Partido Comunista Portugu�s
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As omissões convenientes
Vítor Dias no "Semanário"
Sexta, 07 Janeiro 2005

Se não nos enganamos, o recente artigo de Vital Moreira (“Público” de 4/1), significativamente intitulado “Aritmética pós-eleitoral” deve ser visto como uma síntese antecipada do que vai ser a principal aposta argumentativa do PS na próxima campanha eleitoral.

Com efeito, ele revela que o PS, muito mais do que apostar numa extrema “dramatização” em torno de quem vai “ganhar as eleições” e, por essa via, captar o (mal) chamado “voto útil” de cidadãos que infelizmente ainda continuam a não entender que os votos na CDU contribuem sempre utilmente para a derrota eleitoral da direita, vai sobretudo apostar na alegada indispensabilidade de obter sozinho uma maioria absoluta de deputados, sob pena de nefandas instabilidades e terríveis consequências.

Percebe-se que seja o recurso que resta ao PS. Na verdade, a “dramatização” em torno de quem vai “ganhar as eleições” não tem grandes pernas para andar quando a previsão da derrota eleitoral da direita domina avassaladoramente a opinião pública; quando as sondagens dão um PS muitíssimos pontos à frente do PSD; e, já agora, quando se sabe o que aconteceu anteriormente nas disputas eleitorais em que era claro que o ciclo político ia mudar em desfavor do PSD (caso de 1995) ou manter-se a favor do PS (caso de 1999).

De facto, importa lembrar a este respeito que, em 1995, o PS (com 43,7%) ficou 9,6 pontos à frente do PSD (com 34,1%), em 1999, o PS (com 44 %) ficou 11,7 pontos à frente do PSD (com 32,3%) e, nas europeias de Junho de 2004, o PS (com 44,5%) ficou 11,3 pontos à frente da coligação PSD-CDS (com 33,2%).

É neste contexto que se percebe que, em síntese, Vital Moreira tenha vindo “dramatizar” a falta de uma maioria absoluta para o PS, invocar a profundidade das divergências políticas e programáticas entre o PS e o PCP (e também o BE); decretar a impossibilidade de coligações ou entendimentos à esquerda do hemiciclo; e, por fim, lançar a previsão de que, num quadro de colocação do PSD e CDS em minoria na AR e da existência de uma maioria numérica de deputados do PS, do PCP, do PEV e do BE, um governo do PS não duraria mais do que um ano.

Ora a verdade é que o citado artigo de Vital Moreira bem podia ter antes como título a expressão latina “Quod erat demonstrandum” (como se queria demonstrar), uma vez que foi exactamente concebido para concluir o que antecipadamente queria concluir, recorrendo para tanto a uma vasto conjunto de entorses e omissões.

Com efeito, Vital Moreira omite desde logo a evidência histórica de que nenhum dos anteriores governos do PS (de 1999 a Março de 2002) dirigidos por Guterres caiu na AR ou por consequência de qualquer votação parlamentar, antes o segundo governo do PS caiu por demissão voluntária do Primeiro-Ministro, na sequência de um mau resultado nas autárquicas de Dezembro de 2001.

Consequentemente, Vital Moreira omite também uma questão que não é aritmética mas de política pura e de orientação política e que é o facto de, apesar de não dispor de uma maioria absoluta de deputados, o PS viu nos primeiros quatro anos os Orçamentos do seu Governo serem aprovados pelo PSD e realizou importantes acordos com o próprio CDS-PP.

Vital Moreira omite ainda que a história trágica e o fracasso do segundo governo do PS não pode ser resumida à questão dos “orçamentos limianos” e que, mesmo sem falar das políticas substantivas, não se descortina o que é que a falta de uma maioria absoluta de deputados teve a ver com a prolongada sucessão de “broncas”, escândalos e trapalhadas que povoaram a governação do PS em 2000 e 2001 – dos episódios das remodelações governamentais (como as circunstâncias das demissões de Pina Moura e Manuela Arcanjo) até ao caso da Fundação de Prevenção e Segurança (envolvendo Armando Vara e Luís Patrão, este agora recentemente empossado como director-geral do PS) até às declarações de João Cravinho sobre a corrupção nos concursos de obras públicas e as questões sobre a JAE levantadas pelo General Garcia dos Santos.

E, entre tantas outras coisas, o que sobretudo Vital Moreira omite é o lado oculto que sobra depois das divergências políticas que esmeradamente identifica entre o PS e o PCP. Na verdade, Vital Moreira esqueceu-se de dizer que, se o PS está longe do PCP e vice-versa por causa da “disciplina orçamental num contexto de recessão económica ou de muito débil crescimento económico, como continua a ser a situação do país nos tempos mais próximos” ou por causa dos rumos da integração europeia, então isso só pode significar que, nessas e noutras matérias essenciais, há simetricamente uma grande e forte convergência de posições e orientações entre o PS e o PSD e mesmo o CDS-PP. E percebendo-se bem então que, se assim é, só um regime de mentira e de formalismo oposicionista pode explicar que o PS, na oposição, não tenha viabilizado certas opções dos Governos do PSD e CDS e que, amanhã na oposição, o PSD e o CDS não venham a viabilizar similares opções de um governo do PS.

Não haja qualquer dúvida: uma maioria absoluta do PS não significaria “a estabilidade” mas as mãos livres e a impunidade de uma política e de um governo que, no quadro da actual conjuntura económica e orçamental e dos poderosos interesses e pressões envolventes, se prefigura como podendo ser bem mais à direita do que o primeiro Governo de António Guterres.

É por isso que, em 20 de Fevereiro, é essencial dar mais votos e deputados ao PCP e à CDU para poderem pesar e influenciar nas soluções e nas políticas governamentais, para poderem condicionar a guinada dita “centrista” que o PS prepara, para afirmar na urnas a voz insubmissa e combativa dos eleitores que, em vez de se resignarem à ideia triste e impotente de que “as coisas são como são” (Miguel Portas dixit) querem precisamente intervir e votar para que as coisas não sejam o que hoje são.