Jerónimo
de Sousa, na Sessão Comemorativa do 10º aniversário
da atribuição do Prémio Nobel a José
Saramago, sublinhou que «a sua condição de
comunista e a grandeza da sua obra literária não são
facilmente dissociáveis: estou em crer que, sem essa condição,
a massa humana de muitos dos seus livros não se moveria com o
mesmo fulgor e não se sentiria em muitos deles o penoso,
trágico, exaltante, contraditório, luminoso, sombrio,
incessante movimento da história».
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário geral do PCP
Este
espaço do nosso Centro de Trabalho Vitória tem sido, ao
longo de mais de trinta anos, local de realização de
muitas e diversificadas iniciativas partidárias.
Nele
realizámos centenas de plenários de militantes para
debate de questões relacionadas com a situação
política nacional e internacional; aqui ocorreram muitas e
muitas reuniões visando a preparação de lutas
dos trabalhadores; aqui procedemos a múltiplos encontros de
quadros e militantes com vista à discussão colectiva de
medidas para o reforço do Partido; aqui temos participado em
convívios e comemorações as mais diversas; aqui
levámos a cabo um sem número de iniciativas culturais e
artísticas - enfim, aqui organizámos todo um vastíssimo
conjunto de realizações decorrentes da actividade
normal do nosso Partido e do papel singular por ele desempenhado na
sociedade portuguesa.
Isto para dizer que este espaço
está ligado a grandes momentos da vida e da actividade dos
comunistas portugueses, como o que hoje aqui estamos a viver. Aliás,
foi nesse quadro que, há dez anos, aqui festejámos, com
o camarada José Saramago, a grande notícia que a todos
encheu de alegria e de orgulho: a alegria de sabermos que o Prémio
Nobel da Literatura era, pela primeira vez, um escritor português
e da Língua Portuguesa; e o orgulho, natural, pelo facto de
esse escritor ser um camarada, um membro do nosso Partido Comunista
Português.
Desse
dia e dos que se lhe seguiram, guardamos na memória o
sentimento de profunda emoção que tal acontecimento
trouxe aos portugueses por verem a obra de um grande escritor
português reconhecida mundialmente; por verem um grande
escritor português consagrado, à escala planetária,
como figura maior da Literatura.
E
é por tudo isso que hoje aqui estamos, que voltámos a
escolher este espaço para comemorarmos, com a mesma alegria e
orgulho, o 10º aniversário dessa data, desse
acontecimento maior na história da cultura portuguesa -
novamente com a presença do José e da Pilar, aos quais
transmitimos uma fraterna saudação de camaradagem, de
amizade e de admiração.
A
comemoração deste 10º aniversário ocorre
num momento que, quer no plano internacional quer no plano nacional,
se apresenta complexo, difícil e perigoso - mas que,
simultaneamente, abre grandes perspectivas à luta dos
comunistas no mundo e em Portugal.
Hoje
é claro que a situação internacional é
marcada pela instabilidade e incerteza, com uma crise económica
e financeira em desenvolvimento do sistema capitalista que varre o
mundo. Crise que acentua os seus traços fundamentais - de
exploração, opressão, agressão,
militarismo e guerra.
Seria
um erro perigoso subestimar a força e os objectivos do
imperialismo. Mas está condicionado pelas suas próprias
dificuldades e contradições, pela luta e resistência
dos trabalhadores e dos povos que se diversificam nas suas formas e
conteúdos.
A
luta de classes, que alguns afirmaram ultrapassada, agudiza-se com
possibilidade de rápidos e imprevistos desenvolvimentos em que
coexistem grandes perigos para a paz, a liberdade e a soberania dos
povos, com reais possibilidades de desenvolvimento progressista e
mesmo revolucionário.
Não
é tempo de atentismo. Abaladas estão todas as profecias
do fim da História da humanidade, do capitalismo como fase
terminal da organização da sociedade humana. A luta,
particularmente a luta organizada, o papel e o lugar dos partidos
comunistas, em cooperação com as força sociais e
políticas de progresso e anti-imperialistas, estão
colocados como uma necessidade objectiva.
O
triunfalismo do capital durou pouco. O socialismo como alternativa é
hoje uma questão central.
O
antagonismo entre o capital e o trabalho agudizou-se com o brutal
agravamento da exploração e proletarização
da pequena burguesia e camadas intermédias da população.
Acentua-se a contradição entre os avanços
fascinantes da ciência e da técnica, de que o capital se
apoderou, e a tremenda regressão social - expressas no grau
de exploração, desemprego, fome, doença e das
catástrofes ambientais.
A
formidável centralização e concentração
do capital, a formação de gigantescos monopólios,
isolados ou em aliança, dominando ramos inteiros de produção,
os próprios mecanismos de regulação
internacional do capitalismo, reconfigurando um capitalismo
monopolista do Estado de dimensão internacional são
expressão de reais processos de socialização que
mostram a necessidade do socialismo como solução
racional em alternativa à anarquia e concorrência
capitalista.
