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Estatuto dos Deputados - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Quarta, 07 Junho 2006

Alteração ao Estatuto dos Deputados

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O agendamento deste debate, pelo PCP, na sequência da apresentação de um projecto que responde às mais evidentes e graves situações de insuficiência do Estatuto dos Deputados ou de abusiva interpretação, pela maioria, em matéria de incompatibilidades e impedimentos, revelou-se da maior oportunidade.

É que estamos perante uma das mais importantes garantias da independência no exercício do mandato parlamentar: a de que ele não está subordinado a uma dependência hierárquica em relação a outros órgãos de soberania nem a interesses de actividades privadas que se sobreponham ao exercício do mandato público.

A nossa democracia enfrenta hoje consideráveis ameaças, sendo uma das mais importantes a da crescente subordinação do poder político ao poder económico. É nesse campo que o nosso projecto de lei é de aprovação indispensável para quem quiser um mínimo de decência na vida política.

A reacção do PS — que não estará certamente sozinho no Hemiciclo… — não se fez esperar: anunciando de imediato a rejeição das limitações que propomos a situações de clara promiscuidade de interesses, entregou-se depois a manobras de diversão, procurando esconder a gravidade da sua opção.

Apresentou um projecto que, para além de meras alterações de designação formal, apenas acrescenta, em matéria de incompatibilidades, uma nova situação já prevista no nosso projecto, enquanto, nos impedimentos, onde se registam as mais graves insuficiências do regime actual, propõe uma nova alínea para o n.º 6 que, grosso modo, já está abrangida pelo n.º 5.

O PS propõe, portanto, que, quanto às regras de impedimentos, nada mude, o que é agravado pelo facto de, mesmo em relação à lei actual, ter imposto interpretações, na Comissão de Ética, que tornam ainda mais restritiva a aplicação de uma lei que já é insuficiente.

Nos últimos dias, o PS aproveitou ainda para recuperar o assunto, já anteriormente abordado aqui, do alargamento das regras de impedimentos à Madeira, proposta que acompanhamos e que apresentámos até em sede de revisão constitucional, tendo contado, aliás, com o voto contra dos socialistas. Mas, pelo caminho em que vai o PS em matéria de impedimentos, qualquer dia, até o PSD/Madeira aceita as regras de impedimentos, tal é a limitação que o PS lhes quer impor.

Finalmente, o PS agitou o fantasma da profissionalização dos Deputados, da sua funcionalização, das limitações que excluiriam alguns dos melhores por não quererem abdicar da sua actividade privada, etc., etc.

Não estamos hoje a propor uma regra de absoluta exclusividade. Mas, para o PCP, mesmo sem exclusividade, a actividade parlamentar tem sempre de ser a actividade principal do Deputado e não uma segunda, uma terceira ou quarta actividade ou, pior, um instrumento ao serviço de actividades externas.

Mas os Srs. Deputados sabem, se leram o projecto de lei do PCP, que não é introduzida qualquer nova limitação à acumulação do mandato de Deputado com actividades profissionais externas. O que limitamos são os negócios com o Estado ou com entidades em que o Estado tenha um papel determinante no exercício dessas actividades privadas.

Dito de outra forma, com o nosso projecto, todos os Deputados que exercem advocacia podem continuar a fazê-lo — e é uma questão que foi muito invocada neste debate — , mesmo que no âmbito de sociedades de advogados. O que não podem, de acordo com o nosso projecto de lei, é, nessa actividade, celebrar contratos, vender bens e prestar serviços, ou ter relações comerciais com o Estado ou entidade em que este detenha poderes relevantes. O que há é uma limitação a determinados actos e não novas limitações a actividades. Isto, sim, é o nosso projecto.

O problema do Partido Socialista, e, porventura, de outros que estarão contra esta proposta do PCP, é que quer manter impunes situações de evidente promiscuidade.

Claro que o PS dirá que introduz novas regras no registo de interesses, cuja formulação, tirando o alargamento da declaração aos três últimos anos, é de duvidosa novidade e de uma razoável confusão jurídica.

