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Intervenção de abertura - Agostinho Lopes, da Comissão Política do CC do PCP
Sábado, 24 Novembro 2007
Agostinho LopesNa intervenção de abertura da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais, Agostinho Lopes, da Comissão Política, sublinhou que com a realização desta iniciativa «acrescentamos o vasto e valioso património de análise, debate e proposta do PCP sobre a realidade do País que fomos e somos. Acrescentamos assim ao património das diversas Conferências que o PCP realiza desde 1976, a análise da situação do País e a resposta dos comunistas aos problemas que Portugal enfrenta neste tempo quando dobramos já metade da primeira década do século XXI».

 

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1.

A Conferência e o Património de Análise, Debate e Propostas do PCP

 

Com as 4 sessões plenárias de hoje e amanhã da Conferência sobre Questões Económicas e Sociais, completa-se o vasto trabalho desenvolvido pelo colectivo partidário desde que em Outubro do passado ano o Comité Central do PCP decidiu avançar para a sua realização.

Concretizamos assim a oportuna decisão do Comité Central, e simultaneamente acrescentamos ao vasto e valioso património de análise, debate e proposta do PCP sobre a realidade do País que somos, dos problemas e desafios que o nosso povo enfrenta, e da luta que incansavelmente continuamos a travar por um presente melhor, por uma Democracia Avançada para a nossa Pátria. Acrescentamos assim ao património das Conferências «A Saída da Crise», de 1976, «As Nacionalizações», de 1977, «A adesão à CEE», de 1980 e «A via de Desenvolvimento para Vencer a Crise», de 1985, a análise da situação do País e a resposta dos comunistas portugueses aos problemas que Portugal enfrenta neste tempo, quando dobramos já metade da primeira década do século XXI, e neste espaço do planeta Terra feito lugar comum de todos nós! Acrescentamos, no quadro do Programa do PCP «Uma Democracia Avançada», cuja actualidade é flagrante, e de todo o amplo trabalho realizado sobre os mais diversificados temas e sectores económicos e sociais materializado em inúmeras iniciativas de debate e iniciativas legislativas, na Assembleia da República e também no Parlamento Europeu, ao longo dos últimos 30 anos. E por último, damos sequência ao papel insubstituível do PCP na organização e apoio à resistência e luta dos trabalhadores, dos agricultores, dos pescadores, dos pequenos empresários, do povo português, contra as políticas de direita e as malfeitorias de sucessivos governos, destruindo Abril e as suas conquistas, verdadeiras infra-estruturas materiais, jurídicas, cívicas, base segura para a construção de um Portugal democrático e desenvolvido, independente e próspero. Porque Abril não apenas devolveu a liberdade e a democracia ao povo português e pôs fim à guerra colonial. Abril também rasgou caminho para as necessárias respostas aos problemas, atrasos e estrangulamentos económicos e sociais herdados da ditadura fascista. A recuperação capitalista e latifundista pese a tenaz e heróica resistência do povo, socavou e em grande medida liquidou o que era um extraordinário ponto de partida para o desenvolvimento nacional. E devemos sublinhar que não foi o menor prejuízo, a quebra, aniquilação, o desânimo e redução de expectativas, até à instalação de um clima de medo e anomia cívica criadas em muitas camadas da população portuguesa, com que as políticas de direita travaram a massiva, confiante e viva intervenção dos portugueses após a Revolução na resolução dos problemas nacionais. A persistente e cínica doutrinação para reduzir a intervenção cívica dos cidadãos ao acto de votar. O ódio manifestado ao que foi o empenhamento dos portugueses, com todas as suas forças na vida local e nacional, na resolução de intrincados problemas económicos e sociais, na resposta às mais gritantes carências e défices que a ditadura deixou em testamento. Quem viveu os exaltantes dias da revolução nos já longínquos anos de 1974 e 1975 não esquecerá aquela força que literalmente, removia montanhas, que abria estradas, que criava cooperativas, que geria grandes empresas, que electrificava a escuridão em que Salazar os tinha deixado mergulhadas tantas terras. Aquela energia criadora, que só um povo reconciliado com a sua dignidade, com o seu destino, é capaz!

 

 

2.

