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Sobre Alqueva - Carlos Pereira, DOR Beja
Sábado, 24 Novembro 2007
Carlos Pereira


Camaradas:

Saudações dos comunistas da Organização Regional de Beja.

Proponho para debate três ideias actuais sobre Alqueva, apresentadas de forma brevíssima:

1ª ideia: grande investimento público, o empreendimento de fins múltiplos de Alqueva está a introduzir transformações profundas na economia e na sociedade da região.

Aspiração antiga e exigência dos trabalhadores agrícolas e do povo do Alentejo, Alqueva, no centro de muitas lutas dos comunistas, arrancou no Portugal de Abril após boicotes e recuos das classes dominantes e seus partidos.

Embora com um atraso de três décadas, hoje, depois de mais de uma década de obras, que vão prosseguir pelo menos por seis anos, Alqueva já produz energia eléctrica e começa a regar e a levar água às populações.

Dos mais de 110 mil hectares de regadio a criar, Alqueva alimenta ainda apenas 9 mil hectares em três concelhos.

No que respeita à energia, além das centrais de Alqueva e do Pedrógão, cuja produção foi concessionada sem concurso à EDP, a EDIA prevê instalar mais sete pequenas centrais hidroeléctricas. Aposta também noutras fontes de energia renovável, nomeadamente a energia solar e a energia eólica, e ainda a produção de bioetanol.

Quanto ao abastecimento, a água de Alqueva vai chegar, ao longo dos próximos dois anos, às casas de dois terços dos habitantes (200 mil) dos distritos de Évora e Beja.

Alqueva está também a promover o turismo e desportos náuticos.

A EDIA promete antecipar a conclusão do projecto global até 2013, que implica, segundo nova programação, um investimento total acumulado de 2,1 mil milhões de euros.

2ª ideia: há factos que apontam para o desvirtuamento, pelos governos do PSD e do PS, do essencial do projecto original de Alqueva.

Desde logo, a EDIA, está descapitalizada e a acumular dívidas e há uma crescente governamentalização da empresa e da gestão do empreendimento.

O actual Governo, depois de liberalizar à pressa os planos de ordenamento da zona de Alqueva (aliás, aprovados quando Sócrates era ministro do Ambiente), está a favorecer projectos imobiliários/turísticos alegadamente «de potencial interesse nacional», que prometem a criação de milhares de empregos, mas cujo contributo real para o desenvolvimento é duvidoso, dos pontos de vista económico, social e ambiental. Só para a zona da albufeira de Alqueva, estão na forja 11 mega projectos que representam mais de 20 mil camas turísticas!

Preocupante é também a cumplicidade do Governo face à aquisição de terras na zona de regadio por empresas agrárias estrangeiras, em especial espanholas (algumas estimativas apontam para a aquisição de 20 a 25 mil hectares de terras), e face aos negócios especulativos feitos à custa das terras altamente valorizadas com investimentos públicos.

Ora, isto pouco tem a ver com o projecto de fins múltiplos de Alqueva por que lutamos e que visa:

-      a criação de uma reserva estratégica de água numa região de secas para garantia do abastecimento de água a populações, explorações agrícolas e agro-indústrias;

-      a modernização e a diversificação da agricultura alentejana através do aumento das áreas de regadio;

-      a produção de energia eléctrica;

-      a promoção de um turismo que contribua para o desenvolvimento da região e respeite o património natural e patrimonial alentejano;

-      e a dinamização de novos sectores como, por exemplo, o das energias renováveis;

-      tudo isto devendo também promover a qualificação urbana da zona de influência e induzir a criação de mais e melhor emprego.

Na verdade, Alqueva deve ser posto ao serviço do progresso do povo trabalhador e do desenvolvimento do Alentejo e do País e não pode servir para beneficiar os proprietários latifundistas, o grande capital e as empresas agrárias estrangeiras, aprofundando injustiças e desigualdades sociais.

3ª ideia: nos campos do Sul, em especial na área de regadio e na zona de influência de Alqueva, impõe-se uma profunda reestruturação fundiária através de uma nova reforma agrária.

Embora a actual situação política seja muito diferente da que existia no período da Revolução de Abril e da Reforma Agrária de 74/75, continua hoje a colocar-se a necessidade de uma nova reforma agrária no Alentejo. Porque:

-      a grande propriedade latifundista persiste como forma dominante e agrava-se o processo de concentração fundiária (7% dos grandes e médios agricultores exploram 55% da Superfície Agrícola Útil, enquanto 61% de pequenos agricultores cultivam uma área de apenas 8%);

-      o regadio a criar por Alqueva não é, por razões técnicas e económicas, compatível com a grande propriedade;

-      avança a desertificação física e humana do território;

-      cresce o número de desempregados, cada vez mais qualificados;

-      a PAC paga aos agrários milhares de euros por mês para não mexerem uma palha (há números: Portugal conta com 800 proprietários rurais, dos quais 687 no Alentejo, que têm garantidos 17.500 euros por mês, até 2013, para nada produzir!).

-      diminui o peso da agricultura na criação de riqueza no Alentejo e, por outro lado, a agricultura alentejana, com uma área de 38% da superfície de Portugal continental, contribui com menos de 15% para a produção final do País.

Tudo isto aponta para a necessidade objectiva de uma nova reforma agrária nos campos do Sul, aliás, de acordo com o que estipula a Constituição da República, que defende também explicitamente a eliminação dos latifúndios.

Por todas estas razões importa retomar a questão de um grande e alargado debate nacional sobre uma nova reforma agrária, em especial na zona do regadio de Alqueva, e lutar para criar condições para o seu êxito.

O Partido deve estudar e acompanhar as mudanças que estão a acontecer no Alentejo, desde os impactes da criação do regadio de Alqueva com novas culturas até a alterações sociais como por exemplo a diminuição e o envelhecimento do proletariado rural, passando pela implantação das empresas agrárias estrangeiras e pelos investimentos no turismo, pelo crescente papel das cidades, pela importância de outros projectos como o Aeroporto de Beja ou a Plataforma Logística de Elvas. E temos de reforçar a organização, ligando-a às massas no campo e aos seus problemas de forma a responder às suas aspirações para, com os sindicatos agrícolas, com organizações de pequenos agricultores e outras, com o Poder Local democrático, podermos contribuir para a ruptura também da actual política agrícola.