Partido Comunista Portugu�s
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Polícias Municipais - Intervenção de João Amaral
Quinta, 28 Janeiro 1999
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Ministro:

Depois de anos e anos de esforçados trabalhos, lá ficamos finalmente a saber, com esta proposta de lei, o que é que o Partido Socialista entende por polícias municipais. Como a história é por natureza injusta, não coube ao sr. dr. Jorge Lacão, o verdadeiro pai das polícias das comunas, a honra de nos trazer aqui a justificação desta proposta de descentralização dos cívicos. Para a história, vai ficar o Ministro Jorge Coelho, como o autor de uma lei que irá permitir o verdadeiro milagre de transformar, mesmo contra a vontade de muitos, os 308 prosaicos Presidentes de Câmara em 308 Xerifes Municipais, a quem se aconselhará, como farda o barrete de campino, o varapau de Miranda e, para um toque de modernidade, um alfinete de dama na orelha. O Presidente da Comissão Instaladora do novo município de Odivelas, que, mal nomeado pelo Governo, logo assumiu despudoradamente que estava ali como candidato PS às eleições que vão ocorrer daqui a três anos, pode agora acrescentar que também é candidato a chefe do posto de polícia municipal, isto se entretanto a secção local do PS não lhe matar a prosápia.

Que proposta nos apresenta afinal o Governo? Uma proposta muito diferente dos projectos iniciais, onde havia tutela na Administração Interna, permeabilidade de carreiras com a PSP, formação em escolas de polícia, etc.. Depois das críticas feitas por muitos, incluindo autarcas, a versão que aparece é "softcore". Mas, ainda assim, é uma proposta que confunde mais segurança com a multiplicação de agentes policiais. Uma proposta que confunde polícia de proximidade com proliferação de autoridades policiais, e que para tornear as dificuldades constitucionais e legais, não hesita em criar sobreposição de funções, e portanto potenciais conflitos.

Uma proposta assim, em vez de mais eficácia à polícia e mais clareza e transparência à sua actuação, põe o cidadão mais inseguro, à mercê de choques de competências.

A confusão começa logo no artigo 1º, que põe as PM's como tendo como objectivo missões de segurança interna. Não é assim, a primeira função e a razão de ser das PM's é serem o serviço de polícia administrativa do Município, para fiscalizarem os regulamentos de competência municipal.

Porque existem, então é possível potenciar a sua utilização, dando-lhes outras funções, como no estacionamento, regulação do trânsito, guarda de instalações municipais. E ainda algumas funções, devidamente tipificadas, de cooperação nas funções do Estado de manutenção da tranquilidade pública e protecção das comunidades.

Tudo o que saia deste quadro de partida contraria os poderes próprios das forças de segurança. As polícias - PSP e GNR - têm uma organização nacional, têm uma estrutura de responsabilidade definida hierarquicamente, têm controlos múltiplos, desde a Inspecção Geral da Administração Interna até a Procuradoria-Geral da República, têm uma linha de responsabilidade política que vai até à Assembleia da República, por intermédio do Governo, têm uma formação especializada dada a delicadeza das funções que exercem. Com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos não se brinca, e por isso é a estas forças de segurança que devem ser reservadas as funções de segurança interna.

Não está no domínio do bom senso, prever a criação de mais de 20 mil agentes!, com poderes para identificar pessoas, deterem, envolverem-se em serviços de ordem de manifestações, envolverem-se nas delicadas funções de segurança nos transportes públicos, exibirem armas, tudo isto a toque de caixa dos xerifes municipais, cada um de seu partido, olhando os adversários políticos como suspeitos, terroristas do jardim municipal e assaltantes da biblioteca ou da piscina. Para que serviriam então as polícias de segurança? Ou anda aí algum projecto inconfessável de novo modelo policial?

O Governo fala de segurança nas escolas. Muito bem. Aproveite as PM's para a área das escolas, incluindo, nessa área, uma zona delimitada em torno das suas entradas. Os PM's com a sua presença serão úteis.

Muito bem.

Mas o policiamento de ruas, isso é função da PSP e GNR, com as suas características nacionais, a sua formação especializada, a sua isenção e estatuto próprio, o seu armamento.

Em França, onde se discute agora o problema, fala-se de 16 mil PM's para todo o território, num país que faz seis vezes o nosso; fala-se de agentes que andem desarmados (salvo excepções muito especiais); que trabalham das 7 h às 23 horas. Etc..

Aqui? Meia-bola e força e logo se verá. O cidadão que espere o que lhe caia em cima. Às vezes parece que o grande objectivo é criar mais jobs. Se é assim, puxe pela imaginação, Senhor Ministro, com coisas que não ponham em risco os direitos dos cidadãos. Lembre-se, por exemplo, de criar um corpo de observadores de aves em perigo, ou um corpo de intervenção rápida nas Berlengas. Mas deixe a polícia em paz.

É por tudo isto que esta proposta de lei precisa de uma reforma radical, que a reconduza às regras constitucionais, ao respeito dos direitos dos cidadãos, à exacta delimitação de funções com as forças de segurança. Em suma, que a reconduza ao bom-senso.

As PM's têm muito que fazer, e poderão libertar de tarefas secundárias milhares de agentes da PSP.

Podem fiscalizar o estacionamento, substituir o cívico que anda atrás dos "verdianos" da EMEL, regular o trânsito urbano, fiscalizar regulamentos e posturas nas áreas da habitação, urbanismo, saúde pública, metrologia, consumo, ambiente, etc.. Podem guardar instalações municipais públicas, como instalações culturais e desportivas, sede de câmaras e juntas, jardins, cemitérios, etc., etc..

Muitas destas actividades já podiam hoje estar a ser desenvolvidas pelos serviços municipais de polícias, criadas por este Parlamento em 1994, pela Lei nº 32/94, de 29 de Agosto. Nessa lei já se previa que as funções de polícia administrativa fossem exercidas por serviços de polícia administrativa, que os seus agentes fossem fardados, que pudessem fiscalizar o estacionamento, que pudessem guardar instalações municipais, que pudessem regular o trânsito. Até se previa que pudessem em certas circunstâncias usar meios coercivos e, excepcionalmente, usar arma.

Mas esta lei, com mais de quatro anos, que já teria libertado milhares de agentes da PSP e GNR para as funções próprias, não foi regulamentada e executada, só para o Senhor Ministro Jorge Coelho poder vir aqui de Polícias Municipais no bolso dizer que este Governo é assim: nos últimos meses da Legislatura, não há iniciativas de que não se lembre.

Claro que, mesmo na proposta do Governo, para esta PM funcionar falta tudo: saber como vão os municípios pagar; regular os estatuto dos agentes; regular a nomenclatura dos postos; definir o fardamento; regular a formação e pô-la em execução; regular o uso de armas de fogo; regular o processo de deliberação municipal e as regras relativas à aprovação dos regulamentos da polícia municipal.

Chegou a hora desta proposta baixar à Comissão Parlamentar, para levar uma volta completa, da qual resulte o que é desejável: maior eficácia na fiscalização das leis e regulamentos pelos quais os Municípios são responsáveis, maior disciplina no estacionamento e trânsito urbanos, mais segurança nas instalações públicas do Município, mais cooperação na segurança das escolas, mais disponibilidade da PSP e GNR para as suas missões específicas de combate ao crime, de prevenção, de assegurar a tranquilidade pública.

Disse.