Mas, pela nossa parte, não aceitamos a legitimação da promiscuidade através da sua publicitação. Não nos basta termos uma promiscuidade transparente; o que queremos é acabar com a promiscuidade!

É, aliás, curioso que o PS, tão preocupado em apresentar um ar de moralização da vida política que até apresentou um projecto de limitação das substituições que deixou estupefacta, pelo absurdo, uma parte da sua bancada, esqueça agora esses arroubos moralizadores quando se trata de proibir a subordinação a interesses privados do exercício do mandato, como acontece na sua própria bancada. Na prática, o PS está muito preocupado com os Deputados que suspendem o seu mandato para tratar de interesses privados, mas já não se importa que haja Deputados que tratam de interesses privados mantendo o seu mandato parlamentar.

O projecto de lei do PCP dá resposta a diversas situações em que a vida foi demonstrando serem necessários aperfeiçoamentos da lei.
Assim, propomos:

A incompatibilidade do mandato de Deputado com o exercício da função de vice-presidente do município ou substituto legal do Presidente, mesmo que sem tempo atribuído, já que pode vir a exercer as funções daquele.

A incompatibilidade, dos membros da Casa Civil do Presidente da República, tal como já acontece para os gabinetes ministeriais.

O alargamento, seja em matéria de impedimento seja de incompatibilidades, das referências à presença em conselhos de gestão de empresas públicas ou maioritariamente públicas, a todas aquelas empresas em que o Estado detenha poderes especiais relevantes, mesmo que accionista minoritário, recuperando, aliás, uma interpretação da lei que o anterior presidente da Comissão de Ética, hoje membro do Governo, já considerava ser a única coerente, à face da lei e da realidade.

O que é absurdo é que, à luz das normas e interpretações actuais, um Deputado possa ser membro do conselho de administração da Galp, da EDP ou da PT só porque já não são de capital maioritariamente público, mesmo tendo o Estado um papel decisivo na gestão — pelo menos, enquanto o Governo não abdicar dele…

Propomos, também, a clarificação de que são abrangidas pelos impedimentos, nas situações descritas, as actividades ou actos económicos de qualquer tipo, mesmo que no exercício de actividade profissional e que o que é relevante são os actos praticados e não a natureza jurídica da entidade que os pratica, de forma a incluir, inequivocamente, as sociedades de advogados.

 Aliás, este problema nunca se colocou até o PS ter feito aprovar, na Comissão de Ética, para salvar uma situação concreta de claro impedimento, uma abstrusa interpretação que exclui as sociedades de advogados, independentemente dos actos que pratiquem, das regras de impedimentos, o que permite, por exemplo, que um conjunto de Deputados possa constituir uma sociedade de advogados que preste consultoria jurídica a um ministério, à Presidência do Conselho de Ministros ou, porque não?, à própria Assembleia da República.

Propomos, igualmente, que as situações de união de facto sejam tratadas a par das situações conjugais.

Propomos, ainda, a clarificação, corrigindo uma prática distorcida, de que pode haver participação relevante na entidade contratante, mesmo sem a titularidade de 10% do capital, isto é, que só pelo facto de determinado Deputado ter apenas 9% de uma sociedade, seja ela de que tipo for, isso não significa que não detenha nela uma participação relevante, devendo presumir-se que ela existe sempre que possa interferir nas decisões, quando tenha benefício significativo delas, ou noutros casos avaliados pela Comissão de Ética.

Propomos, também, que, em matéria de impedimentos, se inclua as situações em que, mesmo não tendo participação relevante na entidade contratante, o Deputado execute ou participe na execução do que foi contratado.

Claro que sabemos que partidos que defendem políticas de subordinação do poder político ao poder económico, como faz o PS e o seu Governo, não tenderão a incomodar-se com a existência dessa subordinação ao nível do Parlamento.

Para o PCP, a subordinação do poder económico ao poder político, exigida pela Constituição, é uma travemestra do sistema democrático. E rejeitamos políticas e regras, quer no Governo quer na Assembleia da República, que vão contra essa regra essencial da democracia.