O Debate Preparatório e o Pesado Silêncio Mediático

 

Após a decisão do Comité Central, de Outubro, e em particular desde o lançamento público da Conferência Económica e Social, em Março passado, pelo Secretário-geral do PCP, que um vasto e diversificado trabalho de análise, reflexão, estudo e debate foi realizado. Pese as múltiplas e exigentes tarefas assumidas pelo colectivo partidário, em particular no desenvolvimento das batalhas de resistência às medidas e políticas de direita, num grau qualitativamente superior à de anteriores governos, do presente Governo PS/Sócrates, houve disponibilidade para se concretizarem mais de três dezenas de iniciativas que abordaram algumas das mais estruturantes e estratégicas questões, nalguns casos verdadeiros nós cegos, do desenvolvimento nacional. Dos direitos dos trabalhadores à exclusão social e pobreza, à imigração e emigração. Da energia à agricultura, pescas e indústria, passando pelas tecnologias da informação e comunicação. Do desenvolvimento científico e tecnológico ao sector financeiro, aos transportes e logística, ao serviço postal, habitação. Dos problemas da saúde e ensino aos problemas dos pequenos empresários e das áreas protegidas. Dos problemas das regiões do interior ao Douro e à Serra da Estrela. Iniciativas que se somaram a debates regionais e locais. Trabalho que se consolidou nas mais de 500 assembleias plenárias que elegeram os delegados a esta Conferência e discutiram o texto-base. Trabalho que está bem reflectido, embora muito parcialmente, nas mais de 200 emendas ao Texto-base, que o Comité Central aprovou e cujo resultado agora trazemos à Conferência, para avaliação dos seus delegados.

Mas este valioso trabalho, se reflecte a qualidade democrática do debate partidário no PCP, o esforço dos comunistas no sentido de conhecer, aprofundar e dar rigor à nossa análise política dos mais ingentes problemas nacionais, abriu-se também à contribuição das opiniões de homens e mulheres mais dos mais diversos quadrantes políticos e ideológicos. Não para fazerem de figurantes, mas para uma audição atenta das suas ideias para o País de todos. O que põe a nu a falsidade das teses que procuram opor os partidos aos cidadãos e às diversas entidades sociais, como se houvesse alguma barreira física ou ideológica que impedisse caso haja vontade e disponibilidade politica, a consideração e integração dessa participação cívica, intelectual, científica, nas análises, propostas e programas partidários. Não é essa a experiência do PCP. Bem pelo contrário, como ainda agora aconteceu durante o trabalho preparatório da CES. E aproveitamos a ocasião para duas anotações.

A primeira para saudar e agradecer a todos quantos não sendo comunistas, participaram e contribuíram para o êxito da CES, pela sua participação de viva voz ou através de textos escritos.

A segunda para lamentar o silêncio de chumbo que a generalidade dos grandes órgãos de comunicação social fez cair sobre a CES e o seu trabalho preparatório ao longo de quase um ano. Não apenas pelo irrecusável direito do PCP a ver coberta uma sua relevante iniciativa. Não apenas pela mais valia para os portugueses e o País do debate proposto pelo PCP. Mas porque esse silêncio, representa, ele sim, uma barreira ao fluir das opiniões e participação dos cidadãos na vida política nacional. Barreira à interacção entre a dita sociedade civil e esses elementos nucleares de uma sociedade de liberdade e democracia, que são os partidos políticos com a sua natureza própria e única, e cuja autonomia e independência tem sido sujeitos a tratos de polé pelo partidos do bloco central PS e PSD.

 

 

3.

Análise/Balanço da Situação Económico-social do País

 

Muitos poderão ser os dados e muitas as fotografias estatísticas que de forma impressiva evidenciam a situação de desastre sócio-económico a que a política de direita de sucessivos governos do PS, PSD com ou sem CDS/PP conduziram o País. Muitos os estrangulamentos a que essas mesmas políticas conduziram sectores e áreas públicas e privadas, estratégicas e estruturantes em geral, pela sua natureza transversal, por serem suporte obrigatório da vida das sociedades actuais, por transportarem as questões da sustentabilidade ambiental e social do futuro do País e do Planeta.

Três adjectivos caracterizam os resultados da política de direita: A desigualdade. A injustiça. A insustentabilidade.

A desigualdade, que evidenciando o reino de uma lei de ferro do capitalismo, a lei do desenvolvimento desigual, está bem patente para vergonha de todos nós, no País mais desigual da Europa. Aquele em que a distância entre ricos e pobres é maior. No País que pelos critérios comunitários tem 2 milhões de pobres. No País em que o leque salarial é escandaloso, e onde também por isso, mais de um terço dos pobres são cidadãos que trabalham, são trabalhadores pobres. A desigualdade presente no território, com regiões com dinâmicas de sobrepovoamento e sobreocupação como contraponto ao esvaimento económico e social de outras, fundamentalmente na faixa interior e particularmente nas zonas fronteiriças. A desertificação do mundo rural contraponto de explosivos e desregrados crescimentos urbanos. O cavar de desigualdades intra regionais, mesmo em áreas ditas desenvolvidas.

