa que para os contribuintes que pagam de PEC o valor mínimo (1250 euros) o Pagamento Especial por Conta transforma-se, de facto, numa colecta mínima.

5. Hipocrisia e desfaçatez porque, ao mesmo tempo que a Sra. ministra das Finanças, às 20 horas em solene Conferência de Imprensa, declarava a firme decisão do Governo de manter o quadro de aplicação do PEC em 2003, o Ministério das Finanças cedia perante a luta dos taxistas, aceitando que estes possam vir a ter um regime fiscal específico face à natureza e características próprias das suas empresas, prometendo-lhes desde logo a isenção do pagamento da prestação do PEC de Novembro.

É espantosa a «compreensão» e quase emoção da Sra. ministra perante a situação de pouca rentabilidade, em particular dos taxistas do interior do País.

E a situação difícil de todos os outros pequenos empresários de outros específicos sectores de actividade, Sra. ministra? Vai ou não criar grupos de trabalho com as suas associações empresariais para abordar a especificidade das suas situações até fins de Outubro, e isentá-los também de pagamento da prestação de Novembro? Onde estará a justiça fiscal se tal não for concretizado?

Mas, sendo conhecida da Sra. ministra a necessidade de adequar o IRC e o PEC à conhecida especificidade desses sectores, como deixou o Governo a situação chegar a este ponto? Como não apresentou em sede do Orçamento do Estado ou posteriormente as alterações necessárias?

Não há palavras que possam descrever com suficiente expressividade estes comportamentos políticos.