Nem rigor nem preocupação social
Em contraste com as posições assumidas pelo PSD e CDS, onde
o foguetório do discurso apenas serviu para camuflar a inexistência
de razões substantivas de oposição, o Grupo comunista foi
o único dos grandes partidos que evidenciou no debate factores de diferenciação
para uma verdadeira política alternativa capaz de resolver os problemas
da economia e da sociedade portuguesa.
Coube-lhe ainda, de um modo frontal e sem rodeios, com sentido
de responsabilidade, protagonizar as críticas mais severas
a um documento estruturante da acção governativa
para o próximo ano que, do seu ponto de vista, peca, precisamente,
em primeiro lugar, como sublinhou Octávio Teixeira, por
ter como orientação política determinante
a "doentia obssessão pela moeda única e a reverente
submissão ao cumprimento dos critérios de convergência
nominal".
Tal opção, lembrou, em correspondência plena
com as concepções neoliberais seguidas pelo Executivo,
conduz a que o Orçamento - longe de satisfazer as necessidades
e exigências do País - venha a produzir "efeitos
restritivos na actividade económica", impedindo simultaneamente
a "recuperação plena da economia portuguesa,
a dinamização do investimento produtivo e a necessária
melhoria do nível de vida dos portugueses e de satisfação
das funções sociais que ao Estado incumbem".
Dessas consequências nefastas no plano económico
e social, largamente pormenorizadas pelos deputados comunistas
nas suas intervenções, falou ainda Octávio
Teixeira na sua intervenção inicial para concluir,
em síntese, que o "desemprego vai aumentar, vai prosseguir
o encerramento de empresas, muitos trabalhadores vão continuar
a passar para o desemprego e muitos jovens permanecerão
à porta do emprego que não encontram".
E tudo, explicou, porque as opções políticas
fundamentais que caracterizam o Orçamento, decorrentes
do objectivo da moeda única, vão contra os salários
(congelamento ou redução dos fracos níveis
salariais, aprofundando o desequilíbrio na distribuição
do Rendimento Nacional), contra o emprego (não há
qualquer efeito indutor de menos desemprego) ao mesmo tempo que
prosseguem o "fundamentalismo privatizador" (por mera
opção política-ideológica, sem qualquer
fundamentação séria sob os pontos de vistas
económico ou social).
Desmontada ficou, por outro lado, a ideia insistentemente ventilada
pelo Governo de que o Orçamento obedeceu na sua elaboração
a preocupações de justiça social.
Exemplos, vários, de que tal "consciência social"
- assim lhe chamou Sousa Franco - não passa de uma ficção
deu-os Bernardino Soares, ao citar, entre outros, o caso da Educação
(desde o crescimento nulo do investimento na educação
especial até ao insignificantes crescimento do investeimento
na acção social escolar), bem como o da Saúde
onde o aumento da dotação em apenas 0,8 por cento
para o Serviço Nacional de Saúde vai traduzir-se
em aumentos das listas de espera para consultas, equipamentos
que ficarão sem funcionar e vagas de pessoal por preencher.
Sem resposta não ficou também, noutro plano, a ideia
de rigor que o Governo procurou fazer passar como imagem
de marca do seu Orçamento. O melhor testemunho de que não
é rigorosamente assim deu-o Lino de Carvalho ao lembrar,
a propósito do tipo de investimentos previstos no âmbito
do PIDDAC, a multiplicidade de pequenas dotações
espalhadas por concelhos e freguesias nos distritos onde o PS
tem a ambição de ganhar eleições autárquicas.
Alegadamente dirigidos para centros de dia e lares para idosos,
escolas, centros de saúde ou esquadras, referiu, estas
pequenas dotações entre mil e cinco mil contos chegam
a corresponder no distrito de Setúbal a um quarto da totalidade
dos projectos, elevando-se mesmo essa percentagem a um terço
no caso do Alentejo.
"Não é um programa de investimentos mas um
programa de donativos para ano eleitoral", observou Lino
de Carvalho, numa alusão às próximas autárquicas
e ao facto de este ser o tipo de dotações, frisou,
"ideal para permitir que governadores civis, secretários
de Estado e ministros vão esvoaçando de terra em
terra a distribuir cheques para descanso das almas e descanso
dos votos".
Falar de "rigor" ou de "justiça social"
só mesmo, pois, por caricatura ou deliberado acto de propaganda.
Será que se pode falar de rigor, com efeito, como
salientou Carlos Carvalhas, quando o Governo "aumenta em
mais de 50 por cento a verba para o estabelecimento de contratos
programas para as autarquias - autênticos sacos azuis para
os seus membros utilizarem em campanha eleitoral autárquica
?"
"E de justiça social - acrecentou - quando
o Governo aumenta as pensões, mínima e social, nas
«fabulosas» quantias de 37$00 e 34$00 por dia, respectivamente,
depois de ter aumentado os preços dos medicamentos em oito
por cento?"
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