Partido Comunista Portugu�s
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Acesso aos serviços públicos essenciais - Intervenção de José Soeiro na AR
Quarta, 19 Abril 2006

Interpelação n.º 3/X, sobre condições de prestação e de acesso aos serviços públicos essenciais

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr. as e Srs. Deputados,

A linha do Sado, entre o Barreiro e as praias do Sado, que transporta anualmente cerca de 3 milhões de passageiros, tem sido, com frequência, notícia devido à luta das populações, que há sete anos, repito, há sete anos, exige, com notável determinação, o que é justo relevar e saudar, que se cumpram os compromissos assumidos pelo Governo e pela CP, desde 1999, de modernização desta linha com a sua electrificação total, material circulante novo e condições de conforto e funcionalidade das respectivas estações.

Recentemente, a comissão de utentes desta linha esteve na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, onde fez o relato das condições inaceitáveis, que continuam a existir, nesta linha e, mesmo, nalguns casos, falta de condições de segurança e manifestaram preocupação por ver, na política deste Governo, a perspectiva da privatização de parte desta linha, com a entrega à Fertagus, com as consequências que já foram observadas com a parte explorada por esta empresa e que se traduz em mais custos e, até, em horas de ponta, em condições de transporte insuficientes. Impõe-se, assim, que o Governo esclareça, não com evasivas e meias respostas, como tem feito, quais as verdadeiras intenções sobre esta importante infra-estrutura ferroviária.

É que não basta prometerem-nos planos estratégicos para o sector ferroviário ou, até, planos estratégicos para todos os transportes, anúncio que o Sr. Ministro tem feito sucessivamente mas que, até hoje, não passaram disso mesmo: de promessas.

Por isso, precisamos saber, em concreto, se o Governo vai cumprir os compromissos assumidos, desde 1999, por governos do PS e do PSD/CDS-PP, assegurando a electrificação de toda a linha do Sado — repito, de toda —, entre o Barreiro e as praias do Sado, introduzindo o material circulante e procedendo à melhoria das condições das estações em matéria de conforto e segurança e, se assim é, quando pensa o Governo que esta modernização estará concluída.

Queríamos saber também se o Governo pensa manter esta linha do Sado no quadro da CP, como defendem utentes, trabalhadores e autarquias, ou se vai proceder à sua privatização, entregando-a à Fertagus, a exemplo do que fez com o chamado «comboio da ponte» e que, como já foi aqui dito, acarretou o imediato agravamento dos preços dos transportes e, neste momento, em horas de ponta, nem corresponde à qualidade do preço que é pago.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr. as e Srs. Deputados:

Esta interpelação fica marcada por um facto político absolutamente incontornável, que já foi referido mas que merece ser sublinhado: o silêncio e agora a ausência do Sr. Primeiro-Ministro.

Estas palavras não são minhas, estou a ler as afirmações do Sr. Eng.º José Sócrates, quando era Deputado nesta Casa, na interpelação marcada pelo Partido Socialista, em 19 de Março de 2004.

Bem faria o Sr. Primeiro-Ministro se não tivesse tão pouca memória e tivesse presente que não bastam as palavras, por muito belas que elas sejam, para contornar a realidade.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que, todos reconhecemos, é um emérito orador, bem se esforçou hoje para procurar convencer-nos da bondade da política do actual Governo. Creio que esta interpelação ficará marcada pela constatação desta realidade: temos dois mundos nesta Câmara.

Um, representado pelo discurso da modernidade, da inovação, da perspectiva «cor-de-rosa» para o País, para as portuguesas e para os portugueses, é o discurso do Governo; o outro é o da realidade dos trabalhadores e do povo português, que no dia-a-dia se confrontam com as consequências das decisões que este Governo vai tomando.

Estamos perante não uma política marcada pela obsessão com o défice mas uma política de entrega à voracidade insaciável dos interesses privados, em obediência a uma estratégia clara de transformação em negócio, serviços públicos essenciais para o bem-estar e para a qualidade de vida dos cidadãos.