A insustentabilidade económica, ambiental e social resultante da transformação da maximização da taxa de lucro e do volume dos lucros, no quadro dos cânones do neoliberalismo e do império da finança, em critério supremo de guia e aferição das políticas. De condicionante absoluto do desenvolvimento, e da imposição da inerente e consequente anarquia na localização e afectação de recursos humanos e dos investimentos.

A insustentabilidade económica decorrente de um mercado abandonado à voracidade e predação dos grandes grupos monopolistas, à insaciabilidade do capital financeiro. A insustentabilidade económica e ambiental de uma politica energética amarrada aos combustíveis fósseis e de uma politica de transportes centrada na rodovia e no privado. A insustentabilidade de quem olha os solos como simples bem mercantil, sob o império da vontade do grande proprietário, susceptíveis de toda a especulação imobiliária. A insustentabilidade de quem responde aos desequilíbrios e agressões ambientais transformando os bens ambientais em mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura, como a da regulação das emissões de CO2. A insustentabilidade do desordenamento do território, da degradação das bacias hidrográficas e orlas costeiras.

A insustentabilidade social decorrente de elevados níveis de pobreza, desemprego, precariedade, potenciadores da exclusão social e graves fenómenos de marginalidade. Fundamentalmente porque os baixos rendimentos se transformam em efectivas barreiras a uma necessária progressão social, capaz de vencer as baixas qualificações, o trabalho infantil, o abandono e o insucesso escolares. A insustentabilidade social de algumas comunidades de zonas raianas (Bragança, Guarda, C. Branco, Portalegre, Évora, Beja) a ultrapassarem os limiares da possível recuperação demográfica.

A injustiça social de políticas que remuneram e premeiam a especulação financeira e bolsista, os proprietários de grossos cabedais imobiliários e sobretudo imobiliários e penalizam, ano após ano, os que trabalham ou trabalharam uma vida inteira. Políticas que penalizam igualmente os rendimentos dos pequenos empresários. Políticas que polarizam em níveis escandalosos a riqueza produzida pela sociedade nas mãos de alguns poucos, enquanto falha a estratos numerosos da população com o rendimento necessário e suficiente para assegurar uma vida digna.

O golpear do regime democrático concretizado ou em carteira, os factos e acontecimentos recentes surgidos na intervenção de diversos departamentos governamentais, que lembram tristes procedimentos do antigamente, não são manifestações espúrias ou excesso de zelo de funcionários dedicados. Traduzem na esfera do Estado o avanço do império do capital na sociedade portuguesa. Não é demais sublinhar e lembrar esta velha tese dos comunistas portugueses.

 

 

4.

Os Principais Resultados do Debate

 

O debate preparatório permitiu corrigir, desenvolver e consolidar o projecto de texto-base posto à discussão do colectivo partidário. Gostaria de destacar, pelo seu particular significado, como os delegados podem verificar no documento Propostas de Alterações ao Texto-base, aprovadas pelo Comité Central:

-      O desenvolvimento acrescentado ao Capítulo III, ponto 1.1. O enquadramento institucional da situação económica nacional, com a caracterização da actual ofensiva do imperialismo e os impactos do crescente peso de países como a China, a Índia, o Brasil, e mesmo a Rússia;

-      A inserção, no Capítulo III, ponto 2.1.4.i), a par do desenvolvimento dos sectores sobre a situação da agricultura e das pescas, de um período sobre a situação actual nos campos do Alentejo e Ribatejo;

-      O aperfeiçoamento, no Capítulo III, 2.6.1. do texto sobre a produtividade;

-      O acrescentamento de dois pontos (entre o 3.2. e o 3.3.), sobre a emigração e a imigração;

-      O acrescentamento de um ponto, entre o 7.6 e o 7.7, de um novo ponto sobre a justiça;

-      A substituição de todo o Capítulo IV, 8.1.2 pelo combate pelo fim da União Económica e Monetária (UEM) e uma política orçamental comunitária virada para o investimento, o crescimento e o emprego;

-      O acrescento, no Capítulo IV, 8.2.1. de uma nova alínea ii), com referência, entre outros aspectos, à necessidade de uma profunda alteração fundiária nos campos do Sul, que concretize, nas actuais condições, uma reforma agrária, e liquide a propriedade latifundiária;

-      O acrescentamento de um novo ponto, entre 8.2.5 e 8.2.6., no Capítulo III, sobre as propostas para o sector financeiro;

-      O acrescento de novo ponto, entre 8.2.6 e 8.2.7, sobre propostas para o sector de transportes e comunicações.