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Vitalino Canas,

Queria começar pela questão da funcionalização e pela questão dos advogados.

Quero dizer, designadamente aos Srs. Deputados Pedro Mota Soares, Nuno  Melo e a todos os outros Deputados da bancada do CDS, que, com o projecto do
PCP, podem continuar a desempenhar a sua actividade profissional como advogados porque o nosso projecto não mexe um milímetro nas possibilidades de exercício de actividades profissionais para os Deputados que não estão em exclusividade.

Fiquem descansados!

Este ponto é muito importante, porque tanto o Partido Socialista como outras vozes procuram confundir a situação que aqui está em discussão. No nosso projecto, não apresentamos nenhuma nova limitação — nem uma! — ao exercício de actividades em acumulação com o mandato de Deputado. Zero!

Apresentamos, sim, limitações a determinados actos no exercício dessas actividades.

E refiro-me àqueles que sempre estiveram proibidos: os actos com o Estado, os contratos com o Estado, com a Administração Pública, os contratos com empresas públicas. Esses, sim, é que têm de estar proibidos, seja-se advogado, arquitecto, médico ou o que for! Não é por se ser advogado.

O que acontece com as sociedades de advogados, Sr. Deputado Vitalino Canas, é que o Partido Socialista, na Comissão de Ética, decidiu que, a partir de agora, o artigo sobre os impedimentos não se aplicava às sociedades de advogados — e não se aplicava em nenhum ponto! Foi o que o Partido Socialista decidiu, e fê-lo, claro, em função de um caso concreto. Aí, sim, em função de um caso concreto, e não no projecto do PCP.

Portanto, o que o Partido Socialista fez foi instituir um regime de excepção para uma determinada actividade, em que não se fixa qualquer limite. Negue-o se não for verdade!

De acordo com a interpretação que o PS defendeu na Comissão de Ética, uma sociedade de advogados, integrando Deputados, pode até contratar um serviço de consultoria jurídica com a Assembleia da República, com um ministério ou com qualquer outra entidade pública! E isto é aceitável?! Isto não vai contra os princípios da separação dos poderes e da independência no exercício do mandato?!

Por outro lado, o Sr. Deputado Vitalino Canas diz que as propostas do PCP impedem que alguns dos melhores estejam na Assembleia da República.

Ó Sr. Deputado, como já lhe disse, as nossas propostas não incluem qualquer nova limitação à acumulação com actividades privadas, apenas clarificam que há determinados actos, os de contratação com o Estado, que não podem ser acumulados com a actividade de Deputado.

Pergunto-lhe se os bons Deputados são aqueles que estão na Assembleia da República tendo contratos com o Estado, se os bons Deputados são aqueles que estão na Assembleia trabalhando para empresas públicas ou para governos regionais. São esses os bons Deputados que o Sr. Deputado quer garantir que cá continuem?!

É com esses que o Sr. Deputado está preocupado?!

Não, Sr. Deputado. Esses não têm como principal função ser Deputado, é uma função secundária. E é isso que queremos combater.

Não estamos a discutir aqui a exclusividade…

Não estamos a pôr em causa a presença de Deputados que legitimamente, de acordo com a lei, não exercem em exclusividade esta actividade; estamos, sim, a clarificar regras de relacionamento entre as actividades desses Deputados e o Estado e as empresas públicas.

Já agora — e vou terminar, Sr. Presidente —, pergunto ao Sr. Deputado Vitalino Canas se não concorda que, como dizia o seu camarada Jorge Lacão na Comissão de Ética, se deve estender um regime de impedimentos não só às empresas de capitais maioritariamente públicos mas também àquelas (como a EDP, a Galp e a PT) em que o Estado, sendo minoritário, tem poderes especiais com que pode influenciar a actividade e as orientações principais da empresa.

Não é legítimo, como dizia — e bem! — o então Deputado Jorge Lacão, afirmar que a única interpretação coerente da lei é a que reconhece que essas empresas também devem estar abrangidas pelo regime de incompatibilidades e impedimentos?