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Que futuro para as pescas nacionais? - Intervenção de Pedro Guerreiro - Sessão sobre as Pescas
Sábado, 26 Maio 2007
 
Dada a multiplicidade de importantes aspectos que poderiam ser abordados relativamente à Política Comum de Pesca e à sua aplicação, quantas vezes “mais papista que o papa”, ao longo de mais de mais de 20 anos pelos sucessivos governos portugueses, apenas coloco como objectivo desta intervenção o caracterizar algumas das linhas centrais da actual Política Comum de Pesca e do seu instrumento financeiro, Fundo Europeu das Pescas (FEP) (que substitui o Instrumento Financeiro de Orientação das Pescas, IFOP), assim como o apontar as linhas orientadoras para uma política alternativa, que desde sempre preconizamos.

No regulamento que estabelece o actual Fundo Europeu das Pescas estão fixados os objectivos e eixos principais, assim como é definido o quadro financeiro para a aplicação da Política Comum da Pesca para o período de 2007 a 2013.

O seu objectivo é impulsionar a aplicação da última reforma da Política Comum de Pesca, de 2002, apoiando, como afirma a Comissão Europeia, “as reestruturações necessárias à evolução do sector”.

Face aos “cinco eixos prioritários” do Fundo Europeu das Pescas, poderão apontar-se como seus objectivos fundamentais:
- A promoção do abandono da actividade, através da ajuda financeira para os pescadores e armadores que queiram retirar temporariamente ou definitivamente as suas embarcações de pesca, assim como para a formação, reconversão ou reforma antecipada de pescadores. Sendo que as embarcações que sejam objecto de retirada permanente - excluindo as destinados à demolição - poderão ser reafectas a actividades distintas da pesca ou à criação de recifes artificiais;

- O não apoio à modernização e renovação da frota, apenas sendo previstas neste âmbito ajudas para a melhoria da selectividade da captura, das condições de trabalho e segurança e da eficiência energética, nomeadamente através da substituição de motores, sem, no entanto, permitir o aumento da capacidade de captura ou da potencia do motor das embarcações - bem pelo contrário, assegurando a diminuição da sua capacidade em alguns casos;

- O apontar a aquicultura como uma prioridade, contrapondo-a e colocando-a em alternativa à captura;

- E o apoio a medidas e a iniciativas orientadas para a chamada “diversificação e o reforço do desenvolvimento económico nas zonas de pesca afectadas pelo declínio das actividades de pesca”, promovendo o turismo ecológico, a construção de infra-estruturas de acesso, a recuperação do património histórico ou a formação para a reconversão profissional dos profissionais da pesca;

Tudo no quadro, como refere a Comissão Europeia, da redução da pressão sobre as unidades populacionais de pescado - através da redução do esforço de pesca, da limitação das capturas, da implementação de medidas técnicas e da adaptação das capacidades das frotas -, assim como do dito “desenvolvimento de empresas economicamente viáveis no sector das pescas” em condições de fazer face à denominada “competitividade”.

Ou seja, para além de todo um outro conjunto de medidas que poderão ter um enquadramento positivo, as prioridades que definem a matriz do Fundo Europeu das Pescas estão direccionados para o reforço da promoção do abandono da actividade de um grande número dos profissionais da pesca (é a própria Comissão Europeia que aponta que o “Fundo Europeu das Pescas intervirá na demolição de navios com um nível de auxilio acrescido”), assim como para a concentração da actividade no sector.

Tal objectivo é tão mais evidente, quando se constata que ao mesmo tempo que - e apesar da existência de uma Política Comum de Pescas -, não se tomam quaisquer medidas ao nível comunitário com um impacto efectivo na melhoria da situação socio-económica do sector, apontam-se, pelo contrário, medidas que facilitam e incitam ao abandono da actividade. E isto, quando é por demais evidente que o sector tem vindo a confrontar-se com uma situação que se tem deteriorado ao longo dos últimos anos, seja pelo aumento dos custos de produção (como é o exemplo do preço dos combustíveis), seja pela estagnação ou descida dos preços na produção (referindo-se a este propósito que a Comissão Europeia aponta que apenas 10 a 20% do valor acrescentado global do sector se concentra na actividade de pesca propriamente dita).

Só nos últimos dez anos, o sector das pescas sofreu uma redução de 35% dos postos de trabalho, de 20% das embarcações e de 28% das capturas ao nível comunitário, tendo a revisão da Política Comum de Pescas, de 2002, não só não invertido esta tendência, como a agravado. Sendo que a União Europeia já importa mais de 40% do seu consumo de produtos de pesca e o seu défice da balança comercial de produtos da pesca tem vindo a aumentar progressivamente nos últimos anos.