Devem ainda registar-se como questões, preocupações e temas importantes que o debate explicitou, mas que no âmbito e natureza estatutários da Conferência, ou a ineficiência do aprofundamento do problema, no contexto do debate travado, não foram considerados, os seguintes:

-      A necessidade de uma abordagem mais ampla e profunda dos processos de reconfiguração do Estado, em todas as suas dimensões, pois a Conferência limitou-se às vertentes económica e social;

-      O desenvolvimento e estudo da análise feita no Texto-base sobre a economia informal;

-      A necessidade de continuar a reflexão partidária sobre os problemas e orientações políticas da actual integração comunitária, e em particular no quadro de um novo Tratado, altamente mutilador da soberania nacional.

Releve-se ainda a necessidade de estudo e consideração sobre o uso de «conceitos» e «linguagem» estranha à teoria marxista, de que são exemplos frequentes «produtividade», «mais valia» ou o conceito de «competitividade» e toda a sua carga ideológica «neoliberal».

 

 

5.

Os Responsáveis pela Situação

 

O vasto trabalho preparatório realizado permite confirmar e consolidar a tese política central de responsabilidade de sucessivos governos do PS, PSD, com o sem CDS-PP e das suas maiorias parlamentares.

Da responsabilidade de políticas inteiramente subordinadas, guiadas, quando não pré-elaboradas, pelo grande capital, pelos quadros e aparelhos dos grupos económicos.

No campo das batalhas sociais e políticas, e em particular nos combates acesos das disputas eleitorais, um factor tem desempenhado papel essencial no condicionamento das opções ideológicas dos cidadãos, na manipulação e mistificação das suas escolhas eleitorais, e muito principalmente na ocultação das responsabilidades políticas dos problemas e estrangulamentos da sociedade portuguesa. Trata-se da memória, ou melhor, da sua ausência, da amnésia que pesa sobre as causas e os causadores dessas situações. O sistemático «esquecimento» de que a vida política e social de um país não é feita de factos isolados, de acontecimentos sem um antes e sem um depois. Bem pelo contrário, é um fluxo de processos económicos, sociais e políticos que, segmentados, pautados aqui e ali por momentos de crise de explosão ou implosão, respondem ao desenvolvimento de opções, escolhas, políticas, medidas tomadas pelos decisores políticos e económicos.

Mas percebemos bem a enorme vantagem política de tal visão, fortemente sustentada, animada e corporizada pelos média.

Anulam-se os responsáveis e a responsabilidade política - os partidos, os governos, os seus ministros e deputados. Anula-se a inteligibilidade da vida política. E perante, ou após, cada eleição, surge uma alternância partidária, limpa de pecados originais, como se passada fosse por pia baptismal, destinada a lavar e absolver as responsabilidades passadas, pronta novamente a salvar a pátria. Sempre com a preciosa colaboração e cumplicidade dos principais órgãos mediáticos. Não chegavam todos os minutos desta intervenção para descrever ou, pelo menos, explicitar alguns dos exemplos mais vivos dessa perda de memória e da sua patente utilidade, em especial para os partidos do bloco central.

Não será, contudo despiciendo lembrar alguns dos elementos centrais das políticas de restauração do capital monopolista através do seu principal instrumento, as privatizações, como destinadas a recompor o mercado e a desenvolver a concorrência. Hoje temos, em sectores e áreas cruciais da vida económica, uma forte monopolização e consecutivos e sérios atropelos à concorrência. Como tardiamente o reconheceram, e à sua custa, a generalidade dos pequenos empresários portugueses, na banca e nos seguros, no comércio, na energia, nas comunicações, nas celuloses, nos transportes.

Lembrar as consequências de uma adesão à integração comunitária/CEE, em 1986, e o sucessivo apoio aos saltos qualitativos que se foram verificando sem, pelo menos, salvaguardar mecanismos e meios susceptíveis de reduzir os impactos negativos do que seria sempre uma aterragem forçada e acidentada da economia nacional.

