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A Pesca, um Sector com Futuro - Frederico Pereira, dirigente sindical
Sábado, 24 Novembro 2007

 

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Não obstante e apesar das reconhecidas potencialidades do sector, Portugal está confrontado com uma grave crise económica e social que se caracteriza por uma progressiva degradação do aparelho produtivo, por uma acrescida dependência em relação ao exterior, por uma situação de pré falência de inúmeras empresas e pelo desinteresse de vastas camadas de profissionais e, sobretudo, pelo desinteresse das camadas mais jovens das comunidades que tradicionalmente estavam ligadas à pesca.Se logo após o 25 de Abril de 1974, se desmantelou a organização e as práticas corporativas impostas ao sector, permitindo um relativo desenvolvimento da pequena pesca, a melhoria das condições de vida e de trabalho dos pescadores, a melhoria substancial dos rendimentos de pescadores e proprietários de embarcações e, o que se revelou importante, permitindo a livre associação dos pescadores nos seus Sindicatos, e dos proprietários em Associações, poucos anos passados, com a recuperação da direita que desde então se verificou, perderam-se oportunidades de pesca e limitou-se cada vez mais a actividade, iniciando-se um processo de desmantelamento das frotas, que conduziu à actual situação de degradação do sector.


Já em 1985, imediatamente antes da adesão à CEE, sublinhávamos que a inexistente gestão racional dos recursos e o abandono de pesqueiros exteriores, contrastava com um certo crescimento da frota, donde resultava uma acentuada quebra de produtividade, que a balança comercial do sector que chegou a apresentar saldos positivos, em 1978, 79 e 80 passou a ter um saldo negativo, que o contributo do sector para o PIB nacional, já era de cerca de metade do verificado na década de 60, que a destruição do sector nacionalizado tinha provocado o agravamento da anarquia do sector; a impossibilidade de intervenção na comercialização do pescado; o aumento do desemprego e que se tinha acentuado o domínio do sector produtivo pelos intermediários parasitas, liberalizando-se as importações e promovendo o contrabando de pescado.
A realidade actual, confirmando o essencial das nossas afirmações, revela-se ser muito pior do que então dizíamos.
O saldo negativo da balança comercial de produtos da pesca atingiu, em 2006, os 808 milhões de euros, bem diferente dos cerca de 30 milhões verificados em 1985, enquanto que o pescado desembarcado passou das 250.000 toneladas, em 1985, para as 141.000 toneladas, em 2006.
Enquanto que em 1985, era de produção própria (pescado descarregado, em peso) 85% do consumo aparente total de produtos da pesca, em 2006, apenas 35% do consumo correspondia à pesca nacional, ou se se preferir em valores, em 1985 a produção nacional correspondia a 70% do consumo, enquanto que, em 2006, a produção nacional correspondia a, apenas, 23% do consumo aparente.
No mesmo período, a frota de pesca passou de cerca de 18.000 embarcações, para as actuais 8.754, ao mesmo tempo que as capacidades de produção da indústria conserveira e da indústria de construção naval se reduziram drasticamente.


Não obstante esta brutal destruição dos meios de produção disponíveis no sector, ainda hoje mais de metade da frota terá mais de 25 anos de actividade, sendo que, das embarcações existentes, 7444, correspondentes a 85% do total da frota, têm menos de 5 Toneladas de Arqueação Bruta.
No que respeita ao número de pescadores matriculados, este diminuiu dos 41.000, registados em 1985, para os 17.261, que estavam matriculados em Dezembro de 2006.
A crescente dependência do País, em relação ao exterior, tornou-se uma evidência, os meios de produção foram paulatinamente destruídos e o emprego no sector diminuiu drasticamente, conduzindo-se o sector para uma difícil situação económica e social.


Não sendo inevitável que se mantenha, impõe-se que a politica de pesca que tem sido seguida seja abandonada a favor de uma politica que reconheça as nossas particularidades e que garanta o direito a desenvolver a nossa produção pesqueira, como factor de independência nacional e segurança alimentar.
De entre as propostas que temos apresentado, que mantemos como importantes para imprimir um novo rumo à política pesqueira, permitam-me destacar algumas que reputamos essenciais para o sector.
A nosso ver, sendo certo que o acesso aos recursos é a questão central que sempre se coloca ao sector, a questão dos rendimentos e do custo dos factores de produção determinam, na prática, a sua sustentabilidade, ou a falta dela.
Quanto ao acesso aos recursos, este tem sido sucessivamente restringido, quer por perda de oportunidades, quer por limitações das possibilidades de pesca, por força da imposição de uma politica de restrição, tantas vezes desadequada e sem sustentação científica, o que se traduziu numa diminuição acentuada dos meios de produção e dos postos de trabalho, fortemente apoiada por uma politica de incentivo ao abate de embarcações.


A esta violenta e inusitada intervenção na gestão das pescas, acresce a continuada tentativa de instituir quotas individuais transferíveis ou negociáveis e, mais recentemente, a tentativa de instituir uma chamada gestão baseada nos direitos de pesca, que visam directamente ou abrem as portas à apropriação privada dos recursos vivos marinhos que resultará numa concentração da propriedade das quotas de pesca e do direito de pescar.


É claro que se terá que abandonar esta política e, ao contrário, enveredar-se pela definição de uma política de gestão dos recursos, que respeite o acesso colectivo aos mesmos, que se baseie prioritariamente nos seus aspectos biológicos e que se deverá consubstanciar num sistema de co-gestão que atenda ás condições específicas dos recursos pesqueiros e das respectivas zonas marítimas.
Quanto à questão dos preços na 1ª venda notar-se-á que estes terão estagnado ou mesmo diminuído, nos últimos dez anos, com óbvias consequências negativas nos rendimentos dos pescadores e proprietários de embarcações e sem que disso tenham beneficiado os consumidores finais.
As razões de tal estagnação dos preços pagos à produção, com excepção do caso particular da sardinha cujo valor dependerá do necessário desenvolvimento da indústria conserveira, não se deve à falta de escoamento do pescado, antes se devendo ao mecanismo de formação dos preços, que depende da intervenção dos compradores/comerciantes de pescado que, a seu bel-prazer e no seu interesse, controlam a 1ª venda, impondo preços muito abaixo do que seria justo.


É por isso evidente, que interessa e exige-se a intervenção neste acontecimento, impondo-se a criação de uma taxa máxima de lucro aos comerciantes, procurando-se que estes se obriguem a valorizar o pescado na 1ª venda, garantindo ao mesmo tempo, uma descida dos preços no consumidor para níveis mais adequados, para além de que haverá que apoiar os pescadores no sentido da melhoria da sua organização com vista à sua intervenção directa na comercialização e distribuição do pescado.
A outra vertente do problema, no que à sustentabilidade económica do sector diz respeito, é a do custo dos factores de produção e, de entre estes, o custo dos combustíveis que, face aos brutais aumentos verificados, exige que se garanta um acesso aos mesmos a um custo reduzido, alargado a todos os segmentos da frota e a todos os tipos de combustível utilizados.