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Uma política de Ciência e Tecnologia ao serviço do país e dos portugueses
Terça, 15 Maio 2007
Imagem: Jerónimo de SousaJerónimo de Sousa, na sua intervenção no Encontro, “Uma política de Ciência e Tecnologia ao serviço do país e dos portugueses”, afirmou «o lema deste nosso Encontro que se inscreve no trabalho preparatório da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais, encerra em si uma ideia fundamental: a posse do conhecimento científico e a capacidade de o aplicar de acordo com as necessidades humanas, devem ser justamente considerados como determinantes do progresso económico e social, quer no que toca à criação de riqueza, na produção de bens materiais e culturais, quer no tratamento da doença e na manutenção da saúde, na defesa do meio ambiente, na previsão ou prevenção de riscos e catástrofes, naturais ou devidas à acção do homem.»

 

 

20070515a

 


Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário geral do PCP
no Encontro  “Uma política de Ciência e Tecnologia ao serviço do país e dos portugueses”,  iniciativa preparatória da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais


O lema deste nosso Encontro, “Uma política de Ciência e Tecnologia ao serviço do país e dos portugueses”, que se inscreve no trabalho preparatório da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais, encerra em si uma ideia fundamental: a posse do conhecimento científico e a capacidade de o aplicar de acordo com as necessidades humanas, devem ser justamente considerados como determinantes do progresso económico e social, quer no que toca à criação de riqueza, na produção de bens materiais e culturais, quer no tratamento da doença e na manutenção da saúde, na defesa do meio ambiente, na previsão ou prevenção de riscos e catástrofes, naturais ou devidas à acção do homem.

Não tem sido este o entendimento dos sucessivos governos, que ao colocarem num plano secundário o desenvolvimento científico e tecnológico, persistindo na valorização de um modelo de desenvolvimento para o país assente nos baixos salários e nas baixas qualificações, quando a produtividade do aparelho produtivo e a competitividade da economia portuguesa exigem precisamente o contrário, levaram à degradação do nível e qualidade de vida da maioria das famílias portuguesas e ao crescente atraso do país.

Não é esta a opinião do Primeiro-ministro, nem do seu Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, que sistematicamente afirmam que uma das principais apostas deste governo tem sido no Sistema Científico e Técnico Nacional. Mas a realidade do país, tal como acontece em diversas outras áreas, desmente todos os dias uma pretensa imagem de evolução positiva que a máquina de propaganda do governo procura atribuir às pretensas reformas do governo.

Tal como é referido no documento que vos foi distribuído, em que se faz o balanço da actividade do governo nestes dois anos na área da C&T, “o governo e a corte que gira à sua volta, são exímios na propaganda de imaginários feitos, no discurso publicitário e demagógico (...)”.

Desde logo porque o desfasamento entre a retórica do investimento estatal na investigação científica e a situação real que enfrentam neste momento as unidades de investigação e os trabalhadores que nelas trabalham, assume contornos crescentes preocupantes. Entre a quimera de um futuro risonho de data incerta, prometido pelos milhões que o QREN consagra à ciência, e o quotidiano da investigação e das obrigações inerentes à gestão corrente, o momento é de ruptura financeira e de angústia a muito curto prazo.

A realidade revelada pelos últimos números do EUROSTAT publicados em Janeiro, é que o investimento em Investigação e Desenvolvimento em Portugal foi de 0,81% do PIB, enquanto a média da U.E 25 foi de 1,9%. A situação é ainda mais grave quando verificamos que sendo a empresa o núcleo vital do sistema de inovação, apenas 31,7% desta verba, é proveniente do sector empresarial
Depois porque o incremento do desenvolvimento económico, social e cultural do país, exige uma aposta séria na qualificação da população activa e pelo fomento e promoção do ensino ao longo da vida, áreas que vemos praticamente destituídas de qualquer estratégia credível. É fundamental o aumento da cultura científica e a intensificação do ensino experimental nos diversos segmentos do sistema de ensino do básico ao superior, passando pelo secundário e criando condições para o desenvolvimento da criatividade, da inovação.

Veja-se por exemplo o que se passa no Ensino Superior cujo modelo de reforma já em marcha, articulado com o “Processo de Bolonha”, centrando a sua atenção quase exclusivamente na formação de banda estreita de profissionais e de quadros técnicos para o mercado laboral e na investigação científica com aplicação imediata, desvaloriza a investigação fundamental, sem valor imediato para o mercado de trabalho. Situação que se vai agravar com as decisões tomadas através da chamada “reforma global do regime jurídico das instituições de ensino superior”, com destaque para a possibilidade das Universidades e Politécnicos serem transformadas em “fundações públicas de direito privado”.

Esta proposta de lei, a ser aprovada e implementada, constituirá um real retrocesso no projecto de qualificação dos portugueses, de modernização da economia e da construção de um Portugal democrático e desenvolvido.

O objectivo a atingir é muito claro: um rápido ajustamento aos novos interesses do grande capital industrial e financeiro que se traduzirão em níveis mais baixos de conhecimento, menos investigação e menos inovação.

