Intervenção de Sérgio Ribeiro no debate «A Crise do Capitalismo – as causas e a resposta necessária»
Quinta, 23 Outubro 2008
Quem escora a
sua leitura e interpretação da História no marxismo-leninismo, confrontando-a
permanentemente com a realidade que vive, tem hoje motivos de satisfação. Não
por vanglória de "ter razão"; não por estulta vaidade pessoal, não porque seja
agradável de ver (e de conviver com) o espectáculo do mundo, bem pelo
contrário. Mas porque, isso sim, dá força para a luta. Contínua.
Com a humildade
que deve ser intrínseca a quem se arroga dessa leitura e interpretação, e de
que Marx e Engels deram exemplo, como o prova, de forma cabal, o prefácio de
1872 ao Manifesto de 1848, quando afirma que "o programa está hoje, num passo ou noutro, antiquado" e que a
aplicação dos princípios - que "conservam,
grosso modo, ainda hoje a sua plena correcção" - "dependerá sempre e em toda a parte das circunstâncias historicamente
existentes".
Hoje, 160 anos
depois, o mercado mundial a que se referia o Manifesto, como nele se
lê "deu ao comércio, à navegação, às
comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável" (e ainda estavam
para vir as comunicações por ar, em toda a sua acepção). E acrescenta-se que "Este (desenvolvimento) reagiu sobre a extensão da indústria, e na
mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, os caminhos de ferro (e
o mais que veio depois, pode acrescentar-se)
se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais,
empurrou todas as classes transmitidas da Idade Média para segundo plano" (e
entre estas estão os "estados intermédios",
noManifesto
o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês).
"Multiplicou os seus capitais..."!, quer
isto dizer que, sendo o capital uma relação social ele é,
também, um valor sob a forma monetária que é investido para a criação de
mais-valia.
Ora, se a
possibilidade de ocorrência de sobressaltos (chamemos-lhes crises) na circulação
começa com a transformação de M-M (coisa trocada por coisa) em M-D-M
(mercadoria trocada por mercadoria por intermédio de moeda, na designação
genérica de dinheiro), com o capitalismo, como modo de produção, a
circulação passa a ser D-M-D (dinheiro trocado por
mercadorias para serem trocadas por dinheiro), e as crises começam a fazer
parte do funcionamento do sistema pois a circulação exige que as mercadorias se
troquem por dinheiro e o objectivo dela deixou de ser o de satisfazer as
necessidades sociais, com M no final da circulação, mas o de realizar mais
dinheiro, com D' (mais dinheiro) no final da circulação económica e, para essa
realização, não são suficientes as disponibilidades para consumo criadas
durante o ciclo.
Na viragem da
década de 70 para a de 80 do século passado, tudo se complicou ainda mais com a
ultrapassagem, no quadro da luta de classes, de um pico de crise (monetária com
inconvertibilidade do dólar, do petróleo) pela via neo-liberal, monetarista,
com expressão na crescente importância da circulação D-D' (dinheiro trocado por
mais dinheiro, sem passar pelo ciclo produtivo). Chamemos-lhe especulação
(bolsista e outras).
Mas esta foi uma
forma, precária, instável e desestabilizadora, de ultrapassar uma contradição.
Agravando-a. E, ao mesmo tempo, ilustrando a crise como inerente ao sistema,
pois servindo para o capitalismo tentar superar, dentro dos seus parâmetros de
classe, a contradição no seu funcionamento, cuja é a do desenvolvimento
incessante e sem limites das forças produtivas em oposição às dificuldades e aos
limites da valorização do capital, enquanto valor sob forma monetária.
Daqui resulta a necessidade,
para a sobrevivência do sistema, da destruição de forças produtivas excedentárias
(maxime, de seres humanos),
excedentárias para a reprodução do capital por não permitirem o processo de sua
valorização como valor monetário.
Cada vez mais
concentrado e menos valendo porque, mantendo-se a necessidade vital de criação
de mais-valia e agudizando-se o desenvolvimento da contradição fulcral entre a
capacidade de produção e a capacidade de consumo, esse capital monetário está
cada vez mais empolado pela desmedida circulação D-D' (dinheiro àmais
dinheiro), com intervenção também cada vez mais relevante do crédito, até pelos
constrangimentos e travões na evolução dos níveis salariais.
Por isso mesmo,
no actual e gravíssimo pico de crise, a injecção de dinheiro pelo "moderno poder de Estado (que... lê-se no Manifesto) é apenas uma comissão que administra os
negócios comunitários de toda a classe burguesa", a injecção de disponibilidades
financeiras (dizia)é solução
precária para a situação estrutural, sistémica, agravando-a a prazo, prazo cuja
dimensão temporal é - e só esta o é - imprevisível.
As leis da
economia, ainda que sacudidas tempestuosamente pela financeirização, são
inelutáveis. No quadro do capitalismo, não existe saída para a crise que não
passe pela radicalização violenta, fascizante ou fascista, como foi o caso dos
anos 30 do século XX depois da crise de 29, a coberto de aparências
democráticas, e pela destruição significativa de forças produtivas, como a
militarização e a guerra o exigem e provocam.
