Jerónimo de Sousa participou no acto público de denúncia da ocupação do Iraque e de solidariedade para com o povo iraquiano onde afirmou que «assinalamos hoje os cinco anos do início da Guerra do Iraque.
Uma guerra de ocupação, sustentada por mentiras e manipulações que levou ao
Iraque uma colossal tragédia humana, mais instabilidade e tensão à região do
Médio Oriente e que, para vergonha do nosso país, contou com o apoio do
governo português e o envolvimento de militares portugueses.»
Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
no Acto Público de denúncia da ocupação do Iraque e de solidariedade para com o povo iraquiano
«Iraque, cinco anos: Guerra. Ocupação. Resistência»
Agradeço, em nome do PCP, a presença de
todos neste acto que, sendo simbólico, tem contudo uma grande importância. Assinalamos hoje os cinco anos do início da Guerra do Iraque.
Uma guerra de ocupação, sustentada por mentiras e manipulações que levou ao
Iraque uma colossal tragédia humana, mais instabilidade e tensão à região do
Médio Oriente e que, para vergonha do nosso país, contou com o apoio do
governo português e o envolvimento de militares portugueses.
Foi na madrugada de 20 de Março 2003
que as bombas anglo-americanas começaram a cair sobre Bagdade e outras cidades
iraquianas. Passados cinco anos a guerra continua. Tão sangrenta, tão inumana,
tão criminosa e tão injustificável como no início.
E as nossas primeiras palavras vão
exactamente para as vítimas do cortejo de horrores que são estes cinco anos de
ocupação imperialista do Iraque.
Vão para as centenas de milhar de
vítimas da guerra - que estudos credíveis apontam atingir já o milhão; vão para
os 5,1 milhões de refugiados de guerra - um quinto da população - obrigados a
abandonar o seu país ou empurrados para a condição de deslocados internos; vão
para as mulheres vítimas duplas da ocupação; vão para o milhão de crianças que
segundo a UNICEF foram impedidas de frequentar a escola devido à ocupação; vão
para sectores específicos da sociedade iraquiana, como os intelectuais e
professores que são alvo da perseguição das forças de ocupação e das milícias
por si financiadas.
E vão também para aqueles que continuam
a tentar sobreviver num cenário de guerra violenta que lançou para a pobreza
extrema massas enormes da população iraquiana que se vê confrontada, apenas
para deixar um exemplo, com índices de desemprego na ordem dos 60 a 70% em
várias cidades iraquianas.
É para todos eles, para o povo do
Iraque, que vão estas primeiras palavras, uma sentida homenagem e a
solidariedade do nosso Partido.
Um povo fustigado pela guerra que
sobrevive numa realidade marcada pela pura e simples destruição do seu país e
pela completa desarticulação da sua sociedade. As imensas riquezas culturais e
históricas dum país que foi o berço de algumas das mais antigas civilizações
humanas, continuam a ser pilhadas e destruídas. As suas universidades, escolas
e hospitais, outrora respeitados em toda a região, lutam hoje pela
sobrevivência e muitos deles não funcionam. As infra-estruturas e serviços
básicos necessários à vida quotidiana estão em escombros. Falar de reconstrução
no Iraque é no mínimo um insulto à inteligência. A realidade mostra-nos um país
em ruínas em que as construções que se vislumbram no horizonte são as
infra-estruturas necessárias à ocupação - como as gigantescas bases militares
já instaladas no território - ou os muros de betão que, ou protegem os
ocupantes, ou dividem comunidades que outrora viviam em plena convivência
pacífica.
Ao crime que constitui só por si a
ocupação do Iraque há que acrescentar toda uma sucessão de ilegalidades e
atrocidades que caracterizam esta guerra. As tropas de ocupação utilizaram
armas proíbidas e não convencionais em larga escala. Chegam constantemente os
relatos da utilização de armas de urânio empobrecido, de fósforo branco, de
armas de fragmentação e de muitas outras invenções da indústria da morte e
destruição que, como já se demonstrou com a guerra da Jugoslávia e com a
primeira guerra do Iraque, perpetuarão os efeitos da guerra e o sofrimento do
povo iraquiano.
As provas do recurso à tortura; dos
assassinatos selectivos; dos massacres de populações civis; das prisões
secretas; dos criminosos voos da CIA, do que se passou em Abu Grahib e do que
se passa em Guantanamo estão aí, evidentes e inequívocas, e constituem um
poderoso libelo acusatório contra os ocupantes. De facto o que se está a passar
no Iraque é um verdadeiro e hediondo crime e os seus autores e apoiantes não
poderão ficar impunes, nem à luz da lei nem à luz da História.
