O PCP apresentou na Assembleia da
República uma proposta de Inquérito Parlamentar no sentido de apurar a
responsabilidade do Governo Português no eventual uso do nosso território
nacional para o transporte ilegal de suspeitos ou prisioneiros pelos serviços
secretos norte-americanos.
As notícias vindas a público, com a divulgação do relatório da Organização Não
Governamental britânica «Reprieve», indicam que 728 prisioneiros terão sido
transportados ilegalmente para a base militar norte-americana em Guantánamo
através do espaço aéreo Português e inclusivamente utilizando pistas de aviação
situadas no nosso território.
Esta proposta surge na sequência de outra, apresentada pelo PCP no início de
2007, iniciativa que foi na altura reprovada com os votos do PS, PSD e CDS-PP. Foi agendada a votação da proposta de comissão de inquérito para o próximo dia 8 de Fevereiro.
Inquérito Parlamentar N.º /X
Sobre as responsabilidades do XV, XVI
e do XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela, na utilização
do território nacional,
pela CIA, ou outros serviços
similares estrangeiros,
para o transporte aéreo e detenção
ilegal de prisioneiros
I
Há
pouco mais de um ano, em 10 de Janeiro de 2007, foi apreciado pela Assembleia
da República o requerimento de Inquérito Parlamentar n.º 2/X, apresentado pelo
PCP, para que a Assembleia da República apurasse responsabilidades
relativamente ao eventual uso do nosso território nacional para o transporte
ilegal de suspeitos ou prisioneiros pelos serviços secretos norte-americanos.
Na
ocasião a proposta de averiguações para obter esclarecimentos esbarrou com a
firme oposição do PS, do PSD e do CDS-PP, que chumbaram a proposta de
inquérito.
De
entre os principais argumentos dispendidos, oriundos sobretudo da bancada da
maioria PS, apontava-se a alegada falta de factos: "para existir um inquérito parlamentar, têm de existir factos, e a
partir desses factos é que pode fazer-se a ligação em relação à
responsabilidade". A maioria pretendeu transformar um inquérito baseado
em indícios num julgamento de factos apurados e por isso recusou o apuramento
de responsabilidades então proposto.
Pior
do que isso, a maioria reconheceu mesmo a existência de indícios mas ainda
assim recusou a abertura de um inquérito parlamentar destinado a averiguar se
esses indícios poderiam dar origem a factos relevantes susceptíveis de originar
responsabilidades. Afirmou então o PS "estar
suficientemente indiciada a passagem de aviões" mas que "nem procederam a entregas, nem há indícios
de que tivessem trazido passageiros com o objectivo de fazer entregas
extraordinárias". E mais adiante no debate: "esses aviões terão passado repetidas vezes em Portugal, mas nunca -
nada disso está provado - com o objectivo de fazer entregas extraordinárias".
De
novo surgiram agora em público elementos que fundadamente voltam a questionar
as eventuais responsabilidades dos governos portugueses nesse período. O
relatório da Organização Não Governamental britânica «Reprieve» conclui que 728 dos 744 prisioneiros ilegalmente
transportados para a base militar norte-americana em Guantánamo terão passado
por jurisdição portuguesa, seja usando o nosso espaço aéreo seja aterrando
mesmo em pistas situadas no território nacional. O relatório apresenta uma
lista de 48 voos para transporte desses passageiros involuntários e indica que
desses nove aterraram tendo feito escala em Portugal. Para pelo menos um desses
voos a «Reprieve» apresenta o nome e
a nacionalidade dos passageiros. Há portanto prisioneiros ou suspeitos detidos
que, no âmbito de operações clandestinas denominadas "rendições extraordinárias", levadas a cabo pela CIA, cruzaram ou
escalaram aeroportos em
território nacional. Tais indícios carecem de ser esclarecidos.
O
director legal da «Reprieve» afirma
nessa sequência que o governo português "tem de fazer um sério exame de
consciência" adiantando que "nenhum destes prisioneiros poderia ter
chegado a Guantánamo sem a cumplicidade portuguesa".
Há
portanto mais indícios a somar aos anteriormente existentes que voltam a
justificar um novo pedido de Inquérito Parlamentar.
II
Os
antecedentes já são relativamente conhecidos.
Notícias
vindas a público, a partir de Julho de 2005, davam conta que os EUA recuperaram
um método de operações clandestinas denominado "rendições extraordinárias".
De
acordo com tais notícias, o presidente dos EUA autorizou e incentivou os seus
serviços secretos, nomeadamente a CIA, a utilizar aquele método consistente no
sequestro de "suspeitos de terrorismo". Os "suspeitos", assim
discricionariamente classificados pela CIA, podem ser perseguidos e detidos, em
qualquer parte do Mundo, para depois serem enviados para prisões secretas em
diversos países. Segundo
notícias, nestas prisões os "suspeitos" são recebidos com maus-tratos e mesmo torturas.
Para
deter tais "suspeitos", a CIA envia os seus agentes, em aviões civis, que
circulam livremente pelo Mundo, fazendo escala em diversos países, detendo
ilegalmente pessoas, depois enviadas para essas prisões secretas, sem qualquer
acusação ou garantia de respeito pelos mais elementares direitos de defesa.
Pouco
tempo depois, a secretária de Estado norte-americana viria a confirmar
publicamente a prática pelo seu país do método das "rendições extraordinárias". O director da CIA não desmentiu a
utilização de prisões clandestinas e o transporte de prisioneiros. Já o próprio
presidente Bush, em Setembro de 2006, vem a reconhecer a existência de prisões
secretas da CIA ("ambiente onde [prisioneiros] possam ser mantidos em
segredo").