Também em matéria de Ciência e Tecnologia temos um governo que governa pelo mercado e para o mercado.

Sendo verdade que a qualificação dos recursos humanos em si mesmo constituem a maior riqueza do país, a supressão dos atrasos que Portugal enfrenta dependem da adopção de um sistema educativo eficaz e abrangente. A fracção da população activa portuguesa empregada em actividades consideradas como sendo actividades de I&D, era, de acordo com os dados do último inquérito publicado (Dezembro de 2003), 4,7 por 1000 contra 9,7 por mil na UE a 25.

Estamos perante uma política de recursos humanos que aposta sobretudo nos doutoramentos, mas que atira milhares de jovens bolseiros para situações de emprego precário e para o desemprego, ao mesmo tempo que não assegura o reforço dos meios materiais, de equipamentos e outros, necessários ao desenvolvimento da actividade dos jovens investigadores que vão entrando no sistema.

A degradação da condição social dos jovens trabalhadores científicos, das suas condições de trabalho, terá como consequência, a curto prazo, a saída para o estrangeiro à procura de melhores condições de trabalho, ou o abandono da Ciência e Tecnologia como percurso de estudos ou de carreira profissional.

Por mais que procurem esconder esta realidade a verdade é que não há uma aposta séria na ciência, porque tal não é possível sem uma aposta em quem nela trabalha.

Sempre que se avaliam as taxas de crescimento da riqueza criada nas economias dos países industrializados, verificamos que onde elas crescem mais é precisamente onde se investe mais em actividades de I&D.

A introdução do conhecimento produzido no Sistema Científico e Técnico Nacional depende muito do contexto empresarial, que como é conhecido prima por condições adversas à introdução da inovação.

Temos um quadro de baixa qualificação e escolaridade da maioria dos empresários, uma baixa qualificação e escolaridade da maioria dos trabalhadores, uma reduzida cultura de inovação e falta de sensibilidade para aumentar a produtividade e competitividade e a despesa em I&D é quase nula nas empresas portuguesas.

Neste contexto o Estado deve assumir de facto uma posição de liderança na introdução da inovação, nomeadamente nos sectores tradicionais, mas também fazendo contratos com empresas quer sejam públicas, quer com a maioria do capital privado para assim assumir uma acção de liderança e de difusão da inovação a nível de todo o país.

Para a prossecução deste objectivo é crucial ganhar o universo das PME’S para a introdução de novas tecnologias e o melhoramento da aplicação de métodos de trabalho usando tecnologias convencionais. Neste sentido, os laboratórios do Estado podem desempenhar um papel importante desde que lhes sejam dadas as condições de trabalho necessárias. Podem, caso o governo não insista num conjunto de medidas que irão prolongar no tempo a situação de instabilidade que afecta a vida dos laboratórios e não contribuirão para uma melhor gestão dos recursos existentes.

Na reforma em curso, os critérios de natureza técnico-científico estão a ceder o passo, uma vez mais, perante objectivos de redução da despesa certa com pessoal permanente e a obtenção de receitas extraordinárias pela venda de património.

Conforme o PCP tem sublinhado, os laboratórios do Estado são um dos pilares fundamentais do Sistema Científico e Técnico Nacional e devem constituir um braço especializado da Administração destinado a apoiar nos planos técnico e científico a definição e execução de políticas públicas e, nessa medida, a respectiva acção deve ser programada e dirigida pelos órgãos próprios da Administração.

Não há plano tecnológico ou choque tecnológico que tenha êxito enquanto os interesses do capital prevalecerem sobre os interesses dos trabalhadores e o poder político efectivamente controlado pelo poder económico funcionar como gestor desses interesses.

É na confluência de um conjunto determinado de opções políticas que servem tais interesses que se podem encontrar também as explicações para a cada vez mais grave situação económica e social do país.

Gravidade que não se pode iludir com a valorização empolada de umas parcas décimas de crescimento PIB, particularmente quando ele significa o mais fraco crescimento dos 27 países da União Europeia ou com a promessa do cumprimento antecipado do Pacto de Estabilidade e Crescimento, em resultado da aceleração da política de combate ao défice das contas públicas, com novas e mais graves consequências para a recuperação económica e social e o desenvolvimento do país.

Não estamos apenas perante uma crise conjuntural, mas estrutural, nem a solução dos problemas nacionais se podem resolver com medidas pontuais que aqui e ali se possam apresentar como resultados positivos para fundamentar a propaganda que afirma que o país vai, finalmente, no bom caminho.

A gravidade da situação económica e social de Portugal é hoje iniludível e as causas não podem ser dissimuladas.
A evolução extremamente negativa é o resultado da aplicação da políticas monetaristas e de desprotecção das actividades produtivas nacionais, da crescente financeirização da economia, da entrega ao estrangeiro das principais alavancas da economia do país, da sacralização dos dogmas da concorrência e do menos Estado, incluindo a demissão do seu papel na economia, nomeadamente na assumpção da titularidade e condução dos sectores estratégicos, mas também dos processos de liberalização e privatização a favor do grande capital económico e financeiro e da crescente desregulamentação dos mercados.
 