E a História já se encarregou de provar
o outro grande crime cometido pelos agressores. O da manipulação e da mentira
ao serviço da guerra. Recordemos a campanha em torno das armas de destruição em
massa de Sadaam. Certamente estarão recordados das imagens de Collin Powell
apresentando as ditas provas irrefutáveis que Paulo Portas afirmou a pés juntos
ter visto. Afinal o terrível arsenal nuclear, químico e biológico iraquiano não
existia e o que se veio a revelar é que foram exactamente as provas sobre as
supostas armas que foram, essas sim, "massivamente" manipuladas e forjadas. De
facto era conhecido, como afirmámos na altura, que o Iraque não possuía tal
armamento. A própria invasão do Iraque veio a comprová-lo. Contudo, e estando a
abordar o tema, é importante realçar aqui duas importantes verdades: a primeira
é que o regime de Sadaam Hussein teve de facto esse tipo de armamento, mas na
década de 80 quando era aliado dos Estados Unidos, quando servia os interesses
do imperialismo na região com a guerra contra o Irão e quando no plano interno
massacrava os comunistas iraquianos. A segunda é que quem, ainda hoje, tem
armas de destruição em massa são os EUA, os seus aliados e em especial o seu
amigo de sempre, Israel, que prossegue uma política de terrorismo de Estado
contra o heróico povo da Palestina.
Mas recordemos ainda e também toda a
intoxicação que encheu os media
internacionais sobre as ligações de Sadam Hussein à Al Qaeda e a Bin Laden.
Ora, cinco anos depois é o próprio Pentágono que vem afirmar, num relatório
elaborado com base em documentação iraquiana confiscada durante a ocupação que,
afinal, não havia qualquer ligação. Um relatório que escapou à malha apertada
da Administração Bush que no limite ainda tentou, sem sucesso, escondê-lo do
povo norte-americano e do mundo.
São mentiras atrás de mentiras que
visaram transportar para a opinião pública mundial a ideia de uma guerra
"limpa" que iria libertar o povo do Iraque. Mas, os ocupantes estão a perder a
guerra e também a batalha política em torno dela. Ninguém acredita mais nas
patranhas da "restauração da democracia" no Iraque. A história real de cinco
anos de ocupação é a história da desestabilização, divisão e desarticulação de um
país soberano, da sua descida ao inferno da violência sectária alimentada pelas
forças de ocupação e seus acólitos. Dividir para reinar foi sempre a divisa do
imperialismo e a disseminação do terror o último argumento para aplacar a
resistência e quebrar a vontade popular.
Não é a democracia que marca estes
cinco anos de vida do povo iraquiano mas sim uma sucessão de violentos ataques
às suas liberdades e aos seus mais elementares direitos.
É essa, na essência, a "nova ordem
democrática" que o grande capital e a máquina de guerra do imperialismo levaram
ao Iraque. Uma desordem criminosa marcada pelos raptos e detenções
extrajudiciais de "suspeitos", pelos julgamentos sem defesa e por todo um
cortejo de abusos, indignidades, banalização e legitimação da tortura que nem
umas eleições fraudulentas, realizadas em clima de guerra e sob ocupação e com
a cobertura de uma ONU instrumentalizada não conseguiram esconder.
Mas não é apenas o povo do Iraque a
vítima deste crime. A agressão ao Iraque faz parte de uma ofensiva global de
exploração e dominação do imperialismo que, aproveitando a nova correlação de
forças mundial resultante do desaparecimento da União Soviética e dos países
socialistas europeus, se lançou numa cruzada planetária para afirmar o seu
poder; controlar os principais recursos naturais e os canais de distribuição de
energia; abrir mercados; intensificar a exploração; desmantelar conquistas
sociais; destruir soberanias; submeter todas as esferas de actividade humana à
lei do lucro.
Na nova conjuntura mundial, o
imperialismo pretende o controlo directo dos colossais recursos energéticos da
região. Quer instalar-se militarmente em todo o Médio Oriente e Ásia Central e
usa o poderio militar para afirmar a sua hegemonia. E a realidade aí está a
mostrar como longe estão os discursos de que a guerra do Iraque resolveria os
problemas na região. Não, a realidade é exactamente a inversa. Olhe-se para o
Líbano, olhe-se para a Palestina, olhe-se para as provocações à Síria e para
toda a campanha montada em torno do Irão e facilmente se conclui que se há
alteração no Médio Oriente ela é no sentido do aumento da tensão e do perigo
real de uma generalização do conflito.