Tais
declarações surgiram num ambiente em que já avultam, em diversos países
europeus, intervenções de provedores e entidades judiciais, pedidos de inquéritos
parlamentares, um relatório do Conselho da Europa, investigações em desenvolvimento no Parlamento Europeu, declarações de autoridades de países da União
Europeia relativas à aterragem nos seus territórios de aviões utilizados pela
CIA e confirmações relativas a pessoas feitas prisioneiras e transportadas nas
condições expostas.
III.
A
atitude do Governo português foi a este propósito lamentável e sempre opaca.
Na
exposição de motivos ao Inquérito Parlamentar 2/X fizemos já a denúncia em
concreto do percurso obstrutivo do Governo actual, que impede sistematicamente
que se investiguem os indícios.
Já
o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros pela CIA eram objecto de
fiscalização política por Parlamentos nacionais de outros países europeus e
ainda o Governo português evitava as explicações em sede parlamentar,
desvalorizando notícias, negando indícios, afastando evidências, ignorando as
sucessivas denúncias públicas.
Estamos,
na verdade, defronte de um conjunto de comportamentos que apontam, quer para a
conivência com actividades suspeitas de ilegalidade e de violação de direitos,
quer para a total opacidade no tocante ao esclarecimento de fundados indícios e
dúvidas acerca de atropelos, seja a direitos fundamentais, seja a espaços de
soberania.
Esta
é uma questão de Direitos Fundamentais. Da forma como os Governos, de então
para cá, trataram a protecção de pessoas cujos direitos foram ameaçados ou
mesmo violados. Esta não é uma questão de diplomacia ou de relacionamento externo,
que, em primeira linha, não são aqui postas em causa. Em causa está sim a forma como o Estado português
lidou, ou não lidou, com métodos inaceitáveis e intoleráveis de tratar pessoas,
e a sua dignidade, a coberto do combate ao terrorismo.
É
em face da falta de informação e da opacidade revelada pelos governos em
funções, a contrastar com indícios e informações que sistematicamente nos
chegam de fora que se nos impõe, mais uma vez, a via da constituição de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito.
IV.
Nestes
termos, e ao abrigo da alínea f) do artigo 156º da Constituição, da alínea i)
do artigo 8º bem como dos artigos 233º e seguintes do Regimento da Assembleia
da República e do demais normativo aplicável aos inquéritos parlamentares, o Grupo
Parlamentar do PCP,
através dos deputados abaixo-assinados,
requer,
a
constituição de uma Comissão Parlamentar
de Inquérito,
sobre as
responsabilidades do XV, XVI e do XVII Governos Constitucionais e de organismos
sob a sua tutela, na utilização do território nacional, pela CIA, ou outros
serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de
prisioneiros.
É
concedido à Comissão um prazo de 90 dias
para apresentar o respectivo relatório.
V.
A
Comissão de Inquérito deverá apurar informações e obter completas e cabais
respostas, entre outras, às seguintes questões e dúvidas:
1. Apurar a lista exaustiva e detalhada de todos os voos civis ou de
Estado que transitaram pelo espaço territorial português, susceptíveis de ter
tido qualquer relação com as actividades descritas, no período que decorreu
entre 2002 e a presente data.
2. Apurar a lista completa e identificação dos passageiros e tripulação
que transitaram nessas aeronaves, ou embarcaram e desembarcaram em instalações
aeroportuárias nacionais.
3. Apurar qual o país de origem e o destino dos passageiros a que se
refere o número anterior.
4. Apurar que conhecimentos tinham os três Governos em causa, e os
organismos por si tutelados, nomeadamente através dos serviços de informações,
ou de contactos bilaterais, acerca destas actividades.
5. Apurar que medidas inspectivas foram levadas a cabo nesses aviões,
6. bem como quais os resultados obtidos da aplicação dessas medidas.
7. Apurar que outras medidas foram tomadas para impedir ou vedar a
utilização do nosso espaço aéreo e territorial para estas actividades.
8. Apurar eventuais responsabilidades por omissão, decorrentes, quer de
não terem sido tomadas quaisquer medidas de fiscalização ou de prevenção, quer
de tais medidas se terem revelado eventualmente insuficientes.
9. Apurar elementos que conduzam à caracterização da eficácia do nosso
sistema de fiscalização de entradas, saídas e trânsito de pessoas e aeronaves
em instalações aeroportuárias.
10. Apurar se houve, em algum momento, qualquer tratamento privilegiado
na autorização concedida a estes voos para utilização do nosso território, sob
qualquer forma.
Deverá
ainda a Comissão Parlamentar de Inquérito ter acesso a toda a documentação e
conclusões apuradas pelo grupo de trabalho inter-ministerial criado em 26 de
Setembro de 2006.
VI.
A
Comissão de Inquérito deverá ouvir, nomeadamente, as seguintes entidades e
pessoas no âmbito do seu objecto de inquirição:
o
Ana Gomes,
deputada do PS no PE
o
Carlos Coelho, deputado do PSD no PE
o
Clive Stafford Smith, director da ONG "Reprieve"
o
Giovanni
Cláudio Fava, deputado no PE, relator da Comissão Eventual
o
Dick Marty
o
Directores do
SIED, no período em inquérito
o
Directores do
SIS, no período em inquérito
o
Secretário-geral
do SIRP
o
Director-Geral
das Alfândegas, no período em inquérito
o
Directores do
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no período em inquérito
o
Fernando
Monteiro, elemento de ligação que com frequência solicitou autorizações de voo
e escala ao INAC
o
INAC
o
NAV
o
Ministros da
Defesa Nacional dos XV, XVI e do XVII Governos
o
Ministros dos
Negócios Estrangeiros dos XV, XVI e do XVII Governos
o
Comandantes da
Base Aérea N.º 4 no período em referência.
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