Camaradas:
Saudações dos comunistas da
Organização Regional de Beja.
Proponho para debate três ideias
actuais sobre Alqueva, apresentadas de forma brevíssima:
1ª ideia: grande investimento público, o empreendimento de fins múltiplos
de Alqueva está a introduzir transformações profundas na economia e na
sociedade da região.
Aspiração antiga e exigência dos
trabalhadores agrícolas e do povo do Alentejo, Alqueva, no centro de muitas
lutas dos comunistas, arrancou no Portugal de Abril após boicotes e recuos das
classes dominantes e seus partidos.
Embora com um atraso de três
décadas, hoje, depois de mais de uma década de obras, que vão prosseguir pelo
menos por seis anos, Alqueva já produz energia eléctrica e começa a regar e a
levar água às populações.
Dos
mais de 110 mil hectares de regadio a criar, Alqueva alimenta ainda apenas 9
mil hectares em três concelhos.
No que respeita à energia, além
das centrais de Alqueva e do Pedrógão, cuja produção foi concessionada sem
concurso à EDP, a EDIA prevê instalar mais sete pequenas centrais
hidroeléctricas. Aposta também noutras fontes de energia renovável,
nomeadamente a energia solar e a energia eólica, e ainda a produção de
bioetanol.
Quanto ao abastecimento, a água de
Alqueva vai chegar, ao longo dos próximos dois anos, às casas de dois terços
dos habitantes (200 mil) dos distritos de Évora e Beja.
Alqueva está também a promover o
turismo e desportos náuticos.
A EDIA promete antecipar a
conclusão do projecto global até 2013, que implica, segundo nova programação,
um investimento total acumulado de 2,1 mil milhões de euros.
2ª ideia: há factos que apontam para o
desvirtuamento, pelos governos do PSD e do PS, do essencial do projecto
original de Alqueva.
Desde logo, a EDIA, está
descapitalizada e a acumular dívidas e há uma crescente governamentalização da
empresa e da gestão do empreendimento.
O actual Governo, depois de
liberalizar à pressa os planos de ordenamento da zona de Alqueva (aliás, aprovados
quando Sócrates era ministro do Ambiente), está a favorecer projectos
imobiliários/turísticos alegadamente «de potencial interesse nacional», que
prometem a criação de milhares de empregos, mas cujo contributo real para o
desenvolvimento é duvidoso, dos pontos de vista económico, social e ambiental.
Só para a zona da albufeira de Alqueva, estão na forja 11 mega projectos que
representam mais de 20 mil camas turísticas!
Preocupante é também a
cumplicidade do Governo face à aquisição de terras na zona de regadio por
empresas agrárias estrangeiras, em especial espanholas (algumas estimativas
apontam para a aquisição de 20 a 25 mil hectares de terras), e face aos
negócios especulativos feitos à custa das terras altamente valorizadas com
investimentos públicos.
Ora, isto pouco tem a ver com o
projecto de fins múltiplos de Alqueva por que lutamos e que visa:
- a criação
de uma reserva estratégica de água numa região de secas para garantia do
abastecimento de água a populações, explorações agrícolas e agro-indústrias;
- a
modernização e a diversificação da agricultura alentejana através do aumento
das áreas de regadio;
- a produção
de energia eléctrica;
- a promoção
de um turismo que contribua para o desenvolvimento da região e respeite o
património natural e patrimonial alentejano;
- e a
dinamização de novos sectores como, por exemplo, o das energias renováveis;
- tudo isto
devendo também promover a qualificação urbana da zona de influência e induzir a
criação de mais e melhor emprego.
Na verdade, Alqueva deve ser posto ao serviço do
progresso do povo trabalhador e do desenvolvimento do Alentejo e do País e não
pode servir para beneficiar os proprietários latifundistas, o grande capital e
as empresas agrárias estrangeiras, aprofundando injustiças e desigualdades
sociais.
3ª ideia: nos campos do Sul, em especial na área de
regadio e na zona de influência de Alqueva, impõe-se uma profunda
reestruturação fundiária através de uma nova reforma agrária.
Embora
a actual situação política seja muito diferente da que existia no período da
Revolução de Abril e da Reforma Agrária de 74/75, continua hoje a colocar-se a necessidade de uma nova reforma agrária no
Alentejo. Porque:
-
a grande propriedade
latifundista persiste como forma dominante e agrava-se o processo de
concentração fundiária (7% dos grandes e médios agricultores exploram 55% da
Superfície Agrícola Útil, enquanto 61% de pequenos agricultores cultivam uma
área de apenas 8%);
-
o regadio a criar por Alqueva não é, por razões técnicas e económicas,
compatível com a grande propriedade;
-
avança a desertificação
física e humana do território;
-
cresce o número de
desempregados, cada vez mais qualificados;
-
a PAC paga aos agrários milhares de euros por mês para não mexerem uma
palha (há números: Portugal conta com 800 proprietários rurais, dos quais 687
no Alentejo, que têm garantidos 17.500 euros por mês, até 2013, para nada
produzir!).
-
diminui o peso da agricultura na criação de riqueza no Alentejo e, por
outro lado, a agricultura alentejana, com uma área de 38% da superfície de Portugal
continental, contribui com menos de 15% para a produção final do País.
Tudo
isto aponta para a necessidade objectiva de uma nova reforma agrária nos campos
do Sul, aliás, de acordo com o que estipula a Constituição da República, que
defende também explicitamente a eliminação dos latifúndios.
Por
todas estas razões importa retomar a questão de um grande e alargado debate nacional sobre uma nova reforma agrária,
em especial na zona do regadio de Alqueva, e lutar para criar condições para o
seu êxito.
O
Partido deve estudar e acompanhar as mudanças que estão a acontecer no
Alentejo, desde os impactes da criação do regadio de Alqueva com novas culturas
até a alterações sociais como por
exemplo a diminuição e o envelhecimento do proletariado rural, passando pela
implantação das empresas agrárias estrangeiras e pelos investimentos no
turismo, pelo crescente papel das cidades, pela importância de outros projectos
como o Aeroporto de Beja ou a Plataforma Logística de Elvas. E temos de
reforçar a organização, ligando-a às massas no campo e aos seus problemas de
forma a responder às suas aspirações para, com os sindicatos agrícolas, com
organizações de pequenos agricultores e outras, com o Poder Local democrático,
podermos contribuir para a ruptura também da actual política agrícola.
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