Lembrar as responsabilidades de quem abandonou também, na condução da política económica e desenvolvimento social, qualquer resquício de planeamento, apesar de constitucionalmente consagrado. Abandono que não é «esquecimento» mas deliberada política de entrega do comando do Estado à anarquia do desenvolvimento capitalista e das orientações pelo mercado com desarticulação de políticas sectoriais, o fim de qualquer perspectiva coerente e consistente de fileira produtiva, de sub e sobreinvestimento, da consideração do longo prazo, de abandono da racionalidade na localização das infra-estruturas e projectos ao serviço do ordenamento do território e proximidade das populações.

As perdas de memória são mais que muitas, e a ocultação pura e simples de responsabilidades idem aspas.

Quem relaciona hoje o desastre da nossa agricultura e das nossas pescas com os (partidos e governos) que promoveram a destruição da Reforma Agrária, e aceitaram um enquadramento da PAC e PCP, e das respectivas revisões, apoiando e colaborando com decisões comunitárias inteiramente conforme os interesses das grandes potências agrícolas do Norte da Europa e do capital multinacional agroalimentar e agroquímico? Quem acusa hoje os que arruinaram a agricultura e liquidaram a pequena exploração familiar, desertificando aldeias e o mundo rural, pelos dramáticos incêndios florestais que, ano após ano devoraram 1/3 da floresta portuguesa, a que deve juntar-se a insuficiência de meios orçamentais disponibilizados para as operações de combate e para o ordenamento, o desmembramento do aparelho dos Serviços Florestais, a monopolização do preço do material lenhoso?

Quem associa hoje os desajustados e especulativos preços da energia eléctrica, do gás natural e também dos combustíveis, aos processos de privatização das empresas, liberalização dos mercados e desarticulação da cadeia de valores das empresas de energia (EDP, GALP) que enformaram as sucessivas reestruturações do sector energético dos governos PS e PSD permitindo, simultaneamente, os fenomenais lucros e dividendos privados daquelas empresas?

Quem atribui as dificuldades do sector têxtil português à entrega de políticas de comércio externo por sucessivos governos aos comissários da União Europeia, sem qualquer sobressalto ou exigência perante o resultado das negociações da OMC que, em particular, conduziram à entrada da China em 2000?

Quem responsabiliza uma política de captação do capital estrangeiro a todo o custo, traduzido depois em generalizadas deslocalizações, suportando o País os custos sociais e económicos do desemprego e de unidades industriais?

Quem promove e promoveu o regabofe dos dinheiros públicos, com incontroláveis derrapagens, de obras públicas, o desperdício de milhões de euros de aquisições externas de serviços de consultadoria e estudos, que bem poderiam ser realizados pelos serviços internos da Administração, ou os gastos sumptuários com assessores, veículos e mordomias?

Quem foi cúmplice, anos e anos a fio, com o estado e funcionamento da máquina fiscal, com a ilegal evasão fiscal e com o legal planeamento fiscal, ou com o não cumprimento dos pagamentos à Segurança Social?

Isto é, os campeões das contas públicas equilibradas, os pseudo defensores da sustentabilidade do sector público da segurança social são, em primeiro lugar, os responsáveis pelos descalabros a que chegaram os défices e as dívidas públicas, pelos prejuízos da segurança social.

Quem, camaradas, responsabiliza hoje o PS e o PSD pela falta de médicos e enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde, decorrente dos numerus clausus e da falta de investimento nas Escolas de Saúde? Entretanto, milhares de jovens portugueses não tiraram o curso que desejavam e hoje há quem fale como se nada tivesse a ver com o assunto de desajustamento das formações do ensino superior. E de milhares de jovens licenciados, que não tiraram o curso que queriam, no desemprego.

Quem, camaradas, responsabiliza hoje o PS e o PSD, e uns tantos outros que choram lágrimas de crocodilo pelo estado a que chegou a escola pública, pelo abandono do paradigma da formação integral, pela desvalorização das formações, pela elitização económica e os inflacionados custos do ensino? Os que promoveram a reprodução paroxística das universidades privadas ou que entregaram milhares e milhares de contos de formação profissional do Fundo Social Europeu ao grande capital nacional e estrangeiro?

