Partido Comunista Portugu�s
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Paternidade/maternidade - Intervenção de António Filipe na AR
Quarta, 19 Dezembro 2007

Investigação da paternidade/maternidade

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Este projecto de lei (n.º 178/X) tem um mérito reconhecido por todos, que é o de considerar a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do Código Civil e de procurar encontrar uma solução legislativa que possa colmatar esse facto, que está, aliás, reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Essa inconstitucionalidade baseia-se, fundamentalmente, na consideração de que o direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º da Constituição, e também o direito a constituir família, consagrado no artigo 36.º da Constituição, que proíbe qualquer discriminação entre filhos nascidos na constância do casamento ou fora do casamento, tornam inconstitucional esta disposição do Código Civil, que faz depender de um prazo o direito de solicitar judicialmente o reconhecimento da paternidade e maternidade.

Este é, pois, um problema com que a ordem jurídica portuguesa se confronta e que faz todo o sentido que resolva legislativamente, eliminando essa inconstitucionalidade do Código Civil.

Isto porque é reconhecido que o direito à identidade pessoal previsto na

Constituição implica o direito ao apuramento da paternidade, o tal direito à historicidade pessoal, de que falam os Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, e não reconhecer esse direito a todo o tempo seria, de facto, violador do núcleo essencial do direito à identidade pessoal. Não faz sentido que qualquer cidadão, a partir dos 20 anos, possa ser privado do direito fundamental à identidade pessoal. Não faz qualquer sentido, e isso está hoje reconhecido.

Mas também consideramos que este projecto de lei poderia e deveria ir mais longe. Ou seja, este projecto de lei teve a preocupação de ficar nos termos em que o Provedor de Justiça recomendou à Assembleia da República que se ficasse. Isso é claro e, aliás, é assumido pelos proponentes.

Por isso, creio que este projecto de lei não merece alguns epítetos que lhe foram lançados, na medida em que não propõe algo que seja absurdo. Aliás, vai no sentido do que é proposto pelo  Provedor de Justiça.

Mas, do nosso ponto de vista, para que a inconstitucionalidade seja, de facto, eliminada, é necessário que os efeitos patrimoniais também estejam presentes. Não faz sentido, de facto, excluí-los.

E os argumentos que aqui foram expendidos em legislatura anterior, quando um projecto de lei no mesmo sentido também foi debatido, de defesa de uma suposta segurança jurídica patrimonial, do nosso ponto de vista e também do ponto de vista do Tribunal Constitucional, não faz hoje qualquer sentido.

Falou-se em eventuais fraudes, dizendo-se que poderia dar azo a eventuais fraudes: por exemplo, um vigarista qualquer poderia, falsamente, interpor uma acção de investigação da paternidade para procurar beneficiar de uma herança que não lhe pertencia. Srs. Deputados, isso pertence ao passado! Hoje em dia, há testes absolutamente fiáveis que impediriam fraudes dessa natureza. Já não estamos na época em que a única prova seria era a prova testemunhal. Não! Hoje em dia há testes de ADN que permitem, com grande fiabilidade, determinar se existe fraude ou não.

Temos de confiar na justiça, tanto mais que a justiça tem hoje meios absolutamente fiáveis para resolver este problema com absoluta segurança.

Depois, fala-se na segurança jurídica no interesse do progenitor, o que parte de uma presunção extraordinária, que é a presunção de que quem pretende investigar a sua paternidade é pobre e que o pai é rico. Ora, não é forçosamente assim! Até pode ser o contrário, ou nem uma coisa nem outra!

Há o direito à identidade pessoal, que implica que alguém tenha o direito de saber quem é o seu pai e quem é a sua mãe, e esse direito pessoal não pode ser preterido em nome de uma suposta tranquilidade patrimonial, ou seja, aquilo a que o Tribunal Constitucional chama o direito a não ser considerado pai. Ora, entre o direito a não ser considerado pai, sendo-o, e o direito de um filho a querer ser reconhecido como aquilo que é, do nosso ponto de vista deve prevalecer o direito do filho sobre o direito do pai.

E também não faz sentido, do nosso ponto de vista, que, havendo um reconhecimento da paternidade de alguém se diga: «não, ele é reconhecido como filho, mas isso não tem efeitos patrimoniais!» Isto é, aqueles que já estavam reconhecidos ficam e os que ainda não estavam nunca ficarão. Isso é que, de facto, do nosso ponto de vista, também é inconstitucional e, portanto, manter-se-ia a inconstitucionalidade.

Portanto, quanto a nós, aquilo que está a mais neste projecto de lei tem a ver com a referência ao carácter exclusivamente pessoal, porque entendemos que, constitucionalmente, os efeitos patrimoniais têm também de ser previstos.

Do nosso ponto de vista, não pode ser de outra forma.

Portanto, consideramos que esse inciso está a mais no projecto de lei e deveria ser eliminado ou, então, deveremos clarificar que o reconhecimento da paternidade e da maternidade é válido para todos os efeitos pessoais e patrimoniais, porque, do nosso ponto de vista, só assim é que ele será conforme com a Constituição Portuguesa e com a nossa jurisprudência constitucional firme e mais recente, que considera que este artigo 1817.º do Código Civil viola os artigos 26.º e 36.º da Constituição e, nesse sentido, não deve continuar a vigorar na ordem jurídica portuguesa.

Portanto, como é óbvio, votaremos favoravelmente este projecto de lei, considerando que, na especialidade, deve ser aperfeiçoado, por forma a que a deficiência de que ainda padece possa ser colmatada, para que possamos, de facto, aprovar legislação compatível com a Constituição Portuguesa neste ponto tão importante e sensível, como é o reconhecimento do direito de cada cidadão à sua identidade pessoal.