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Relatório anual de Segurança Interna de 2005 - Intervenção de António Filipe na AR
Relatório anual de Segurança Interna de 2005

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Gostaria de tecer duas questões prévias antes de abordarmos o conteúdo, propriamente dito, do Relatório de Segurança Interna.

Primeira questão prévia é para assinalar um manifesto incumprimento de prazos por parte do Governo.

A Lei de Segurança Interna dispõe que o Relatório do ano anterior tem de ser entregue na Assembleia da República até ao dia 31 de Março de cada ano e este Relatório deu entrada na Assembleia da República no dia 4 de Maio, segundo consta, aliás, do relatório elaborado pela Comissão, o que significa mais de um mês depois, questão que foi, aliás, referida quando da presença na 1.ª Comissão do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, pelo que importa assinalá-lo.

A Assembleia da República melhorou muito a sua atenção e a sua apreciação destes relatórios.

Há uns anos atrás, houve momentos em que o Governo apresentava pontualmente o relatório e a Assembleia da República passava por cima disso e não o discutia sequer, juntando dois e três relatórios para discutir no mesmo ano, o que era uma situação indigna.

Essa situação foi bem corrigida por parte da Assembleia da República, mas este ano, pela primeira vez, é o Governo que não cumpre. Desde sempre os governos foram pontuais na apresentação do relatório, desta vez o Governo atrasou-se mais de um mês e creio que importa assinalar isto para que possa ser corrigido no próximo ano e em anos futuros.

A segunda questão, ainda prévia, diz respeito ao Plano de Coordenação das Forças e Serviços de Segurança. O Governo aprovou recentemente, em Conselho de Ministros, um Plano de Coordenação das Forças e Serviços de Segurança, substituindo o que existia desde 1989, há 17 anos, portanto.

Ora, acontece que o PCP solicitou ao gabinete do Sr. Primeiro-Ministro (que é quem tutela superiormente esta matéria e quem é superiormente responsável por este Plano de Coordenação, que é elaborado, como se sabe, através do gabinete planeador de segurança mas cuja responsabilidade máxima é do Primeiro-Ministro) que lhe fosse enviada, desde logo, antes da aprovação em Conselho de Ministros, uma cópia do Plano que estava elaborado, que não era do nosso conhecimento, e, mais, invocou o Estatuto do Direito de Oposição, que dispõe, claramente, que os partidos da oposição têm o direito de serem ouvidos pelo Governo quanto à definição das grandes orientações em matéria de segurança interna.

Ora, se isto não é uma grande orientação em matéria de segurança interna não sei o que isso seja, porque substitui, de facto, um plano que tinha 17 anos. Portanto, sendo um diploma de grande importância, o Governo deveria ter cumprido o Estatuto do Direito de Oposição e não o fez, apesar de ter sido expressamente interpelado para que o fizesse.

Portanto, trata-se aqui de dois incumprimentos da lei. Estamos a discutir o Relatório de
Segurança Interna, que tem que ver com o cumprimento da lei por parte dos cidadãos, estamos aqui a assinalar o número de infracções cometidas pelos cidadãos e creio que temos aqui dois flagrantes incumprimentos da lei por parte do Governo, que devem ser assinalados — já que não são objecto de relatório vão ser objecto da acta da discussão do relatório.

Relativamente ao Relatório que estamos a discutir, diria que este é, de facto, um Relatório de novo tipo, porque é para ter palmas. É a primeira vez, que me lembre, nesta Assembleia, que a apresentação de um relatório tem palmas por parte de uma bancada parlamentar. De facto, o Relatório foi feito, foi muito bem estudado, muito bem redigido e muito bem apresentado por parte do Sr. Ministro para ter palmas. Portanto, é um novo estilo de elaboração do Relatório.

Há alguns aspectos que não têm que ver com 2005, têm que ver com a repetição de propósitos que já constam do Programa do Governo, que têm sido reiteradamente anunciados pelo Governo e que têm que ver com o futuro, com aquilo que o Governo se propõe fazer. Digamos que não é propriamente muito interessante, do ponto de vista da análise do que se fez em 2005, que o Governo diga, em Maio de 2006, o que vai fazer em 2007 e, portanto, isso será objecto de relatórios futuros.


Quanto a este Relatório, há uma questão que é, de facto, de salientar e que é motivo de congratulação para todos, a baixa geral da criminalidade. Esse é um elemento que importa ressaltar e creio que todos nós, nesta Câmara, temos de nos congratular com esse facto, embora se diga que há aqui alguma surpresa ao termos conhecimento destes dados, porque eles, de certa forma, contrariam aquele que era o sentido geral das afirmações públicas que eram feitas, inclusivamente, por pessoas com muitas responsabilidades no sistema de segurança interna, designadamente no que se refere à alteração qualitativa da violência.