Quantos serão os portugueses a atribuir a burocracia, os disfuncionamentos, e mesmo o vezo centralista e autoritário de tantos comportamentos e procedimentos da nossa Administração Central e Serviços Públicos, à responsabilidade de sucessivos governos, governamentalizando e partidarizando nomeações e chefias, promovendo leis orgânicas sobre leis orgânicas (às vezes bastava mudar a composição do Executivo, mesmo permanecendo a maioria parlamentar), desvalorizando e desqualificando o agente público? Responsabilidade dos que boicotaram ou travaram o processo de regionalização, peça nuclear de uma efectiva reforma do aparelho do Estado? Dos que, praticamente desde o 25 Abril, sempre atropelaram o Poder Local, não cumprindo leis de finanças locais, transferindo e atribuindo competências sem as transferências financeiras adequadas? Dos que centralizaram e governamentalizaram a gestão e aplicação de fundos comunitários, usando e abusando da distribuição à medida das cores partidárias?

Na campanha pela amnésia política tudo tem valido para desresponsabilizar os únicos responsáveis políticos e económicos. Mas, como é do senso comum, não há efeitos sem causas, para lá dos esforços para a falta de memória colectiva, ou do decretar puro e simples da impossibilidade em conhecer ou esclarecer as causas e explicações - um dia destes um editorialista de um importante jornal diário decretou que «não havia explicação racional para o aprofundamento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres» - tornou-se também um discurso recorrente o descobrir e apontar bodes expiatórios.

Muitos têm sido os bodes expiatórios em Portugal. Desde os «clássicos», que atribuem os problemas do País a idiossincrasias do nosso povo, às suas particulares características psicológicas, marcadas por um espírito negativista e pela resignação e pela fatalidade do destino, pela falta de confiança e autoconfiança, até ao ressurgir da tese da pobreza congénita do País.

Mas os bodes expiatórios por excelência para sucessivos governos, suas maiorias e seus partidos, são os trabalhadores portugueses e, muito acentuada e explicitamente, nos últimos anos, os trabalhadores do Estado. Os trabalhadores portugueses são, para essa gente, claramente os responsáveis pelos baixos níveis de produtividade das empresas portuguesas. Os responsáveis pela baixa competitividade da produção nacional. Têm uma tendência doentia para a doença, a preguiça, a fraude. Uma obsessão para superpovoarem as urgências hospitalares. Ou para se desresponsabilizarem pelo acompanhamento escolar dos seus filhos. Ou essa tendência, talvez inscrita nos genes, para se endividarem, não por serem baixos os salários, mas porque gostam de ter dívidas, não sabem consumir, nem fazer orçamentos familiares!

Os trabalhadores da Função Pública são os responsáveis, sobretudo para este governo, por todos os males acumulados no funcionamento do Estado ao longo destes anos. E, sem pudor e com evidente pesporrência, os problemas da morosidade da justiça têm origem nas férias exageradas dos juízes. Os problemas no Serviço Nacional de Saúde, no despesismo, indisciplina e falta de produtividade dos médicos, enfermeiros e outro pessoal de saúde. Os responsáveis pelo estado a que chegou a educação e o ensino no País são, naturalmente, logicamente, os professores. Então não são eles que estão nas escolas a ensinar? E também, consequentemente, são os trabalhadores da Administração Central e Local os responsáveis pela burocracia e por todos os «maus encontros» que os portugueses têm com a Administração Pública ao longo da vida.

De uma coisa não podem queixar-se esses governos e as suas maiorias parlamentares: da falta de meios financeiros suficientes para implementar as políticas adequadas, a construção das infra-estruturas necessárias e o desenvolvimento de políticas sociais avançadas.

Mesmo sem avalizarmos a bondade da origem desses meios, bem pelo contrário, devemos assinalar que esses governos dispuseram, ao longo dos últimos 20 anos, de mais de 50 mil milhões de euros de fundos comunitários e mais de 33 mil milhões de euros de receitas de privatizações. O que fizeram, esses senhores, com esse dinheiro?

 

 

6.

Únicas Opções? Único Caminho?

 

Quando não encontram, ou não lhes convém encontrar, bodes expiatórios, outras justificações, argumentações e explicações são elaboradas e propagandeadas para justificar o injustificável: as suas políticas e as suas desastrosas consequências.

A tese da opção única, do caminho único, como em geral têm sido as justificações para as decisões sobre o processo de integração comunitária. A tese de que tem de ser porque o País não tem alternativa diferente. A opção, em geral, não é apenas única como inadiável, inevitável e inelutável. Mesmo quando é evidente que outros países da União Europeia tomaram outras opções. Por exemplo, não aderiram à UEM e ao euro. Mesmo quando é evidente a participação empenhada do Estado Português no afunilamento das alternativas e no apoio à velocidade do rolo compressor, do facto consumado e dos saltos qualitativos no processo de integração. Das posições dos governos portugueses no seu persistente papel de bons alunos, mais papistas que o Papa em matéria europeia.

