Partido Comunista Portugu�s
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Intervenção de Agostinho Lopes na AR
Arrendamento rural
Sexta, 12 Junho 2009
agricultura.jpgHá de 32 anos, uma famigerada Lei Barreto (Lei 76/77 de 29 de Setembro), de um Governo e maioria PS, com o apoio do PSD/PPD e do CDS, pôs fim a um quadro legislativo de Arrendamento Rural (Decreto-Lei Lei 201/75 de 15 de Abril), inovador e avançado nas relações entre proprietários e rendeiros, eliminando resquícios feudais na exploração da terra. Legislação que representou verdadeiramente, a chegada do 25 de Abril, aos campos do Norte e Centro.  

 

Autoriza o Governo a estabelecer o novo regime do arrendamento rural

Sr. Presidente,
Srs. Ministros,
Srs. Deputados:

Há 32 anos, uma famigerada «Lei Barreto», de um governo e maioria PS, pôs fim a um quadro legislativo de arrendamento rural que representou, então, a chegada do 25 de Abril aos campos do Norte e Centro do País.

Hoje, de novo, um Governo PS desempenha esse papel de favorecimento dos grandes senhores da terra, a que acrescenta os interesses dos grupos económicos privados da fileira florestal e do turismo.

É esse o objectivo da proposta do Governo (proposta de lei n.º 269/X).

Foram feitas alterações de fundo, inseridas na fúria legisladora em «fim de festa» de quadros normativos estruturantes da agricultura e do mundo rural; alterações confortadas pela maioria absoluta e realizadas sem quaisquer estudos sérios e fundamentados e sem consultas suficientes aos parceiros sociais, sendo que a que fórmula «autorização legislativa» em fim de Legislatura deixa o Governo de «mãos livres».

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Qual a necessidade de alterar esta lei com esta urgência? Que conflitos progrediam nas aldeias do País entre rendeiros e senhorios?

De facto, o Governo não procedeu a nenhum levantamento sério da situação do arrendamento rural no País. Aliás, o Governo incumpriu, mais uma vez, o que se estabelece no Regimento da Assembleia da República, no sentido de que as propostas de lei devem ser acompanhadas de estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado.

Além disso, viola formalmente o artigo 98.º da Constituição da República Portuguesa, que manda que «Na definição da política agrícola...» seja «... assegurada a participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores» e não a título facultativo, como pretende o Governo, incumprindo novamente o Regimento da Assembleia da República, ao não juntar à proposta de autorização legislativa «as tomadas de posição assumidas pelas diferentes entidades interessadas na matéria».

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Mais grave é, no entanto, o conteúdo do projecto. E se o que se propõe não assumisse um particular e negativo significado, seria risível ver o Governo e o Ministro da Agricultura, argumentar que se pretende com a nova legislação «contrariar a tendência para o abandono dos solos rurais»!!!

É porque só por anedota se vê um Governo, que tudo fez e que conseguiu mesmo ir mais longe do que todos os anteriores praticantes fiéis das políticas de direita para a destruição da agricultura nacional, reclamar a mudança de legislação para combater o abandono da agricultura!

Quem agravou brutalmente as condições da actividade agrícola? Com que direito fala dos riscos da desertificação dos campos portugueses? Que autoridade tem um Governo que paralisou durante quatro anos a instalação de jovens agricultores?

Sem a rentabilidade da actividade económica agro-pecuária continuará o abandono, as silvas continuarão a invadir as folhas de cultura, e continuará a não haver procura de terra para explorar.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Não é só uma mentira que suporta as teses da suposta necessidade de mudar o arrendamento rural.

É o neoliberalismo em todo o seu esplendor! «O rabo do gato escondido» pelas necessidades da propaganda eleitoral e pelas canhestras tentativas de esconder responsabilidades pela profunda crise em que as políticas do Governo mergulharam o País.

É de novo a tese neoliberal de que o mercado é o instrumento da reestruturação fundiária, facilitando a «mobilização para a actividade produtiva» da terra e promovendo «o aumento da dimensão física e económica das explorações».

A insistência na tese neoliberal de que a liberalização, dita «flexibilização», das normas do arrendamento (redução de prazos e prática eliminação do direito de oposição do arrendatário à denúncia do contrato, liberalização das rendas, igualização das posições de rendeiros e senhorios) resolverá a complexíssima questão da posse, uso e transmissão dos patrimónios fundiários.

Isto é, resolverá, o que só verdadeiras e integradas políticas agrícolas e fundiárias, tendo como objectivo a segurança e soberanias alimentares do País, permitirão resolver.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Governo PS e a sua maioria deveriam fazer duas reflexões, sendo que a primeira é a de saber quais os resultados da revisão a que procederam, no início da Legislatura e no mesmo sentido - liberalização -, na legislação do arrendamento urbano.

Provocou algum abalo nesse «mercado»?

A segunda é a de saber por que razão não avançou a criação de um «banco de terras», visando a instalação de novos agricultores, como constava do programa eleitoral do PS e do Programa do XVII Governo Constitucional.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Deve sublinhar-se ainda a inaceitável violação material da Constituição da República Portuguesa.

A importância da matéria levou a que os constituintes estabelecessem de forma imperativa que «Os regimes de arrendamento e de outras formas de exploração de terra alheia serão regulados por lei de modo a garantir a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador.»

Ora a proposta do Governo (à semelhança do que fez o Código de Trabalho relativamente às relações laborais) nivela direitos e interesses do proprietário e do rendeiro através de uma abstracta «vontade das partes» e sem regimes supletivos, pelo menos, que protejam na relação contratual a parte economicamente mais fraca.

Alguns questionamentos da legislação em debate «põem completamente a nu» a falsidade dos argumentos do Governo de querer combater o abandono dos solos. É porque se fosse esse o objectivo não reduzia a estabilidade das explorações arrendadas pelo encurtamento dos prazos e pelo arbítrio na resolução dos contratos, pondo em causa inclusive, por exemplo, os projectos de protecção integrada e outros que obrigam a compromissos mínimos de cinco anos ou a decisões de investimento que exigem na agricultura períodos longos de maturação; não retirava das normas do arrendamento a exigência que obrigava o senhorio à exploração directa da terra; não «abria as portas» à especulação das rendas; não legalizava a possibilidade de as ajudas à produção da PAC ficarem na mão dos proprietários.

Talvez os PIN turísticos das herdades da Comporta e da Barrosinha (os seus rendeiros, produtores de arroz, já receberam cartas a denunciar os contratos!) e os interesses dos monopólios da fileira florestal na produção de eucalipto (também presentes na alteração da RAN e projecto de código florestal) possam explicar a nova lei para o arrendamento rural do Governo PS/Sócrates, mas não seguramente os interesses da agricultura nacional, não os interesses dos agricultores portugueses, não os interesses de Portugal!

(...)

Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

Sr. Presidente,

A interpelação é no sentido de solicitar à Mesa, nomeadamente ao Sr. Presidente, que interceda junto do Governo, em particular do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, no sentido de cumprir o Regimento desta Assembleia, que, no n.º 3 do artigo 124.º, diz que «As propostas de lei devem ser acompanhadas dos estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado.»

O Governo não o fez.

Além de mais, o Regimento, no artigo 188.º, n.º 2, diz que as tomadas de posição assumidas pelas diferentes entidades interessadas - o Governo diz que fez essas audições - devem acompanhar o pedido de autorização legislativa, o que o Governo também não fez.

Mesmo a posteriori, teria, certamente, interesse para esta Assembleia o conhecimento desses documentos.