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PCP quer inquerito parlamentar sobre voos da CIA
Terça, 29 Janeiro 2008

voos-ciaO PCP apresentou na Assembleia da República uma proposta de Inquérito Parlamentar no sentido de apurar a responsabilidade do Governo Português no eventual uso do nosso território nacional para o transporte ilegal de suspeitos ou prisioneiros pelos serviços secretos norte-americanos.
As notícias vindas a público, com a divulgação do relatório da Organização Não Governamental britânica «Reprieve», indicam que 728 prisioneiros terão sido transportados ilegalmente para a base militar norte-americana em Guantánamo através do espaço aéreo Português e inclusivamente utilizando pistas de aviação situadas no nosso território.
Esta proposta surge na sequência de outra, apresentada pelo PCP no início de 2007, iniciativa que foi na altura reprovada com os votos do PS, PSD e CDS-PP. Foi agendada a votação da proposta de comissão de inquérito para o próximo dia 8 de Fevereiro.

Inquérito Parlamentar N.º  /X

 Sobre as responsabilidades do XV, XVI e do XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela, na utilização do território nacional,

pela CIA, ou outros serviços similares estrangeiros,

para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros

 

I

 

Há pouco mais de um ano, em 10 de Janeiro de 2007, foi apreciado pela Assembleia da República o requerimento de Inquérito Parlamentar n.º 2/X, apresentado pelo PCP, para que a Assembleia da República apurasse responsabilidades relativamente ao eventual uso do nosso território nacional para o transporte ilegal de suspeitos ou prisioneiros pelos serviços secretos norte-americanos.

Na ocasião a proposta de averiguações para obter esclarecimentos esbarrou com a firme oposição do PS, do PSD e do CDS-PP, que chumbaram a proposta de inquérito.

De entre os principais argumentos dispendidos, oriundos sobretudo da bancada da maioria PS, apontava-se a alegada falta de factos: "para existir um inquérito parlamentar, têm de existir factos, e a partir desses factos é que pode fazer-se a ligação em relação à responsabilidade". A maioria pretendeu transformar um inquérito baseado em indícios num julgamento de factos apurados e por isso recusou o apuramento de responsabilidades então proposto.

Pior do que isso, a maioria reconheceu mesmo a existência de indícios mas ainda assim recusou a abertura de um inquérito parlamentar destinado a averiguar se esses indícios poderiam dar origem a factos relevantes susceptíveis de originar responsabilidades. Afirmou então o PS "estar suficientemente indiciada a passagem de aviões" mas que "nem procederam a entregas, nem há indícios de que tivessem trazido passageiros com o objectivo de fazer entregas extraordinárias". E mais adiante no debate: "esses aviões terão passado repetidas vezes em Portugal, mas nunca - nada disso está provado - com o objectivo de fazer entregas extraordinárias".

De novo surgiram agora em público elementos que fundadamente voltam a questionar as eventuais responsabilidades dos governos portugueses nesse período. O relatório da Organização Não Governamental britânica «Reprieve» conclui que 728 dos 744 prisioneiros ilegalmente transportados para a base militar norte-americana em Guantánamo terão passado por jurisdição portuguesa, seja usando o nosso espaço aéreo seja aterrando mesmo em pistas situadas no território nacional. O relatório apresenta uma lista de 48 voos para transporte desses passageiros involuntários e indica que desses nove aterraram tendo feito escala em Portugal. Para pelo menos um desses voos a «Reprieve» apresenta o nome e a nacionalidade dos passageiros. Há portanto prisioneiros ou suspeitos detidos que, no âmbito de operações clandestinas denominadas "rendições extraordinárias", levadas a cabo pela CIA, cruzaram ou escalaram aeroportos em território nacional. Tais indícios carecem de ser esclarecidos.

O director legal da «Reprieve» afirma nessa sequência que o governo português "tem de fazer um sério exame de consciência" adiantando que "nenhum destes prisioneiros poderia ter chegado a Guantánamo sem a cumplicidade portuguesa".

Há portanto mais indícios a somar aos anteriormente existentes que voltam a justificar um novo pedido de Inquérito Parlamentar. 

II

 

Os antecedentes já são relativamente conhecidos.

Notícias vindas a público, a partir de Julho de 2005, davam conta que os EUA recuperaram um método de operações clandestinas denominado "rendições extraordinárias".

De acordo com tais notícias, o presidente dos EUA autorizou e incentivou os seus serviços secretos, nomeadamente a CIA, a utilizar aquele método consistente no sequestro de "suspeitos de terrorismo". Os "suspeitos", assim discricionariamente classificados pela CIA, podem ser perseguidos e detidos, em qualquer parte do Mundo, para depois serem enviados para prisões secretas em diversos países. Segundo notícias, nestas prisões os "suspeitos" são recebidos com maus-tratos e mesmo torturas. 

Para deter tais "suspeitos", a CIA envia os seus agentes, em aviões civis, que circulam livremente pelo Mundo, fazendo escala em diversos países, detendo ilegalmente pessoas, depois enviadas para essas prisões secretas, sem qualquer acusação ou garantia de respeito pelos mais elementares direitos de defesa.

Pouco tempo depois, a secretária de Estado norte-americana viria a confirmar publicamente a prática pelo seu país do método das "rendições extraordinárias". O director da CIA não desmentiu a utilização de prisões clandestinas e o transporte de prisioneiros. Já o próprio presidente Bush, em Setembro de 2006, vem a reconhecer a existência de prisões secretas da CIA ("ambiente onde [prisioneiros] possam ser mantidos em segredo").