A tese da responsabilização da globalização capitalista, impondo os processos de privatização, liberalização, desregulamentação, a que não poderiam ou poderão furtar-se os Estados, face aos constrangimentos e possíveis represálias económicas decorrentes de outras opções. Uma explicação recorrente para desresponsabilizar as deslocalizações esquecendo que nenhum Estado pode abdicar da sua soberania na condução das suas políticas, sob pena de se negar como Estado. E que o exercício da soberania não significa assumir posições autárcicas ou negar a objectividade dos processos de interacção planetária das economias.

A tese dos condicionamentos, imperativos dos mercados financeiros e das suas consequências inevitáveis no social. É a tese de que «a política deve ser orientada em função da realidade supranacional, da concorrência global e de que as expectativas dos mercados financeiros internacionais são uma expressão dessa realidade». Ou seja, como dizia um conceituado ministro do bloco central, «o exercício da soberania deixou de ser um produto da vontade política e da coragem colectiva para passar a ser um produto do rigor, da gestão sustentada de uma estratégia». Isto é, o eleitorado escolhe quem ocupa o poder, os mercados financeiros ditam o que faz o poder. É a tese da «unicidade estratégica», que explica e justifica que todos os governos, da direita à social democracia, estão determinados e obrigados à mesma política económica e social. À que é ditada pelos mercados financeiros.

Estas teses das únicas opções / único caminho para as economias de cada Estado nacional e para o mundo, são tão categoricamente assumidas que qualquer ensaio, tentativa, exemplo de outras opções e outro caminho, que as ponham substantivamente em causa, desencadeiam a histeria de articulistas e comentadores ao serviço da ideologia dominante. Tudo o que ponha em causa o pensamento único, ou não existe ou é um absurdo histórico levado a cabo por, no melhor dos casos, utopistas bem intencionados, nos casos mais graves, por vanguardas autoritárias e candidatos a ditadores.

O caso da Revolução Bolivariana e do Presidente Hugo Chavez é um exemplo paradigmático. Porque a «opção única» privatiza e ele nacionaliza. Porque o pensamento único liquida as explorações agrícolas familiares e ele distribui terra aos camponeses pobres. Porque Chavez promove o acesso da generalidade do seu povo aos serviços de saúde e educação e o pensamento único propõe a sua mercantlização. Porque Chavez redistribui o rendimento nacional e o pensamento único realiza a polarização da riqueza nas mãos de alguns poucos. Porque Chavez propõe uma cooperação centrada em vantagens mútuas de Estados soberanos e iguais em direitos, e o pensamento único propõe a união assimétrica em que uns mandam e outros servem, agravando desigualdades e provocando drásticas reduções de soberania, Hugo Chavez é um ditador, e a Venezuela caminha para a ditadura, apesar do seu lugar de presidente, das suas propostas institucionais, das suas opções virem sendo esmagadoramente sufragadas pela maioria do Povo da Venezuela. Mas como não deixam votar os mercados financeiros ... Logo, temos a ditadura.

Há, de facto, outras opções e outro caminho.

Outro rumo é possível para a política portuguesa. E nem precisaríamos sequer de olhar para fora do nosso território.

Se olharmos para as conclusões da Conferência do PCP «Não ao Mercado Comum», realizada em 1980, é fácil perceber que, mesmo no quadro da adesão à CEE, se tivessem sido levados em conta os alertas e as considerações que o PCP avançava, teria sido possível salvaguardar e acautelar de forma mais eficaz, mesmo que insuficiente, os interesses nacionais nas negociações da adesão então realizadas. Outras foram as opções e os problemas vieram os portugueses a sofrê-los na pele, nos anos subsequentes.

Se olharmos para as propostas e conclusões da Conferência do PCP «A via de desenvolvimento para vencer a crise», realizada em 1985 neste mesmo concelho do Seixal, fácil é constatar que em inúmeros sectores e áreas económicas e sociais, bem diferente teria sido o futuro do País, isto é, o presente que hoje vivemos!

 

 

7.

As Rupturas Necessárias

 

A tese do caminho único e das únicas opções é também a base onde radica a identidade genética e estrutural das políticas do PS e PSD ao longo dos últimos anos. Semelhança de gémeos univitelinos, porque nasceram do mesmo ovo, resultante da fecundação da ideologia neoliberal, consubstanciada no Consenso de Washington pelos interesses do grande capital. Semelhança de gémeos, que procuram vestir-se de cor diferente e berrante na oposição para eleitor ver. Semelhança pelo que fazem no governo, pelo que encenam, nos seus arroubos oposicionistas. Semelhanças que agradam aos mandantes, de Washington a Bruxelas, que não os distinguem porque não são distinguíveis.

