Na
sessão comemorativa dos 30 anos da Constituição
da República Portuguesa, no âmbito de um vasto conjunto
de iniciativas que o PCP está a promover, o Secretário-Geral
do PCP sublinhou que «a elaboração, aprovação
e entrada em vigor da Constituição da República
é inseparável do processo da Revolução de
Abril e da prolongada luta dos trabalhadores e do povo português
que de forma plena acolhe no seu seio os valores, conquistas,
mudanças e transformações revolucionárias
de um tempo de viragem e de ruptura com a ditadura fascista, a
opressão e o colonialismo». Jerónimo de Sousa,
depois de ter destacado a generosa, empenhada e qualificada
contribuição dos comunistas na defesa e na exigência
de respeito pelo projecto constitucional, reafirmou a determinação
do PCP em defender a Constituição «o seu Estado
Democrático e o seu compromisso social com o bem-estar dos
trabalhadores e do povo. Compromisso de defesa e realização
de um Estado com preocupações e responsabilidades
sociais que garanta aos portugueses, independentemente da sua
condição social ou económica, o direito ao
ensino, à saúde, à justiça e à
segurança e protecção social».
Intervenção
de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral
do PCP
na Sessão
Comemorativa dos 30 Anos da Constituição
da República Portuguesa
Decidiu
o Partido Comunista Português assinalar, com particular relevo,
os 30 anos de vigência da Constituição da
República Portuguesa.
Fiel
ao seu compromisso de sempre de respeitar e defender o texto
fundamental da nossa vida democrática, iniciamos, aqui, com
esta Sessão Comemorativa, um conjunto de realizações
que irão ter lugar um pouco por todo o país e que
justamente visam a sua valorização, divulgação
e defesa.
A
elaboração, aprovação e entrada em vigor
da Constituição da República é
inseparável do processo da Revolução de Abril e
da prolongada luta dos trabalhadores e do povo português que de
forma plena acolhe no seu seio os valores, conquistas, mudanças
e transformações revolucionárias de um tempo de
viragem e de ruptura com a ditadura fascista, a opressão e o
colonialismo.
Neste
momento que celebramos esse acto fundador e decisivo da democracia
portuguesa, permitam-me que daqui preste homenagem aos militares de
Abril que devolveram a dignidade, a liberdade e o direito de voto ao
povo e aos deputados constituintes que com o seu honroso trabalho lhe
deram forma e selaram esse compromisso colectivo com o Portugal
livre, democrático, de progresso e independente que a
Constituição de 1976 consagrou.
Mas,
não há saudação ou homenagem maior que
possa ser feita que não seja ao povo português que
conquistou e teve o direito ao voto e à palavra, que com a sua
luta não escreveu a Constituição mas fez com que
fossem inscritos os seus direitos e aspirações
democráticas e patrióticas.
Trabalho
para o qual o PCP se orgulha de ter dado uma generosa, empenhada e
qualificada contribuição e a que se seguiram, nestes
últimos trinta anos, árduos combates, não só
em sua defesa mas também na exigência do respeito pelas
suas normas, valores e projecto e pela sua efectivação.
A
Constituição que hoje celebramos teve desde o momento
da sua construção inimigos declarados, mas também
inimigos dissimulados como se tornou evidente nestes trinta anos que
agora fazem da sua vigência.
As
forças conservadoras e retrógradas, políticas e
sociais, os grandes interesses económicos e financeiros, os
grandes senhores da terra, nunca se conformaram com seu projecto
libertador e emancipador e viram sempre a Constituição
de Abril como um obstáculo à reposição e
afirmação dos seus interesses e do seu poder perdido.
A
Constituição que hoje celebramos enfrentou, por isso,
cíclicas ofensivas que a mutilaram e empobreceram em várias
áreas e relevantes aspectos, limitando o seu alcance e
conteúdo progressista.
