Partido Comunista Portugu�s
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Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - Intervenção de João Oliveira na AR
Sexta, 16 Maio 2008
 

Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, a 26 e 27 de Julho de 2004

 

 

 

Sr. Presidente,

Srs. Membros do Governo,

Sr.as e Srs. Deputados:

A proposta de resolução que agora discutimos  (proposta de resolução n.º 71/X) visa a ratificação por Portugal do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Sendo certo que o Protocolo em questão apenas altera as condições de entrada em vigor do Acordo Ortográfico, a discussão que hoje fazemos não deve ser apenas sobre aspectos meramente formais. A discussão desta proposta de resolução não pode ser desligada do conteúdo material do Acordo Ortográfico que se pretende que entre em vigor, nem se pode alhear dos efeitos que o Acordo produzirá e do processo político que está em causa.

O Acordo Ortográfico, assinado em 1990 e ratificado por Portugal em 1991, prevê como condição para a sua entrada em vigor a ratificação por todos os Estados signatários que então correspondiam aos sete Estados-membros da CPLP: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Até hoje, apenas Brasil, Cabo Verde, Portugal e São Tomé e Príncipe procederam à referida ratificação, pelo que o Acordo nunca chegou a entrar em vigor.

O Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, assinado por todos os Estados-membros da CPLP em 2004, incluindo já Timor Leste, procura ultrapassar o impasse, alterando as condições de entrada em vigor do referido Acordo para que esta pudesse ocorrer mais rapidamente.

Assim, para que o Acordo entre em vigor passa a exigir-se como condição a ratificação por apenas três dos Estados signatários, prevendo-se que esta alteração às regras de entrada em vigor do Acordo entre em vigor logo que três Estados ratifiquem o próprio Protocolo Modificativo.

Tendo em conta que Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe já ratificaram o Acordo e os dois

Protocolos Modificativos, logo surgiu quem defendesse que o Acordo já estaria em vigor para todos os Estados signatários, incluindo aqueles que não procederam à ratificação deste Segundo Protocolo Modificativo.

Perante a impossibilidade de detalhar os argumentos que se impõem, apenas diremos que não se pode aceitar que um Estado fique vinculado a um tratado internacional que não ratificou e que, portanto, se continue a exigir que cada um dos Estados signatários proceda à ratificação deste Segundo Protocolo Modificativo para que o Acordo entre em vigor no seu território.

Esta é a questão que continuará sem resposta. Continuaremos sem saber se os países que até hoje não ratificaram o Acordo o farão no futuro. Continuaremos sem saber se o Acordo Ortográfico poderá algum dia vir a entrar em vigor em todos os Estados-membros da CPLP ou se continuarão a ficar de fora Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste.

Por outro lado, a própria proposta de resolução parece frustrar os objectivos do Protocolo Modificativo. Se a intenção do Protocolo é a de criar condições para que o Acordo entre em vigor mais rapidamente, como é que se compreende que a proposta de resolução preveja uma moratória de seis anos para que o Acordo entre em vigor em Portugal?

A realidade, Sr.as e Srs. Deputados, é que o processo do Acordo Ortográfico é um processo marcado por contradições e impasses.

Apesar das violentas críticas que sofreu por parte de utilizadores qualificados da língua portuguesa e das promessas do então Secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes, de que os erros seriam corrigidos e as deficiências ultrapassadas, o conteúdo concreto do Acordo nunca sofreu alterações nestes 18 anos em que andou a marcar passo.

Apesar de o Acordo prever a elaboração de um vocabulário ortográfico comum de terminologias técnicas e científicas, passaram 18 anos desde a sua assinatura e não há ainda vocabulário comum.

Apesar de já, em 1990, se assinalar a necessidade de proceder a uma avaliação rigorosa dos efeitos do Acordo Ortográfico, designadamente no plano linguístico, editorial e educativo, essa avaliação continua por fazer.

O PCP reafirma, hoje, a posição manifestada em 1990, com todas as críticas, reservas e preocupações que então existiam.

Um bom acordo ortográfico pode, de facto, ser um instrumento importante no âmbito de uma política da língua mais abrangente que considere outros aspectos fundamentais como a empenhada promoção do livro e dos autores portugueses, o aprofundamento das relações de cooperação com os PALOP ou uma intervenção diplomática verdadeiramente apostada na divulgação dos autores e criadores portugueses. No entanto, é fundamental que a implementação de qualquer acordo ortográfico seja atempadamente preparada e os seus efeitos devidamente tidos em conta e minimizados, quando negativos.

Este Acordo Ortográfico continua a ser um mau Acordo. Continua a não responder às críticas feitas em 1990, entre outros, pelos docentes de linguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pela Comissão Nacional da Língua Portuguesa, pela Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário ou pela Associação Portuguesa de Linguística. Críticas encabeçadas por pessoas como, por exemplo, Óscar Lopes ou Vítor Aguiar e Silva, críticas essas que foram agora inteiramente recuperadas com total justeza.

Portugal não pode, no entanto, ficar à margem de um processo em que se lhe exige especial

responsabilidade e intervenção.

É fundamental que o Governo português desenvolva as iniciativas necessárias à correcção dos aspectos que necessitam de ser corrigidos e que tome as medidas adequadas a evitar efeitos económicos negativos no sector editorial e livreiro português ou no sistema educativo.

É fundamental que o Governo português assuma a necessidade de uma verdadeira política da língua nos termos que atrás referimos, não negligenciando as potencialidades que um bom acordo ortográfico pode trazer nesse âmbito.

(...)

Sr. Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados:

Muito rapidamente, em jeito de conclusão, quero apenas deixar duas notas. Uma primeira nota, que é, de facto, uma conclusão que resulta deste debate, é que uma verdadeira política da língua não se pode ficar pela entrada em vigor de um acordo ortográfico.

Uma verdadeira política da língua exige muito mais do que aquilo que tem sido feito por este e por outros governos, neste domínio.

Uma segunda nota é para registar uma discordância com uma posição que aqui foi deixada por alguns intervenientes neste debate. É que aqueles que pretendem encontrar na uniformização e na unicidade da língua portuguesa um instrumento da sua promoção e da sua afirmação no mundo não o encontram neste Acordo Ortográfico, pois ele não prevê uma uniformização da língua - aliás, permite até, com uma regra da facultatividade, que a palavra «facto» continue a escrever-se, em Portugal, com um c e, no Brasil, sem c.

Portanto, com este Acordo, não teremos a uniformização que muitos entendem ser um valor fundamental a defender. Esta perspectiva é também a confirmação de que muitas das críticas que foram feitas ao conteúdo concreto do Acordo Ortográfico carecem ainda de ter resposta   por quem, na altura, o apresentou e defendeu e por quem, ao longo dos anos, tem tentado transformá-lo na peça central da política da língua, que continua a não existir, em Portugal.