Tal como a agressão à Jugoslávia na era
Clinton, a invasão do Iraque com Bush violou todo o Direito Internacional,
espezinhou a Carta da ONU e desprezou o seu Conselho de Segurança. Foi uma
agressão que visou afirmar na prática a nova doutrina militar agressiva do
imperialismo, de «ataques preventivos» onde, como e quando os centros do
imperialismo quiserem. Doutrina que está também presente no desenvolvimento da
União Europeia como ambicioso bloco político-militar imperialista que conheceu
um considerável salto qualitativo com a aprovação do agora chamado Tratado de
Lisboa.
Esta guerra, assim como a guerra de
desmembramento da Jugoslávia - agora continuada no Kosovo -; a agressão
imperialista contra o Afeganistão; as manobras de provocação na América Latina
ou a nova cruzada neocolonizadora em África são todas filhas do mesmo pai e
confirmam que o militarismo e a guerra são características essenciais do
imperialismo. Confirmam que o sistema capitalista, confrontado com os seus
próprios limites históricos e as suas profundas contradições recorre cada vez
mais à guerra, ao militarismo, à ocupação e a práticas criminosas para tentar
manter a sua hegemonia mundial e conter as resistências emergentes.
Uma política de guerra que
tem também pesadas consequências para os trabalhadores e os povos das potências
imperialistas. Não confundimos e não aceitamos que se induza a confusão entre a
nossa crítica à política imperialista das sucessivas administrações
norte-americanas e o chamado "anti-americanismo". Conhecemos bem as lutas dos
trabalhadores e do povo dos EUA pelo fim da ocupação do Iraque e com elas somos
solidários. São eles que sentem também na pele os efeitos económicos e sociais
dos colossais custos da guerra - que segundo dados recentemente divulgados
atingem a impressionante soma de 3 biliões de dólares - e são os jovens das
camadas mais desfavorecidas da população norte-americana que são empurrados
para uma guerra que não percebem morrendo aos milhares, como o demonstram os
números oficiais de 4.000 militares norte-americanos mortos, cerca de 31.000
feridos e altas taxas de suicídio nas fileiras norte-americanas.
Assinalar os cinco anos da
guerra do Iraque é denunciar o crime e lutar pela paz. Mas é também apontar as
responsabilidades a todos os que, mais ou menos directamente, contribuíram para
que se chegasse à situação actual. Apontar as responsabilidades para que não se
repitam os mesmos erros.
Em 2003 importantes países europeus opuseram-se publicamente
ao desencadear da guerra no Iraque. Tal posição não esteve obviamente desligada
da imensa pressão popular das gigantescas mobilizações contra a guerra. Mas,
infelizmente, a História já provou que tais posições nada
tiveram que ver com posições de princípio ou de defesa da soberania do Iraque.
As diferenças tácticas entre potências imperialistas foram sobretudo a tradução
política de diferentes interesses económicos na região e de diferentes visões
sobre quem deveria comandar e decidir as estratégias de intervenção mundial do imperialismo.
Daí se explica que uma vez consumada a invasão - que havia sido justamente
descrita como ilegal e violadora do Direito Internacional - a generalidade dos
países da União Europeia tenha passado a colaborar e a participar activamente
na ocupação do Iraque e que a ONU tenha sido usada para tentar legitimar a
posteriori o crime cometido. Daí se explica que por exemplo na actualidade
circulem propostas de resolução da autoria da maioria no Parlamento Europeu que
visam objectivamente uma participação mais activa da União Europeia na
perpetuação da ocupação do Iraque. Daí se explica o reforço da participação de
vários países da União Europeia numa igualmente criminosa, sangrenta e
injustificável guerra como a do Afeganistão. A História de facto provou que
tais posições nada tinham que ver com o respeito e cumprimento do direito
internacional e se dúvidas ainda houvessem sobre esta questão, a actuação e
postura das principais potências europeias na questão do Kosovo, eliminou-as
agora por completo.
