Na sua última reunião, a Comissão Política do PCP abordou as
negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), que se iniciarão
em Seattle (EUA) no próximo dia 30 de Novembro.
1. O que está em causa nestas negociações da OMC?
A agenda das negociações é vastíssima, abrangendo praticamente todas as
actividades humanas. As orientações dominantes são conhecidas:
liberalização total do comércio, privatização de sectores e serviços
públicos, desregulamentação e livre acesso aos mercados públicos. Da
produção agrícola às actividades culturais, passando pela saúde,
educação, direitos de autor, denominações de origem, transportes,
comércio electrónico, investimento estrangeiro, tudo passará a ser uma
«mercadoria», susceptível de ser comprada e vendida, transaccionada
«livremente» ao nível do planeta.
Os interesses de Portugal e dos restantes países comunitários vão ser
representados pela União Europeia, sendo a OMC a primeira estrutura
internacional em que tal acontece formalmente.
Particularmente em foco estão as seguintes questões:
- A segurança alimentar, na sua dupla acepção – o direito de
cada país a uma produção agrícola razoável para a alimentação do seu
povo, ou seja, o direito a ter uma agricultura e a exigência de
produtos agro-alimentares saudáveis, não agressivos da saúde humana.
Segurança alimentar que é explicitamente posta em causa pela
liberalização dos mercados agrícolas, pela redução da protecção às
produções nacionais, pela concepção dos «produtos agrícolas» apenas
como «mercadoria» semelhante a qualquer produto industrial.
- Os serviços públicos e, entre outros, da educação e da
saúde, com a total liberalização do mercado de serviços, com a redução
ou eliminação de excepções, de barreiras não tarifárias (normas de
certificação ou de qualidade, por exemplo), na eliminação das
restrições no acesso aos mercados públicos nacionais das empresas
transnacionais.
- A «propriedade intelectual», os diversos aspectos do
direito de propriedade intelectual relacionados com o comércio (TRIPS –
Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), tais como os
direitos de autor (copyright), marcas comerciais, patentes e projectos
industriais. Significativa é a tentativa de apropriação pelas
transnacionais da agro-química do património de gerações de
agricultores do mundo inteiro e da biodiversidade do planeta, pela
tentativa de patentear (e assim monopolizar) sementes e propágulos em
simultâneo com os esforços para impor o uso dos Organismos
Geneticamente Modificados (OGM).
- A liberalização e protecção dos investimentos do grande capital financeiro,
com a recuperação e integração do Acordo Multilateral de Investimentos
(AMI) na OMC. Recorde-se que a tentativa de instituir o AMI –
verdadeira carta magna dos direitos das transnacionais, nascida no seio
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE),
foi recentemente derrotada. Com o AMI pretendia-se que a actividade
económica, nomeadamente a possibilidade de investimento, ficasse sob o
total domínio do capital transnacional, sem o controlo democrático por
parte dos Estados. Passar-se-ia para uma «soberania» das transnacionais
e destruir-se-ia a soberania dos Estados e, assim, o controlo
democrático de um povo sobre a actividade económica do seu país.
- A identidade e diversidade cultural dos povos, através
do tratamento das actividades culturais como pura e simples mercadoria,
transaccionada e regulada pelo mercado, conforme os interesses do
capital transnacional das indústrias do audiovisual.
- A limitação e condicionamento das normas de trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das normas ambientais, ao «bom funcionamento» do mercado planetário e interesses do capital transnacional.
- O direito de dezenas de países e povos do mundo a um desenvolvimento autónomo, equilibrado e sustentado,
pondo em causa, inclusive, acordos preferenciais e vantajosos, como a
Convenção de Lomé para os países do ACP (África, Caraíbas e Pacífico).
2. O que sabem os cidadãos portugueses destas importante
negociações? Nada ou quase nada.
Qual a estratégia negocial do Governo português? Que
objectivos tem defendido nos Conselhos de Ministros da União Europeia
onde estas questões têm sido discutidas? Que estudos sobre as
consequências para Portugal dos resultados dessas negociações? O que
sabem os partidos da oposição sobre as posições do Governo PS
relativamente à OMC? Que consulta foi feita às organizações sociais de
trabalhadores, empresários, agricultores?
A Comissão Política do PCP considera particularmente grave o
comportamento do Governo nesta matéria. Nada pode explicar a falta de
informação ao País e aos partidos da oposição. Porque, assim, é
ocultado ao povo português o necessário debate sobre questões
essenciais para a sua vida hoje e o seu futuro colectivo amanhã, como
País independente.
3. Há outros caminhos para a regulação económica internacional
A Comissão Política do PCP, retomando posicionamentos expressos aquando
das eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da
República, considera que há outros caminhos para a regulação económica
internacional.