Assim
foi nas sucessivas e excessivas revisões constitucionais de
que foi alvo, pela iniciativa e acção concertada da
direita e do PS, que ora abriam as portas à perversão
dos seus princípios, ora legalizavam praticas
anticonstitucionais resultantes da actividade dos seus governos.
Ofensiva
que amputou a protecção constitucional a grandes
transformações sócio-económicas
que permitiram a reconstituição dos grandes grupos
económicos monopolistas e o seu domínio e que, ao mesmo
tempo que fragilizou a possibilidade de desenvolver e afirmar uma
democracia económica, passou a condicionar e fazer regredir as
outras componentes da democracia, nomeadamente a política e
social.
Foi
com as alterações produzidas na estrutura
socioeconómica e a sua passagem para o controlo e domínio
dos grandes grupos económicos e financeiros que vimos
inflectir, num sentido antidemocrático, a política
social e cultural e o próprio regime político,
confirmando o carácter inseparável das quatro vertentes
da democracia – a económica, a social, a cultural e a
política – e o papel determinante da estrutura
socioeconómica na garantia de uma democracia avançada e
desenvolvida em todas as suas dimensões.
Trinta
anos de continuada ofensiva e acção restauradora dos
interesses e privilégios do grande capital monopolista que não
conseguiu, contudo, apagar o projecto de democracia avançada
que a Constituição da República projecta para o
futuro de Portugal.
Apesar
da gravidade das mutilações e das perversões
realizadas, a Constituição da República
transporta, em termos globais, os valores de liberdade, democracia,
desenvolvimento, justiça social e independência nacional
que consubstancia o projecto transformador e de modernidade da
Revolução de Abril.
Na
verdade, a Constituição da República continua a
ser uma Constituição das mais progressistas da Europa,
garante de importantes direitos políticos, económicos
sociais e culturais dos trabalhadores e do povo.
Nela
se inscrevem os direitos dos trabalhadores como intrínsecos à
democracia, desde os direitos sindicais aos direitos laborais e à
justiça, à segurança no emprego, a uma
redistribuição mais justa da riqueza com a efectivação
do direito a salários mais justos, a horários de
trabalho mais dignos.
Nela
se expressa o direito ao trabalho para todos e execução
de políticas económicas de pleno emprego.
Nela
se reconhece às mulheres o direito à igualdade no
trabalho, na família e na sociedade e importantes direitos às
crianças, aos jovens, aos reformados e aos cidadãos com
deficiência.
Nela
se proclama a exigência da subordinação do poder
económico ao poder político e a incumbência ao
Estado de dar prioridade às políticas económicas
e de desenvolvimento que assegurem o aumento do bem-estar social, a
qualidade de vida das pessoas, a justiça social e a coesão
económica e social de todo o território nacional.
Nela
estão consignadas as obrigações do Estado em
relação a domínios tão importantes como
os da educação e do ensino, da saúde, da
segurança social.
Nela
se estipulam os justos princípios que devem nortear as
relações internacionais e pelas quais Portugal se deve
reger – os princípios da igualdade entre os Estados, da
solução pacífica dos conflitos e da não
ingerência nos assuntos internos de outros Estados, o
desarmamento e a dissolução dos blocos militares.
Ela
tem sido, apesar das mutilações de sucessivas revisões,
um instrumento importante, adequado e ajustado ao normal
funcionamento das instituições democráticas e um
suporte que reforça a legitimidade da luta, dos anseios e
aspirações dos trabalhadores e do povo a uma vida
melhor, num Portugal mais fraterno e solidário, mais livre e
mais democrático.
É,
por isso, que assistimos ainda hoje a uma insidiosa campanha
ideológica promovida pelos mesmos que desde sempre se lhe
opuseram e que há muito preparam o terreno para um ajuste de
contas com o que resta de progressivo e avançado na
Constituição da República.