Semelhanças, identidade genética e estrutural, que concentramos em 10 eixos centrais, em torno dos quais se articula de forma persistente e consistente a política de direita levada a cabo nas últimas três dezenas de anos, numa escalada de grau e qualidade, e com alguma divisão de trabalho entre PS e PSD. O PS fazendo, em geral, trabalho mais sujo, produzindo as alterações qualitativas, em particular na ofensiva contra os trabalhadores e a criação de instrumentos favoráveis ao grande capital. O PSD, explorando a abertura das brechas causadas pela destruição das conquistas de Abril, pela violação de princípios e incumbências constitucionais.

De onde dez rupturas essenciais, e cujo tempo é o da urgência, para abrir as portas a uma política económica e social alternativa, ao serviço do povo e do País.

Ruptura com as opções pelos interesses do grande capital a favor da acumulação capitalista na consolidação dos grandes grupos monopolistas, os tais que na avaliação de um primeiro-ministro do PS, seriam «os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização».

Ruptura com uma integração comunitária em que prevalecem os interesses estratégicos das grande potências e do grande capital europeu nas instituições, na economia, nas relações externas e de defesa, bem explícitas no recentemente aprovado Tratado dito reformador, que querem ratificar nas costas dos povos, inclusive do Povo Português.

Ruptura com a reconfiguração neoliberal do Estado, que emagrece tudo o que é serviço público aos portugueses e conquistas de Abril, e engorda em tudo o que é transferência de fundos, património, mercados, poderes públicos, para o capital privado.

Ruptura com a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, marca indisfarçável da política de classe, que não só socava o futuro do País, como agride discricionariamente os criadores de riqueza, e tenta despojá-los da integralidade da sua dimensão humana de produtores e cidadãos.

Ruptura com a mutilação e subversão das políticas sociais, transformadas em novos espaços de acumulação capitalista, abertos pelo recuo da presença dos serviços públicos, pondo o mercado a regular o acesso à educação, à saúde ou à redistribuição pela Segurança Social.

Ruptura com a atribuição ao capital estrangeiro do papel que deveria caber em primeiro lugar ao Estado Português e complementar ao capital privado nacional, delapidando-se patrimónios naturais e ambientais e fundos públicos no apoio ao capital beduíno e, no presente momento, na estranha «sustentabilidade» do emprego, dessas empresas, à custa de novas e vultuosas benesses fiscais e financeiras.

Ruptura com a super valorização das exportações, quando a economia nacional é absorvida a 80% pelo mercado interno.

Ruptura com políticas que atingem a soberania nacional, nos instrumentos soberanos do Estado Português, na ocupação do território ou no exercício de inalienáveis direitos sobre o mar português.

Ruptura com a subversão da Constituição da República. O País encontra-se no triste estado que sabemos, não por causa da Constituição mas porque ao longo destes mais de 30 anos pós Abril, PS e PSD, por omissão e acção, violaram importantes princípios constitucionais.

É urgente a ruptura, porque é urgente uma nova política para Portugal e os Portugueses.

Nova política construída na negação dos dez eixos da política de direita. Nova política que se construa em torno de outras e bem diferentes opções estratégicas. Com a recuperação pelo Estado democrático do comando político do desenvolvimento. Com a afirmação da propriedade social e do papel do Estado no quadro de uma economia mista.

Com a decidida valorização do trabalho e dos trabalhadores. Com a dinamização dos sectores produtivos - agricultura, pescas, indústria - reduzindo o papel predador do sector financeiro. Com o combate à gravosa e estrutural dependência externa do País. Com políticas para se vencerem os enormes défices estruturais. Com a densificação e protecção do mercado interno, no contexto de relações económicas externas diversificadas. Com o primado dos serviços públicos na área das políticas sociais. Com a educação, cultura e a ciência, factores insubstituíveis do desenvolvimento integral dos portugueses e das portuguesas. Com um desenvolvimento harmonioso com a natureza e a defesa de bens ambientais, como os solos, a água, as florestas, à margem da sua mercantilização neoliberal.

Uma nova política para Portugal e os Portugueses não somente é necessária como existe e é possível. A luta dos trabalhadores e do povo português torná-la-á uma realidade.