Falar em proximidade, em qualidade de serviços e em redução de custos não chega, porque, por aquilo que temos no terreno, que ouvimos às pessoas, que qualquer um de nós pode constatar no seu círculo eleitoral, se tiver o cuidado de ir falar com as instituições e com os representantes das populações, os autarcas, as comissões de utentes e as associações, a verdade é que as medidas que vão sendo tomadas não aproximam os serviços dos cidadãos, afastam-nos.

Tal não sucede apenas no interior do País, embora esse facto, por si só, fosse suficientemente grave e justificasse uma reflexão séria sobre a política em curso. O que se passa é que, como aqui foi hoje dito e demonstrado, também nas áreas metropolitanas os problemas se acumulam, na área da saúde e do ensino, com os transportes, com a acção social, com o abastecimento de água e com a segurança.

E nenhum destes problemas se baseia em teorias, foram dados exemplos concretos, mencionando-se as localidades e as pessoas afectadas pela insuficiência dos serviços que o Estado lhes está a oferecer.

Por isso, dizemos que a realidade não pode ser ignorada e que não se podem usar critérios economicistas, rácios aritméticos, quando estamos a tratar da qualidade de vida de seres humanos, do facto de estarem bem ou mal.

Isto porque, de acordo com os rácios, teríamos de desertificar hoje o resto do País, viríamos todos para Lisboa, para o Porto, para Aveiro. E o resto? O que faríamos ao resto do território nacional?

Dizem que a nossa visão é do passado, estática, catastrófica ou apocalíptica. Será verdade?!

Será que os portugueses e as portuguesas que saem à rua para defender que os centros de saúde mantenham os serviços não percebem que o seu encerramento é melhor, como diz o Governo?! Será que os pais, os professores e as autarquias que protestam e denunciam as consequências negativas desta política estão todos doidos?! Serão todos atrasados ou catastrofistas?! Não querem o bem-estar dos seus filhos?! Não querem um ensino de qualidade?!

Temos de nos perguntar, Srs. Membros do Governo e Sr. as e Srs. Deputados, se este Executivo será como aqueles pais que foram ver o filho quando este prestava o serviço militar e que, ao vê-lo marchar, acreditavam que apenas ele tinha o passo certo, todos os demais tinham o passo trocado!

Este Governo procura convencer os portugueses de que quem está errado são todos eles e de que é bom fechar centros de saúde, encerrar escolas e privatizar serviços ou, como foi dito aqui, externalizar.

Falaram das parcerias público-privadas, mas quais são as consequências destas parcerias? Prestam algum serviço com melhor qualidade e a menor preço do que o que é prestado pelos serviços públicos? Ou será que este Governo, como os anteriores, está sempre empenhado em criar mais áreas de negócios, em investir com dinheiro público, criar condições para interessar os parceiros privados?

Isto é o que tem sucedido, mas, apesar de os discursos do Governo o referirem com frequência, não podemos aceitar que o funcionamento do mercado de capitais seja encarado como questão estratégica da política dos serviços públicos.

Como aqui foi dito, vemos hoje as consequências da privatização da EDP, da PT, da Galp, da Brisa e de tantas e tantas outras empresas. Será isto passadismo? Não! Estas empresas já davam lucros quando foram privatizadas. Não houve qualquer milagre de gestão. Quem fez estas empresas e quem as tornou rentáveis foi o Estado, que, depois, as entregou, e hoje vemos os lucros escandalosos que elas apresentam, num momento em que o Governo invoca a crise para apertar cada vez mais o cinto aos trabalhadores, aos pequenos e médios agricultores, aos pequenos e médios comerciantes e aos pequenos e médios industriais deste país!

Esta política não é aceitável, mas esta interpelação tem o mérito de clarificar as coisas. De facto, só podemos dizer que é preocupante a forma como a maioria que sustenta este Governo não tem um sobressalto.