Do
conclave do Beato, essa magna reunião de representantes do
grande capital económico e da alta finança que
actualizou o seu vasto caderno reivindicativo contra Abril os
trabalhadores e os seus direitos e recentrou na Constituição
da República a causa dos males do país, à
direita política de vários matizes que lhe vem dando
voz, preparando e animando, em diversas frentes, o esvaziamento do
Estado Democrático e Social, a ofensiva contra os direitos dos
trabalhadores, os serviços públicos essenciais ao
bem-estar das populações e o próprio sistema
político.
Os
meses que antecederam a recente campanha eleitoral para a Presidência
da República evidenciaram não só um latente
propósito de subversão da Constituição,
mas também explícitos e reais objectivos de certos
sectores da direita conservadora e revanchista que não se
confinavam à proclamação de uma mais profunda
revisão da actual Constituição mas à
exigência da elaboração de uma nova Constituição.
A
direita política e dos interesses quer uma Constituição
nova, sem garantias e sem direitos para quem trabalha.
A
direita política e dos interesses quer uma Constituição
nova de velhos valores para impor uma democracia mutilada nas
liberdades, direitos e garantias do povo.
Querem
o Estado de Abril despojado das suas funções sociais
que garantem a concretização do direito à saúde,
ao ensino, à segurança social ao povo português
ou a existência de direitos laborais aos trabalhadores.
E,
se alguns fazem agora um compasso de espera nessa pérfida
campanha contra a Constituição de Abril, na expectativa
que a anunciada “cooperação estratégica”
lhes franqueie, pela prática da intervenção
institucional, as portas aos seus objectivos de subversão do
projecto democrático de Abril, outros persistem em
responsabilizar a Lei fundamental do país de todos os males
que atravessam a sociedade portuguesa.
Uns
e outros descarregam para cima da Constituição anos de
governação dos seus próprios governos, cujas
orientações e políticas são a verdadeira
causa da crise e das dificuldades do país e dos portugueses.
Não
é a Constituição da República que impõe
uma desastrosa política económica centrada no combate
ao défice das contas públicas e de submissão aos
ditames do Pacto de Estabilidade e Crescimento que tem destruído
e arruinado os sectores produtivos nacionais.
Não
é a Constituição da República que
determina a obrigação de levar por diante o
esbanjamento dos bens públicos, essa vergonhosa operação
de rapina que são as privatizações. Esse
instrumento central da política de direita de recuperação
e concentração capitalista que apenas agudiza a crise
estrutural que o país enfrenta e fragiliza a capacidade de
resposta do país no combate à crise.
Não
é a Constituição da República, mesmo
revista, que impõe a transformação das funções
sociais do Estado de Abril num negócio e instrumento de
exploração de uns poucos.
Não
é a Constituição da República, nem
nenhuma das suas revisões que vinculam Portugal à
aceitação submissa de uma integração
europeia marcada por uma orientação federalista,
neo-liberal e militarista que acentuam o carácter periférico
e dependente do nosso país.
Foram
os governos do PS e do PSD que o têm decidido e assim o querem.
Tal
como não é Constituição da República
que determina a necessidade de alterar as leis eleitorais, que mais
uma vez visam por em causa a proporcionalidade da representação
política, e retirar capacidade de formação de
verdadeiras alternativas institucionais na base do actual sistema
partidário.
Tal
como no passado o fizeram com o calculado artifício da redução
do número de deputados para acentuar o reforço
artificial da bipolarização partidária, as suas
actuais e novas propostas da dita reforma do sistema político,
mais não visam que promover um mais substancial desvirtuamento
da proporcionalidade de forma a garantirem maiorias eleitorais com
menos votos.
São
as suas decisões, as suas políticas e orientações
que são a causa das crescentes dificuldades e da degradação
das condições de vida dos trabalhadores e do povo.
São
as suas opções de total e completa subversão dos
objectivos e princípios da Constituição da
República e da desvalorização dos seus
instrumentos de intervenção que estão na origem
do nosso preocupante atraso, a estagnação e a regressão
social.