Para além disso deverá ser salientado que o montante global do pacote financeiro para o Fundo Europeu das Pescas para 2007 a 2013 é cerca de 3,8 mil milhões de euros, quase equivalente ao montante global do IFOP, para o período 2000 a 2006, e isto quando a União Europeia passou de 15 para 27 Estados-membros.

É necessária outra política!

Uma política que não utilize a deterioração socio-económica do sector para promover o abate e a cessação definitiva de actividade de embarcações, o que tem tido enormes impactos económicos e sociais.

Uma política que não radique na promoção do abate de embarcações, independentemente da redução do esforço de pesca já efectuado, das especificidades das frotas, das necessidades de consumo de cada Estado-membro, do envolvimento dos pescadores e da investigação científica pesqueira.

Uma política que dê resposta às dificuldades com que o sector da pesca se debate, que radicam sobretudo no problema do equilíbrio entre os rendimentos (decrescentes) e os custos operacionais (crescentes) no sector.

Uma política que garanta a manutenção da actividade piscatória de uma forma equilibrada e sustentável, com base numa gestão descentralizada e assegurando aos profissionais do sector da pesca um rendimento, nível de vida e condições de trabalho condigno;

Neste sentido temos apresentado um vasto conjunto de propostas, de que se destacam:
A criação de um fundo de garantia, comparticipado ao nível comunitário, que garanta a estabilidade do preço dos combustíveis, assim como, a concessão de uma indemnização compensatória transitória às empresas de pesca afectadas;
A criação de um sistema de seguro público, garantido a nível nacional e comunitário, para acontecimentos imprevisíveis no sector das pescas, à semelhança do que acontece noutros sectores;
O aumento do valor da regra "de minimis" para o sector das pescas, nomeadamente equiparando o seu montante ao de outros sectores produtivos;
O reforço das verbas do Fundo Europeu das Pescas;
A garantia do investimento ao nível do 7º Programa-Quadro de Investigação e desenvolvimento para a investigação cientifica pesqueira;
A continuidade da concessão de ajudas à renovação e à modernização da frota de pesca no âmbito do Fundo Europeu das Pescas;
O reconhecimento da especificidade e importância da pequena pesca costeira e da pesca artesanal, adaptando-se os instrumentos existentes e criando um programa comunitário especifico de apoio a este subsector da frota;
A plena salvaguarda da subvenção ou compensação dos pescadores afectados pelos efeitos socio-económicos da pesca respeitadora do ambiente;
A profunda modificação da actual Organização Comum de Mercado (OCM) dos Produtos da Pesca, de forma a melhorar a comercialização de pescado e dos produtos da pesca, os preços de primeira venda, aumentando o seu valor acrescentado, e avaliando outras formas de intervenção no mercado, como os preços de garantia ou taxas máximas de lucro, para além da manutenção e reforço dos necessários auxílios públicos;
O assegurar um apoio efectivo e sustentado à constituição e funcionamento de organizações de produtores;
A introdução de mecanismos para promover a comercialização de produtos transformados da pesca de maior valor acrescentado, como as conservas;
O assegurar a plena participação das estruturas representativas dos pescadores nos Conselhos Consultivos Regionais;
O apoio às estruturas representativas dos pescadores e às organizações profissionais dispostas a partilhar a responsabilidade pela aplicação da Política Comum de Pescas, descentralizando-a e aplicando a co-gestão;
A rejeição de qualquer sistema de quotas individuais transferíveis que conduza à privatização dos recursos haliêuticos, salientando-se que a distribuição das quotas e direitos de pesca é uma competência exclusiva dos Estados-membros;
A defesa dos direitos laborais, o assegurar da formação profissional integrada no sistema público de ensino, a melhoria das condições de trabalho e a salvaguarda da segurança dos pescadores;
A salvaguarda da soberania nacional sobre o Mar Territorial e sobre a Zona Económica Exclusiva, nomeadamente no contexto do debate de uma futura política marítima europeia;
A rejeição do estabelecimento de um sistema de fiscalização supranacional ou de uma qualquer guarda costeira ao Nível da União Europeia;
A rejeição de qualquer pretensão de tornar competência exclusiva comunitária a gestão dos recursos biológicos marinhos, como inscrita na rejeitada proposta da denominada “constituição europeia”;

Como o PCP tem vindo a afirmar, o sector das pescas tem uma importância estratégica para a situação socio-económica, para o abastecimento público de pescado, para o equilíbrio da balança alimentar, para a soberania alimentar do nosso País. Trata-se de um sector que contribui consideravelmente para o desenvolvimento local das comunidades costeiras, a manutenção/criação de actividades económicas e postos de trabalho, o abastecimento de peixe fresco e a manutenção das tradições culturais locais.

Defendamos e desenvolvamos este sector estratégico para o País.