Diz-se socialista, mas não percebe como a maioria das suas propostas é aplaudida, ainda que por vezes em surdina, pelas forças mais retrógradas da sociedade portuguesa.

Isto é que é mau! É isto que não podemos deixar de chamar a atenção!

Tivemos ontem nesta Casa algumas dezenas de representantes de comissões de utentes, de dirigentes sindicais, de comissões de trabalhadores e até de autarcas de diferentes quadrantes e de diferentes pontos do País. Que pena, Sr. as e Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, VV. Ex. as não terem estado presentes para ouvir as suas inquietações sobre a desertificação e o envelhecimento nas suas terras, do interior do País, sobre os serviços que são cada vez mais afastados das populações e sobre a ausência de transportes para poderem aceder a estes serviços.

É pena que os senhores digam que isto é catastrofismo ou uma visão apocalíptica, porque é a realidade do País que somos, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo!

Isto só nos deve inquietar, sobressaltar e levar a tomar as medidas necessárias para corrigir o rumo para que esta política conduz o País.

Para me referir a uma questão concreta, falou-se, afirmou-se que teríamos escolas de acolhimento extraordinárias. O que é que considera escolas extraordinárias, Sr. Ministro, se tudo o que aqui foi dito, sobre o encerramento das escolas, corresponde à verdade?

E não temos conhecimentos de que as câmaras municipais tenham manifestado o seu acordo, à excepção da Câmara Municipal da Covilhã, como afirmou o Sr. Ministro.

Está aqui um documento que considera que, para as escolas de acolhimento serem as tais boas escolas que foram aqui anunciadas, basta que se façam pequenas obras de reparação de telhados, de janelas e de portas. Isto está escrito! Não estou a inventar nada! Aconselho a leitura deste documento e a reflexão sobre se é isto que, efectivamente, se pretende oferecer às nossas crianças.

Sr. Presidente,


Peço a sua compreensão para abordar uma questão que diz respeito a todos nós. Sucede que, por vezes, as coisas que se dizem no fim podem até ser as mais importantes e o que vou dizer tem a ver com o momento político particular que estamos a viver.

Na realidade, sendo certo que pode haver nesta Assembleia quem entre por uma porta, assine o livro de ponto e saia por outra porta para tratar dos seus negócios privados, não podemos aceitar que esta prática caracterize a maioria dos Deputados desta Casa. Nós condenamos quem o faz, podemos discordar do trabalho que cada um produz, mas aqui trabalha-se e isto tem de passar para a opinião pública! O Grupo Parlamentar do PCP não aceita ser tratado como se aqui estivesse apenas para vir buscar um salário.

Estamos aqui para trabalhar em nome dos trabalhadores, em nome do povo que nos elegeu, em defesa dos seus interesses e em defesa dos interesses do País!

Não é aceitável que se coloque em pé de igualdade alguém como o Deputado Jerónimo de Sousa, que, quando não está nesta bancada, toda a gente sabe onde está!

A comunicação social acompanha-o e sabe que ele está junto dos trabalhadores em defesa dos seus postos de trabalho, junto dos reformados em defesa de melhores reformas, junto das populações em defesa dos centros de saúde, etc., etc.

Por isso, não podemos deixar de criticar os analistas que procuram passar para a opinião pública a ideia de que os Deputados são todos, sem excepção, um bando de malandros! Não podemos aceitar isto! É dever de todos nós trabalhar para prestigiar esta Casa, divulgando melhor os seus trabalhos e denunciando e condenando analistas e comentadores que, longe de serem independentes, têm objectivos que a vida, no futuro, demonstrará.

Era isto que queria dizer, afirmando que continuaremos a trabalhar para produzir a legislação necessária à resolução dos problemas do povo e do País, não aceitando, naturalmente (como penso que a maioria não deve aceitar) que nos metam num «saco» generalista!