É
a sua política de subordinação aos interesses
dos grandes grupos económicos que tem levado a uma escandalosa
acumulação de capitais e de centralização
da riqueza nas mãos de uma minoria que têm hoje o
domínio dos instrumentos essenciais de exploração
dos trabalhadores e do povo e dos diversos sectores da economia
nacional.
Políticas
que colocaram o país na dependência dos grandes grupos
económicos e financeiros que escandalosamente concentram nas
suas mãos os resultados do trabalho de todo um país,
acentuaram as desigualdades sociais e regionais e que têm
conduzido ao estrangulamento de milhares de micro, pequenas e médias
empresas.
Políticas
que o actual governo do PS retoma com a entrega de novas e
importantes fatias de capital de empresas estratégicas
essenciais à promoção de uma política de
desenvolvimento nacional.
É
esta prática continuada de décadas à revelia da
Constituição da República, que está ainda
em curso e que tem no actual governo um preocupante exemplo nas suas
políticas de saúde com as medidas já em curso de
privatização dos centros de saúde, de
concentração de serviços e meios, uma
inaceitável machadada no direito constitucional à saúde
de todos os portugueses a que se juntou o recente e inadmissível
anúncio do Ministro da Saúde do fim do carácter
tendencialmente gratuito do Serviço Nacional de Saúde.
A
ofensiva de subversão do projecto constitucional tem outros
declarados inimigos e instrumentos de perversão, pela mão
dos mesmos agentes que persistem na subalternização do
direito constitucional português e da Constituição
Portuguesa a uma “Constituição Europeia”
neo-liberal e federalista que a todo o custo tentam ressuscitar.
Neste
momento de celebração da Constituição da
República, aqui renovamos o nosso compromisso com o imperativo
constitucional de realizar em Portugal uma democracia política,
económica, social e cultural, reafirmando a sua actualidade e
necessidade para o desenvolvimento e modernização da
sociedade portuguesa.
Neste
momento de comemoração da Constituição da
República mais uma vez declaramos o nosso empenhamento no
aprofundamento da democracia e da valorização das suas
diversas dimensões, em particular a dimensão
participativa tão golpeada nos últimos tempos.
Neste
momento de homenagem à Constituição da República
reafirmamos a nossa firme e inabalável determinação
de defender o seu Estado Democrático e o seu compromisso
social com o bem-estar dos trabalhadores e do povo. Compromisso de
defesa e realização de um Estado com preocupações
e responsabilidades sociais que garanta aos portugueses,
independentemente da sua condição social ou económica,
o direito ao ensino, à saúde, à justiça e
à segurança e protecção social.
Estado
que combata as discriminações e afirme os direitos das
mulheres e sua participação em igualdade.
Estado
que deve estar ao serviço do desenvolvimento harmonioso do
país e de uma economia nacional virada para satisfação
das necessidades do povo.
Neste
momento em que prestamos o nosso tributo à Constituição
da República, valorizamos mais uma vez a sua clara opção
de garantir e assumir a defesa dos direitos individuais e colectivos
dos trabalhadores, nomeadamente o direito ao emprego, a um salário
e uma reforma dignas, à contratação colectiva e
ao trabalho com direitos.
Neste
momento de consagração da Constituição da
República, renovamos os nossos propósitos de luta por
uma nova uma nova orientação na construção
da integração europeia baseada em países
soberanos e iguais e uma nova ordem mundial assente na paz e na
cooperação entre os povos tal como a nossa Constituição
estabelece.
A
sua importância para a construção de um Portugal
com futuro, livre e democrático e a sua estreita identificação
com as mais profundas aspirações dos trabalhadores e do
povo português são a garantia que a sua defesa há-de
ser sempre obra do povo que a inspirou e construí com a sua
luta nesse processo exaltante de liberdade e de transformação
da vida que brotou da Revolução de Abril.
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