 

Tais declarações surgiram num ambiente em que já avultam, em diversos países europeus, intervenções de provedores e entidades judiciais, pedidos de inquéritos parlamentares, um relatório do Conselho da Europa, investigações em desenvolvimento no Parlamento Europeu, declarações de autoridades de países da União Europeia relativas à aterragem nos seus territórios de aviões utilizados pela CIA e confirmações relativas a pessoas feitas prisioneiras e transportadas nas condições expostas.

III.

 

A atitude do Governo português foi a este propósito lamentável e sempre opaca.

Na exposição de motivos ao Inquérito Parlamentar 2/X fizemos já a denúncia em concreto do percurso obstrutivo do Governo actual, que impede sistematicamente que se investiguem os indícios.

Já o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros pela CIA eram objecto de fiscalização política por Parlamentos nacionais de outros países europeus e ainda o Governo português evitava as explicações em sede parlamentar, desvalorizando notícias, negando indícios, afastando evidências, ignorando as sucessivas denúncias públicas.

Estamos, na verdade, defronte de um conjunto de comportamentos que apontam, quer para a conivência com actividades suspeitas de ilegalidade e de violação de direitos, quer para a total opacidade no tocante ao esclarecimento de fundados indícios e dúvidas acerca de atropelos, seja a direitos fundamentais, seja a espaços de soberania.

Esta é uma questão de Direitos Fundamentais. Da forma como os Governos, de então para cá, trataram a protecção de pessoas cujos direitos foram ameaçados ou mesmo violados. Esta não é uma questão de diplomacia ou de relacionamento externo, que, em primeira linha, não são aqui postas em causa. Em causa está sim a forma como o Estado português lidou, ou não lidou, com métodos inaceitáveis e intoleráveis de tratar pessoas, e a sua dignidade, a coberto do combate ao terrorismo.

É em face da falta de informação e da opacidade revelada pelos governos em funções, a contrastar com indícios e informações que sistematicamente nos chegam de fora que se nos impõe, mais uma vez, a via da constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

IV.

Nestes termos, e ao abrigo da alínea f) do artigo 156º da Constituição, da alínea i) do artigo 8º bem como dos artigos 233º e seguintes do Regimento da Assembleia da República e do demais normativo aplicável aos inquéritos parlamentares, o Grupo Parlamentar do PCP, através dos deputados abaixo-assinados, requer,

a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito,

sobre as responsabilidades do XV, XVI e do XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela, na utilização do território nacional, pela CIA, ou outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros.

É concedido à Comissão um prazo de 90 dias para apresentar o respectivo relatório.

V.

A Comissão de Inquérito deverá apurar informações e obter completas e cabais respostas, entre outras, às seguintes questões e dúvidas:

1. Apurar a lista exaustiva e detalhada de todos os voos civis ou de Estado que transitaram pelo espaço territorial português, susceptíveis de ter tido qualquer relação com as actividades descritas, no período que decorreu entre 2002 e a presente data.

2. Apurar a lista completa e identificação dos passageiros e tripulação que transitaram nessas aeronaves, ou embarcaram e desembarcaram em instalações aeroportuárias nacionais.

3. Apurar qual o país de origem e o destino dos passageiros a que se refere o número anterior.

4. Apurar que conhecimentos tinham os três Governos em causa, e os organismos por si tutelados, nomeadamente através dos serviços de informações, ou de contactos bilaterais, acerca destas actividades.

5. Apurar que medidas inspectivas foram levadas a cabo nesses aviões,

6. bem como quais os resultados obtidos da aplicação dessas medidas.

7. Apurar que outras medidas foram tomadas para impedir ou vedar a utilização do nosso espaço aéreo e territorial para estas actividades.

8. Apurar eventuais responsabilidades por omissão, decorrentes, quer de não terem sido tomadas quaisquer medidas de fiscalização ou de prevenção, quer de tais medidas se terem revelado eventualmente insuficientes. 

9. Apurar elementos que conduzam à caracterização da eficácia do nosso sistema de fiscalização de entradas, saídas e trânsito de pessoas e aeronaves em instalações aeroportuárias.

10. Apurar se houve, em algum momento, qualquer tratamento privilegiado na autorização concedida a estes voos para utilização do nosso território, sob qualquer forma.

Deverá ainda a Comissão Parlamentar de Inquérito ter acesso a toda a documentação e conclusões apuradas pelo grupo de trabalho inter-ministerial criado em 26 de Setembro de 2006.

VI.

A Comissão de Inquérito deverá ouvir, nomeadamente, as seguintes entidades e pessoas no âmbito do seu objecto de inquirição:

o       Ana Gomes, deputada do PS no PE

o       Carlos Coelho, deputado do PSD no PE

o       Clive Stafford Smith, director da ONG "Reprieve"

o       Giovanni Cláudio Fava, deputado no PE, relator da Comissão Eventual

o       Dick Marty

o       Directores do SIED, no período em inquérito

o       Directores do SIS, no período em inquérito

o       Secretário-geral do SIRP

o       Director-Geral das Alfândegas, no período em inquérito

o       Directores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no período em inquérito

o       Fernando Monteiro, elemento de ligação que com frequência solicitou autorizações de voo e escala ao INAC

o       INAC

o       NAV

o       Ministros da Defesa Nacional dos XV, XVI e do XVII Governos

o       Ministros dos Negócios Estrangeiros dos XV, XVI e do XVII Governos

o       Comandantes da Base Aérea N.º 4 no período em referência.