Partido Comunista Portugu�s
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«Tão corajosos!» - Vitor Dias no «Semanário»
Sexta, 03 Setembro 2004

Com tanta coisa já acertadamente dita, não queremos impor aos leitores mais um artigo exclusivamente dedicado a fustigar o impenitente e acrisolado reaccionarismo que se desvenda nas atitudes e procedimentos adoptados pelo Governo Santana/Portas face ao barco da organização “Women on Waves”.

De facto, sobre o assunto só queríamos mesmo deixar duas breves notas.

A primeira destina-se a registar, com emoção e espanto, que tenha sido a propósito deste “caso”, e pela voz de Paulo Portas, que vimos regressar ao discurso político e governamental do PSD e do CDS-PP o tema da “soberania nacional” que, avaliar pelo discurso dominante sobre a integração europeia e sobre tantas outras matérias com ela conexas, já julgávamos definitivamente decrépito, anquilosado e enterrado nas velharias da história.

E, portanto, ficamos assim a saber, que é esta a sorte da soberania nacional: não existir nem merecer defesa em tudo o que é vital e essencial – seja na esfera económica, seja a respeito do Pacto de Estabilidade, seja ainda a propósito de posições decisivas no plano da política externa- , mas já existir, pujante, sagrada e intocável, a respeito da terrível ameaça do chamado “barco do aborto”.

A segunda nota, que nos permite aliás a passagem para o tema principal desta crónica, visa registar a singular e muito especifica “coragem” e “determinação” com que o Governo de Santana Lopes e Paulo Portas resolveram fazer frente à funesta “invasão holandesa” constituída por uma impressionante meia dúzia de marinheiros, médicas e enfermeiras e para tanto mobilizando intrepidamente uma corveta da marinha de Guerra, cuja tripulação deve aliás morrer de tédio depois de tantos dias a balançar nas ondas e a olhar o “Borndiep”.

É este mesmo tipo de “coragem” e “determinação” que descobrimos quando ficamos a saber, através de notícia no “Público” de 25/8 (confirmando um primeiro sinal que havia sido dado em 1/8 por uma notícia no “DN”), que o Governo e o Ministério da Saúde, irritados com o preço excessivo fixado pela indústria farmacêutica para um vasto conjunto de medicamentos (entre 105 e 160 conforme as notícias), decidiram abolir a comparticipação do Estado nesses medicamentos.

Conforme foi confirmado pelo Infarmed, trata-se agora de aplicar a anti-inflamatórios não-esteróides, associações hormonais, antidiabéticos orais e antifúngicos o regime de “preços de referência” que injustamente, por inconcebível teimosia do Governo, já levava a que, sempre que os médicos não autorizam a substituição de um medicamento de marca por um genérico existente, os utentes vejam os seus encargos e despesas consideravelmente agravados.

Decididamente o “filme” é o mesmo. Na questão anterior dos genéricos, o Ministério das Saúde, não tendo coragem para enfrentar as muito suspeitas reservas e obstruções designadamente da Ordem dos Médicos, já teve a imensa “coragem” de fazer os cidadãos – que evidentemente não passam receitas de medicamentos a si próprios – pagarem mais por decisões e escolhas a que são inteiramente alheios.

Agora neste alargamento do sistema de “preços de referência” a mais um elevado conjunto de medicamentos, voltamos à mesma técnica: o Ministério da Saúde não tem a real coragem de enfrentar as multinacionais da indústria farmacêutica e só tem a “coragem” de as “punir” pela insólita e injusta via de uma anulação das comparticipações do Estado que, em vez de se reflectir nas receitas da indústria, se reflectirá agravada e consabidamente nos bolsos dos cidadãos.

Bem sabemos que, tanto em relação à situação infelizmente já existente como em relação à nova situação que se pretende criar, o inesquecível Ministro da Saúde que tragicamente temos não deixará de dizer duas coisas qual delas a mais cínica e estuporada.

Com efeito, dirá que os agravamentos de encargos sofridos pelos utentes são compensados pela redução de encargos que a introdução dos genéricos também lhes terá trazido. Mas, para além de ser actualmente muito controverso que globalmente tenha havido uma redução dos encargos dos cidadãos com os medicamentos, trata-se do velho problema das médias estatísticas. É que como, em regra, os cidadãos não andam a saltitar de médico em médico, pouca compensação será para os utentes a quem calharam médicos que, por sistema, não autorizam a substituição por genéricos o facto de haver outros utentes que tiveram sorte bem diferente.

O Ministro da Saúde também não terá pejo em invocar que cabe aos doentes pressionarem os médicos para receitarem genéricos ou para não receitarem medicamentos de marca com os tais preços excessivos. Mas sobre isto, até custa repetir aquilo que o Ministro da Saúde sabe perfeitamente mas, por conveniência, finge ignorar : que, em regra, quem tem problemas de saúde está numa situação fragilizada e que só irresponsáveis é que podem defender ser desejável que a relação médico-doente seja invadida por conflitos e situações de tensão em torno do receituário e dos seus custos.

Tudo visto, só se pode concluir que este Governo, nestas como noutras matérias, ostenta aquela “coragem” que é típica dos cobardes que só se apresentam como valentes quando se trata de bater nos mais fracos.