No
nosso país, o PCP, partindo da sua luta nacional, com os
trabalhadores e o povo português, dará a sua
contribuição para o desenvolvimento da solidariedade
internacionalista, guiado pela necessidade e possibilidade da
construção do socialismo.
No
nosso país, como resultado de 32 anos consecutivos de política
de direita com alternância de executantes, agrava-se a situação
económica e social, acentuam-se as injustiças e as
desigualdades num país mais dependente e menos soberano.
Rompendo
com o conformismo, a desesperança e as chamadas
"inevitabilidades", o PCP puxou pela luta, animado por uma
esperança e uma confiança que não fica à
espera. Demonstrámos que resistir é já vencer.
Derrotámos todos os pronúncios do definhamento e morte,
crescemos e avançámos, mobilizando para a luta que teve
expressões admiráveis nestes últimos anos.
Com
profundas inquietações sobre o actual estado de coisas,
estamos profundamente animados pela ideia de que é possível
um outro rumo na política nacional, que o nosso Partido vai
realizar um grande Congresso cujo lema - Por Abril, pelo
socialismo-um Partido mais forte - sintetiza os nossos
grandes objectivos e razão da nossa própria existência
e do nosso projecto. Por vontade deste grande colectivo partidário,
construído pela vontade e opção de homens,
mulheres e jovens de condição saberes e experiências
diferentes unidos por um ideal de liberdade, democracia e
transformação.
Estamos
felizes, hoje, relembrando, aqui, a consagração mundial
da obra de José Saramago.
Mas
não quero deixar de sublinhar, ainda, que a obra literária
de José Saramago, tivesse ou não tivesse sido o seu
autor galardoado com o Prémio Nobel, constituiria sempre um
dos grandes marcos da literatura mundial.
Não
querendo misturar demagogicamente os universos da política e
da literatura, estou em crer que não é raro que, na
atribuição do Prémio Nobel, essa mistura surja e
que, por vezes, nela sejam evidentes estritos cálculos de
conveniências políticas, pelas piores razões.
Se
tomarmos como referência, por exemplo, o Prémio Nobel da
Economia, é óbvio que se Marx fosse vivo, as
probabilidades de esse prémio lhe ser atribuído seriam,
certamente, baixíssimas, diminutas... e, como temos
constatado, os teorizadores neoliberais da Escola de Chicago têm
sido galardoados em quase todos os anos das últimas décadas
- sendo as sumidades científicas que são e
cujas competências a actual crise do capitalismo deixa
completamente a nu.
É
certo que na Literatura o fenómeno não tem sido tão
flagrante. Mesmo assim, se quisermos contar os escritores comunistas
galardoados, sobram dedos de uma só mão - sendo óbvio
que ser comunista não é por si só condição
suficiente para ser um grande escritor.
Mas
no que respeita a José Saramago, creio que a sua condição
de comunista e a grandeza da sua obra literária não são
facilmente dissociáveis: estou em crer que, sem essa condição,
a massa humana de muitos dos seus livros não se moveria com o
mesmo fulgor e não se sentiria em muitos deles o penoso,
trágico, exaltante, contraditório, luminoso, sombrio,
incessante movimento da história. Sem dúvida, o Nobel
deu projecção planetária ao autor e à
obra.
Mas
se esse prémio foi importante para José Saramago - e
um motivo de alegria e orgulho para todos nós - esta sua
concreta atribuição ao escritor José Saramago
não foi menos importante para os prémios Nobel.
No
discurso de há dez anos, na Academia Sueca, José
Saramago disse: «A voz que leu estas páginas quis ser o
eco das vozes conjuntas das minhas personagens». Poderíamos
acrescentar: «E essas vozes conjuntas são um eco do
povo, dos trabalhadores, dos imperfeitos humanos que constroem a
história».
E
se mais razões não houvesse, esse eco soa com um
renovado prestígio para o Prémio Nobel.
Camarada
José Saramago: cá ficamos à espera do teu
próximo livro - «A Viagem do Elefante» - e dos que
se lhe sucederem - com a certeza de que todos eles serão
contributos e estímulos preciosos para a nossa luta colectiva
de todos os dias.
E
enquanto isso, com todas as nossas forças, com todo o nosso
empenho, com toda a nossa convicção, com toda a nossa
inteligência, com toda a nossa sensibilidade, continuaremos a
lutar - nesta luta que, tendo como objectivos imediatos a resolução
dos gravíssimos problemas que flagelam o nosso País e o
nosso povo, tem sempre no horizonte o objectivo maior da construção
de uma sociedade justa, fraterna, solidária, democrática,
liberta de todas as formas de opressão e de exploração:
a sociedade socialista e comunista.
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