Como dissemos no início, esta guerra
contou, para vergonha do nosso país, com o apoio do então governo português de
Durão Barroso, numa clara violação da Constituição da República Portuguesa. Foi
o tempo da tristemente célebre Cimeira dos Açores e da partida dos militares
portugueses para a guerra. Foi o tempo das escandalosas declarações de Durão
Barroso desejando que "a acção fosse o mais rápida possível" e que "cumprisse
todos os seus objectivos". Mas foi também o tempo - e é importante lembrá-lo
num momento em que alguns tentam branquear as suas posições passadas - dos
malabarismos políticos do Partido Socialista para se pôr de bem "com Deus e o
diabo" e da decisão de aceitação da participação portuguesa na guerra pelo
então Presidente da República, o socialista Jorge Sampaio. Trataram-se de facto
de posturas de clara afronta aos sentimentos de paz e convivência pacífica do
povo português demonstrados nas grandes manifestações contra a guerra de 2003 e
que não devem ser esquecidas.
Hoje não temos militares no Iraque, mas
é obrigatório lembrar que tal facto não retira nada às decisões tomadas e
sobretudo não significa que Portugal não prossiga uma política externa que, no
essencial, é de alinhamento com as doutrinas militaristas da NATO e da União
Europeia. A prová-lo está a participação portuguesa em vários conflitos
imperialistas que se desenvolvem e intensificam, como no Afeganistão. A prová-lo
estão as opções deste governo relativamente ao papel e missão das nossas forças
armadas. A prová-lo está o silêncio deste governo em torno de questões tão
graves como o uso de território português para os voos da CIA ou os sinais cada
vez mais fortes de envolvimento da Base das Lajes em novos projectos do
imperialismo norte-americano como o apoio logístico ao novo comando militar
para África ou o seu uso para treinos de novos sistemas de armas.
Ao assinalar os cinco anos da guerra do
Iraque, o PCP reafirma o seu compromisso com a defesa da Constituição de Abril
e por isso exige do governo português que ponha termo à política de submissão
aos ditames da NATO e de uma União Europeia militarizada. Uma política
contrária aos interesses do povo português e que inevitavelmente conduz à
participação portuguesa noutras agressões imperialistas, como já está a
acontecer no Kosovo.
George W.Bush resolveu assinalar os
cinco anos do Iraque com uma declaração que se não fosse na sua essência uma
tenebrosa renovação da declaração de guerra contra o povo iraquiano poderia ser
peça de uma qualquer comédia. Afirmou o presidente norte-americano que o "êxito
que está a ser vivido no Iraque é inegável".
Mas, contrariamente a este exercício de
delírio político e à proclamação de Maio de 2003 do "fim da guerra" e de
"missão cumprida", o povo iraquiano não se vergou. Apesar das inúmeras
dificuldades e da "chantagem terrorista" de que é alvo, a resistência iraquiana
transformou o "passeio triunfal" num pesado atoleiro que as baixas nos
exércitos ocupantes e a decisão, em 2007, de elevar para o nível máximo de 160
mil o número de efectivos no Iraque, bem ilustram.
Mas as dificuldades não se fazem sentir
apenas no terreno. A Administração norte-americana é hoje confrontada com índices
de popularidade dos mais baixos da história dos EUA, traduzindo o sentimento de
descontentamento alargado que grassa na sociedade norte-americana. A acção da
resistência iraquiana refreou as perspectivas mais aventureiristas da rápida
propagação a novas paragens do "intervencionismo democrático" demonstrando que
resistir é já vencer e dando objectivamente um contributo para a contenção dos
intentos de dominação global do imperialismo norte-americano e para a esperança
num futuro de paz, justa e duradoura, respeitador da soberania dos povos e da
integridade territorial dos países. Não confundimos resistência com terrorismo
e é a própria resistência iraquiana que condena e se demarca das acções de
instigação à violência sectária, mas simultaneamente reconhecemos o legítimo
direito do povo iraquiano a resistir à ocupação e confiamos na sua capacidade
para escolher livremente o seu futuro.
Como nos ensina a História mundial a
luta dos povos pela paz e a sua resistência às agressões e ingerências imperialistas
são inseparáveis da luta mais geral pela independência, a soberania, a justiça
social e o progresso.
É nos trabalhadores e nos povos que
reside a força necessária para travar o passo à exploração e à opressão
capitalistas. Também o povo iraquiano, pela sua luta, contando com a
solidariedade internacionalista de todos os que rejeitam a política de guerra e
ingerência imperialistas, há-de conquistar pelas suas mãos a liberdade, a
independência e a soberania. E podem contar com a solidariedade do PCP.
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