Tal como são o resultado claro da aplicação do Pacto de Estabilidade e das suas gravosas consequências no investimento público, no crescimento, no emprego, nos salários e nas políticas sociais, mas também do selectivo favorecimento dos grandes interesses na aplicação dos fundos comunitários que pouco contribuíram até hoje para alterar o frágil perfil produtivo português.

É esta política de direita que o actual governo do PS de José Sócrates prossegue, dirigida à satisfação dos interesses do grande capital  que é responsável pelo prolongado período de estagnação económica em que nos encontramos e que levou ao agravamento sistemático dos nossos principais défices, nomeadamente o das contas externas, o agro-alimentar, o tecnológico e de qualificações e o energético que têm condenado o país à dependência crónica.

Em vez de colocar a política económica e monetária ao serviço do crescimento, do emprego, da inovação para mudar a estrutura produtiva do país desvalorizada e valorizar uma economia crescentemente dependente e apendicular, o governo do PS aplicou, no essencial, as mesmas receitas ditadas pela cartilha neoliberal. 

Passados que estamos do meio do actual mandato governativo as alterações na evolução da grave situação nacional não conhece melhorias naquilo que é estruturante e determinante para a solução dos problemas nacionais.
   
A dívida do país atingiu em 2006 um novo recorde, a maior dos últimos dez anos, com a dívida atingindo 80% do PIB, mostrando que prossegue a preocupante tendência para a substituição da produção nacional pela estrangeira e para o aprofundamento dos défices estruturais crónicos.

Portugal não pára de cair no “ranking” do PIB “per capita“ revelando o crescente empobrecimento dos portugueses. 

No presente ano o país acumulará sete anos consecutivos de divergência económica face à União Europeia e segundo as previsões do próprio governo assim será também em 2008, pelo menos.

A situação social continuou a degradar-se de forma ainda mais aguda nestes anos do governo PS e está na origem de um amplo e crescente protesto dos mais variados sectores da sociedade portuguesa, particularmente dos trabalhadores, compelidos pela desastrosa política social do governo a decidir, muito justamente, uma greve geral para o próximo dia 30 de Maio.

Greve Geral que é a resposta necessária e adequada aos mais de dois anos de ofensiva do Governo do PS contra os direitos laborais e os interesses dos trabalhadores e os direitos sociais do povo e que tem não só o apoio dos comunistas portugueses, mas também o seu empenhamento dedicado e solidário. 

Com o governo do PS, o desemprego atingiu níveis altíssimos e o trabalho precário abrange, agora, cerca de 21,3% dos trabalhadores por conta de outrem, colocando Portugal no topo dos países da União Europeia em matéria de precariedade laboral.

Os salários além de baixos são cada vez mais esmagados por uma deliberada política de contenção salarial.

O poder de compra sofreu em 2006 a maior queda dos últimos vinte anos, como o confirma a própria Comissão Europeia, agravando a já negativa situação de Portugal ser um dos países da União Europeia, com menos justiça social e um dos países mais desiguais na distribuição dos rendimentos. 
 
Os serviços públicos, particularmente os serviços públicos de saúde, educação e segurança social são alvo de uma poderosa ofensiva que penaliza os trabalhadores e os portugueses em geral e degrada ainda mais as suas condições de vida. Situação que o Governo do PS pretende agravar com um vasto programa de contra-reformas anti-sociais, nomeadamente a que visa a desregulamentação do mercado de trabalho e a introdução da chamada “flexigurança” para impor a total liberalização dos despedimentos.

Em contraste, assistimos a uma crescente centralização e concentração da riqueza. Não é apenas a imoralidade dos astronómicos lucros das empresas e actividades dominadas pelo grande capital económico e financeiro, são também, num país com uma economia estagnada e em contenção salarial, as remunerações milionárias das administrações. Nas vinte maiores sociedades cotadas na bolsa, por exemplo, os seus salários duplicaram em cinco anos.

Não é assim que se melhora a produtividade e a competitividade da economia portuguesa. Milhões de euros que pouco ou nada contribuem para o relançamento e modernização da economia. Não é o Estado que suga e debilita as empresas portuguesas como afirma a propaganda da direita, mas a banca e o grande capital económico e a sua sede de lucro que estrangulam o desenvolvimento do país e sufocam as micro, pequenas e médias empresas.

A Conferência do PCP sobre as Questões Económicas e Sociais realizar-se-á para mostrar e demonstrar que o actual caminho que a política de direita impõe não é único, nem inexorável, que há alternativa, e que há outras soluções capazes de resolver os problemas nacionais e garantir o desenvolvimento sustentado e equilibrado do país e melhores condições de vidas aos portugueses.

Que é possível e necessária uma efectiva mudança no modelo de desenvolvimento do país que decididamente promova a valorização do trabalho nacional, com uma efectiva redistribuição do Rendimento Nacional e uma aposta decidida na educação, na qualificação profissional, no investimento em I&D, no desenvolvimento cultural, instrumentos, entre outros, indispensáveis para promover o crescimento económico e o desenvolvimento sustentado com mais e melhor emprego.