Em audições feitas nesta Assembleia, até com o responsável do gabinete coordenador de segurança, demos conta que, embora não houvesse um aumento da criminalidade, se verificava que havia um aumento da violência associada à criminalidade e que esse era um elemento de preocupação, mas o Relatório passa por cima disso.
 O Relatório refere-se a muitas coisas boas, muitas coisas que melhoraram, mas, depois, é omisso relativamente a aspectos que exigem alguma problematização, e esse é um deles. O que é feito dessa apreciação de que há mais violência associada à criminalidade? Há um outro aspecto que importa salientar e que é o seguinte: tendo em conta os resultados apresentados neste Relatório, as forças segurança fizeram, tal como se costuma dizer em português, «omoletas sem ovos»! De facto, verificamos que há uma considerável redução do número de efectivos das forças de segurança e que o saldo líquido, expressamente apontado no Relatório no que se refere à PSD e à GNR, é negativo, isto é, houve mais pessoas a sair do que a entrar, na casa das centenas. Em relação à Polícia Judiciária, embora esse número não esteja expresso, também é do conhecimento geral — essa informação foi divulgada não há muito tempo — que houve uma perda de efectivos, ou seja, houve mais pessoas que se aposentaram do que as que entraram para a Polícia Judiciária. Portanto, generalizadamente, nas forças de segurança, houve uma redução sensível de efectivos (na casa das várias centenas), mas o que verificamos é que eles fizeram mais coisas, ou seja, fizeram mais operações, mais patrulhamentos. Enfim, há mais resultados com menos pessoas. Ora, presumindo (e sendo verdade, creio eu) que os agentes das forças de segurança não estavam propriamente a descansar e que o profissionalismo que os caracteriza não nasceu em 2005, temos de concluir que deve ter havido profundas alterações organizativas para que isto fosse possível, para que muito menos pessoas pudessem fazer muito mais coisas! Portanto, o Governo deveria dar conta à Assembleia da República do que alterou. Quais foram as alterações feitas nas forças de segurança que produziram este resultado de menos pessoas fazerem mais coisas? Tem de haver uma razão, porque não é automático: não podemos concluir que quanto menos polícias, menos criminalidade e mais operações! De facto, houve aqui alterações e essas alterações não constam do Relatório, não há nada que diga: «Fizemos esta alteração e os resultados foram melhores». Isto não está dito e valia a pena dizê-lo para percebermos como é que estes resultados nascem. 

Além de que tudo isto se passa num quadro em que os polícias foram vítimas de mais agressões. Com efeito, é referido no Relatório que um dos crimes que aumentou foi o das agressões contra agentes das forças de segurança, e não contam aqui as «agressões» que o Governo lhes fez, porque o Governo também os prejudicou no seu direito à aposentação e no seu direito à saúde. São agressões de outro tipo, não são agressões físicas, mas não deixam de ser agressões, e essas também contam. 

Creio, por isso, que os profissionais das forças de segurança merecem uma palavra de grande apreço na discussão deste Relatório porque, apesar de terem sido «agredidos» reiteradamente pelo Governo, eles conseguiram obter resultados muito interessantes na sua actividade. 

Gostaria ainda, Sr. Presidente, de referir três questões. Em primeiro lugar, valia a pena fazer alguma reflexão — que não é feita no Relatório — sobre as disparidades geográficas em relação à evolução da criminalidade, porque há aqui algo que merecia ser estudado.

O que explica, por exemplo, que a criminalidade aumente em Braga, em Viana do Castelo e em Vila Real e diminua no Porto, em Aveiro e por aí fora? O que explica que ela aumente em Coimbra, mas diminua em todos os distritos à sua volta? E não são diminuições pouco sensíveis, são tendências relativamente consolidadas. Portanto, talvez interessasse reflectir sobre se haverá alguma explicação para esta disparidade, porque normalmente estas situações não acontecem por acaso.

Tem de haver algo que explique disparidades de evolução das tendências de criminalidade em distritos que têm características muito semelhantes e que são geograficamente muito próximos. Isto merecia ser explicado e não encontramos, sequer, qualquer tentativa de explicação.
 Em segundo lugar, o Governo é omisso em relação a uma questão que o deveria preocupar, a da fiscalização sobre as actividades privadas em matéria de segurança.

Há pouco tempo, o presidente da associação empresarial deste sector, o ex-Ministro e ex-Deputado Ângelo Correia, dava conta, na comunicação social, de uma situação caótica no sector, que ele atribuía a uma total ausência de fiscalização por parte do Governo sobre a idoneidade das empresas que prestam serviço nesta área, dizendo até algo extraordinário, que o próprio Estado contrata serviços de segurança privada com empresas que não têm a mínima idoneidade, segundo ele.
 

Ora, creio que nada é dito no Relatório sobre esta questão, e valeria a pena fazê-lo. Interessava saber qual é, de facto, a situação neste sector e o Relatório de Segurança Interna não deveria, pura e simplesmente, omiti-lo; antes deveria dar uma ideia de como estamos nessa matéria, designadamente quem está licenciado, em que condições e que fiscalização é feita.

 

 Finalmente, a terceira questão diz respeito às acções especiais de polícia. Esta questão já não tem a ver, e xactamente, com o ano de 2005, visto que elas estão a realizar-se em 2006. Como sabe, Sr. Ministro, as acções especiais de polícia foram previstas na lei sobre as armas, foram aí enxertadas um pouco abusivamente, e o País tem assistido, com alguma perplexidade, a acções de grande aparato policial, de grande espectacularidade, que causam um incómodo manifesto e têm efeitos estigmatizantes sobre determinados bairros com resultados praticamente nulos. 

Valia a pena fazer alguma reflexão sobre esta matéria. Tivemos muito cuidado, não fizemos apreciações precipitadas nem juízos de valor relativamente a essas acções e compreendemos que acções desse tipo podem ser necessárias. Porém, quando deixámos assentar um pouco a «poeira», todo o País verificou que houve, de facto, actuações manifestamente desproporcionadas por parte das forças de segurança e altamente estigmatizantes em relação a determinados estratos populacionais. 

Esta é, repito, uma matéria que deveria ser reflectida, sobretudo num quadro em que a criminalidade diminui, porque não se percebe como é que se fazem acções com este aparato e com esta desproporção, obviamente com um efeito intimidatório e estigmatizante sobre muitas populações.