No quadro do combate por uma nova ordem
económica internacional, justa e democrática, «assente na cooperação
entre povos e países soberanos e iguais em direitos, orientada pelos
valores da paz, da democracia, do progresso social e da amizade entre
os povos», recusando a globalização comandada pelo capital
transnacional e ofensiva dos direitos dos povos e dos equilíbrios
ambientais, defendem-se os seguintes aspectos:
- a modificação radical dos objectivos e funcionamento da OMC (aberta
à participação de todos os países que o desejem, sem quaisquer tipos de
imposições que não sejam a aceitação das regras definidas
democraticamente por todos), e norteando a sua acção pelo princípio da
cooperação e do desenvolvimento económico que responda às necessidades
dos povos; recusando o primado da concorrência e a resolução dos
diferendos comerciais internacionais através do recurso à
conflitualidade, e decisão final do tipo jurídico, e não pela procura
de acordo mutuamente vantajoso (de que são exemplos o conflito entre a
União Europeia e os EUA relativo às bananas, carne com hormonas);
- a contemplação obrigatória do respeito generalizado por
condições sociais e ambientais, nomeadamente, pela fixação de regras
rigorosas de combate ao dumping social e ambiental. O que deverá
decorrer no plano social de convenções e recomendações da OIT (de que
são exemplo a do trabalho infantil ou a da contratação colectiva), e de
outras convenções e recomendações internacionais como as Cimeiras do
Rio de Janeiro e Quioto (sobre o meio ambiente e desenvolvimento), de
Copenhaga (sobre desenvolvimento social), de Pequim (sobre a promoção
da mulher). Ou seja, a incorporação, o respeito e cumprimento pela OMC de normas adoptadas noutros fóruns internacionais;
- o primado da soberania e interesse de cada Estado, respeitando
as suas especificidades, necessidades e o papel fundamental dos seus
sectores produtivos e públicos. É absolutamente essencial o direito de
cada Estado a definir a dimensão do seu sector público e a defender o
seu sector produtivo e, em particular, o agro-alimentar;
- o respeito e a promoção de acordos preferenciais com países
com menor desenvolvimento (como é o exemplo dos acordos de Lomé,
assinados entre a UE e os países do ACP), lutando pela concretização de
uma política de cooperação com esses países, que elimine a sua dívida,
e que permita e assegure o seu efectivo desenvolvimento;
- o não tratamento de muitas actividades unicamente a partir do conceito de «mercadoria»,
como a agro-alimentar (assegurando o primado da qualidade alimentar,
por exemplo, através da aplicação do princípio da precaução) e a
cultural, entre outras;
- a transparência no funcionamento e a democratização dos
processos de negociação, divulgando e debatendo «o que verdadeiramente
está em causa» e assegurando a participação dos povos através das suas
organizações sociais e instituições democráticas;
- a avaliação das consequências da actual globalização
capitalista, de que são exemplos: a concentração da riqueza, o aumento
das disparidades sociais e regionais, a adulteração do papel dos
sectores produtivos, perspectivando-os exclusivamente tendo em vista o
máximo lucro (causando, por exemplo na agricultura: o excesso de
produção, o êxodo rural, as estratégias agressivas de exportação, a
deslocalização de produções, a subalternização da segurança alimentar,
a destruição ambiental);
- o controlo dos mercados financeiros e a recusa de um novo «AMI», reformulado ou com outro nome, na OMC;
- a luta contra a legislação extraterritorial, como as Leis
Burton-Helms de embargo/bloqueio económico, cujas normas os EUA
pretendem ver aplicadas pelas filiais das suas transnacionais presentes
noutros países, nas relações comerciais com Cuba (subtraindo-as às
legislações nacionais).
4. A necessária informação ao País e participação da
Assembleia da República na definição das orientações portuguesas para a OMC
A Comissão Política do PCP considera de grande urgência a
informação do Governo à Assembleia da República e aos partidos da
oposição. Nesse
sentido avançará, logo a seguir ao debate do programa do Governo, com
uma proposta de iniciativa parlamentar adequada (debate de urgência ou
chamada dos respectivos ministros à Assembleia da República).
Prosseguiremos e aprofundaremos no Parlamento Europeu, a intervenção
que o Grupo Coligação de Esquerda / Esquerda Verde Nórdica vem
desenvolvendo, para que a União Europeia assuma nas negociações uma
posição conforme os interesses dos trabalhadores e povos da Europa e do
mundo.
Por outro lado, considerando a importância relevante para a vida do País das referidas negociações, apela
aos cidadãos, às Organizações Não Governamentais (ONG) e, em
particular, às organizações sociais de trabalhadores, agricultores,
pequenos e médios empresários, para uma intervenção activa no sentido
de que se verifique uma moratória sobre uma nova liberalização do
comércio, e no esclarecimento e informação dos portugueses.
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