O actual pico de
crise confirma que o socialismo é um imperativo ditado
pela evolução histórica. Mas para que, como possibilidade objectiva que é, ela se
torne realidade, exigem-se forças sociais capazes de a concretizarem. Ora,
nalgumas partes do mundo essas forças sociais perderam, batalhas que pareciam
ter sido ganhas - e que o foram durante décadas -, noutras partes do mundo as forças
sociais capazes de protagonizar reais mudanças, isto é, rupturas, não chegaram
ainda à maturidade, por ausência de unidade entre os explorados, por divisões entre
os trabalhadores, pelo atraso na tomada de consciência da classe operária e de
todos os explorados, tudo entretecido capciosamente pela classe dominante e por
quem a serve, com uso e abuso desmesurado da força da comunicação e informação,
novos e poderosos instrumentos da luta de classes, pela agressividade do
imperialismo na defesa dos interesses classistas e na permanente busca de
recuperar posições perdidas.
Todas as
flutuações que são próprias do processo histórico em nada põem em causa a
característica fundamental da nossa época:
a crise do capitalismo abre o caminho para
a alternativa ao capitalismo que é o socialismo. Tendo-se de ter bem
presente que época histórica não se confina, temporalmente, aos horizontes
de existência dos humanos.
Por outro lado, este pico de crise, depois de nos
anos 90 do século passado e nesta primeira década do milénio em que outros já
houve, depois de sucessivos sobressaltos enquanto se apregoava a estabilidade e
"o fim da História", este pico de crise veio trazer de novo à ribalta, e numa
outra perspectiva, a noção de "globalização", que
apareceu com o objectivo ideológico de apagar a realidade do imperialismo.
Citando Paul Krugman em 1997 (e fica sempre bem citar um Prémio Nobel...): "A maioria dos governos do mundo avançado e
industrializado, não são tão abalados pela globalização económica como se
imagina. Eles mantêm bastante autonomia na regulação das suas economias, na definição
das suas políticas sociais, e para a manutenção de instituições que diferem das
que impõem aos seus parceiros económicos". E, enquanto se tergiversava
sobre "globalização", agudizou-se a concorrência inter-imperialista podendo
dizer-se que foi a crise que se tornou "global"! Até já se tendo de falar nos "off-shores"...
Por isso mesmo, um pouco à
boleia do Nobel tão fresquinho e ignorando os que ele chama "teóricos
acidentais" que por aí pululam quando acontece o que outros previram e
preveniram, ainda algo acrescentaria sobre geografia económica e soberania
nacional.
É que, neste pico da crise
do capitalismo, nesta situação evidentemente grave por mais que se avancem com
analgésicos comunicacionais, com esperanças-ilusões como Obama ou até mesmo o
tão dotado e dito irreverente Nobel da Economia, tudo configura novas formas de
adiar a ruptura, através das mudanças "à Lampedusa" para que tudo fique na
mesma, depois de arranjos em que prevaleça a alternância entre os neo-liberais
acusados pelos sociais-democratas procurando, aqui, fazer esquecer que compartilharam sempre governos e
responsabilidades pelas políticas e invertendo-se, ali, os respectivos papeis na farsa.
Voltando à geografia
económica, as referências aos países emergentes são múltiplas e,
por exemplo, os nossos banqueiros e políticos da política de direita não fogem
ao canto da sereia (ou do cisne?), sempre com Angola nos lábios ou no
pensamento. Foi, aliás, um grupo banqueiro transnacional - o Goldman Sachs, que
faz parte dos que têm andado agora nas bocas do mundo, e onde o vice-presidente
do PSD, e guru do neo-liberalismo, António Borges terá tido lugar importante -,
foi este banco que lançou, em 2001, o acrónimo BRIC, a partir de Brasil,
Rússia, Índia e China, auto-denunciando intenções estratégicas a que podemos
chamar globalizantes, neo-coloniais, imperialistas, ou simplesmente divisão
internacional do trabalho, em que esses países teriam lugares proeminentes e
papeis destinados no contexto imperialista, o Brasil e a Rússia como
fornecedores de espaço e de natureza, a Índia e a China como fornecedores de
força de trabalho e de consumidores.
Para este peditório da
divisão imperialista do trabalho já Portugal deu, através do que foi a
integração no espaço económico europeu, com a "subordinação do território e do mar (sublinho: do mar) sob soberania
nacional a lógicas alheias ao interesse do País, favoráveis ao grande capital e
potências estrangeiras", e o que tem representado uma verdadeira "subversão da Constituição da República
Portuguesa".
Sublinho, para quem não o
lembre, que acabo de citar 2 das 10 rupturas com as políticas de direita
que, na Conferência nacional do PCP sobre questões económicas e sociais,
realizada em Novembro de 2007!, foram consideradas indispensáveis e urgentes
para uma política alternativa que evitasse aos portugueses as
consequências das políticas de direita que se inscrevem, servilmente, nesta
fase do capitalismo.
Às mudanças
nas políticas de direita, há que opor a luta por uma ruptura
(e rupturas) com o capitalismo. A alternativa ao que se vive, e aos
perigos que a Humanidade corre, é o socialismo!