Na
abertura do Encontro Nacional do PCP sobre “Portugal e a União Europeia
nos 20 anos da adesão à CEE” Agostinho Lopes, da Comissão Política do
PCP, sublinhou que «à operação Mercado Comum contra as principais
conquistas de Abril, sob o slogan “Europa Connosco” iniciada pelo PS, o
então Governo PSD/CDS, viu na Adesão à CEE a criação dos instrumentos
políticos necessários para golpearem e se possível liquidarem a Reforma
Agrária, as Nacionalizações, a legislação laboral e outros avanços
económicos e sociais alcançados com o 25 de Abril».
1.Fechamos o ano de 2006 com este Encontro Nacional, Portugal e a União
Europeia, nos 20 anos da adesão à CEE. Procuramos assim encerrar o
ciclo de um ano aberto em 2 de Janeiro, durante a Campanha Eleitoral
para a Presidência da República.
Percorremos o ano com um conjunto de debates, visitas, acções diversas
sobre o tema. Percorremos o País real, as suas realidades regionais,
analisando com aqueles que mais directamente sofreram e sofrem na pele
os efeitos da integração comunitária.
Hoje pretendemos consolidar o património do PCP de análise, proposta,
orientações e caminhos sobre os problemas actuais que Portugal enfrenta
nesta fase da integração europeia.
2.Há cerca de 150 anos Marx e Engels assinalavam no Manifesto Comunista
a dinâmica expansionista e centralizadora do capital através da acção
da sua classe, a Burguesia. De como esse movimento criava o
estado-nação de que o capital e a burguesia necessitavam. Vale a pena
repetir o que então escreveram.
“Cada vez mais a burguesia suprime a dispersão dos meios de produção,
dos haveres e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios
de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência
necessária deste processo foi a centralização política. Províncias
independentes ou precariamente unidas, com interesses, leis, governos,
e direitos alfandegários diversos, foram espartilhadas (ou reunidas)
numa nação, num governo, numa lei, no interesse nacional de uma classe,
num sistema aduaneiro.”
A CEE foi esse movimento do capital na Europa do pós-guerra e no quadro
da resposta e afrontamento com o campo socialista que então se afirmava
com a URSS, no plano económico, social e político. A CEE é essa
expressão da integração capitalista na Europa, e a União Europeia com a
configuração que hoje tem depois dos diversos alargamentos é o seu
actual ponto de chegada.
O objectivo hoje, como ontem é o mesmo, sendo que agora não são as
“províncias” que são reunidas, mas estados-nações que esse movimento do
capital tenta juntar numa supranação, num governo, numa lei, no
interesse supranacional de uma classe, ainda a mesma, a burguesia!
Há cerca de 2 anos alguém, clamava contra “a paranóia
centralizadora da Comissão (Europeia). Mas a questão não é de
“paranóia” é da lógica de bulldozer do movimento do capital, e a
centralização política como “a consequência necessária” conforme diziam
Marx e Engels, da acção da burguesia que o impulsiona!
3.Quando Portugal aderiu à CEE em 1986, entrou no comboio do grande
capital europeu em andamento, e em andamento acelerado. E foi sem
ideias feitas ou preconceitos assumidos, que o PCP, na base de um
trabalho de estudo, que culminou na Conferência Nacional “Portugal e o
Mercado Comum” a 31 de Maio de 1980 definiu a sua posição política: NÃO
AO MERCADO COMUM”.
No contexto da então situação internacional, da crise económica dos 9
países que então constituíam a CEE e muito particularmente das
estruturas económicas e institucionais do País, tudo indiciava graves
consequências como resultado da Adesão.
Consequências que 20 anos depois, em grande parte se confirmaram,
apesar de profundamente alterados os dados de partida e o quadro
internacional em que se processou a integração.
A posição do PCP teve então por referencial, na base da investigação
realizada, a defesa dos interesses do povo português, a Revolução de
Abril e o futuro de Portugal como nação livre e independente.
Referencial que continuou a orientar as posições do PCP durante estes
20 anos. Posições renovadas noutras iniciativas realizadas perante as
alterações qualitativas que se foram verificando na integração
comunitária. Iniciativas que só o PCP e apenas o PCP realizou.
Posição bem diferente do PS e PSD ao CDS-PP, que sem qualquer avaliação
séria e rigorosa, e apenas na base dos seus interesses políticos mais
imediatos, das suas estritas opções de classe, do seu ódio vesgo a
importantes conquistas sociais e económicas de Abril, embrulharam numa
monstruosa campanha de propaganda o seu projecto de atrelar o País aos
interesses das principais potências capitalistas da Europa.
A Adesão à CEE surgiu às forças do grande capital (e do latifúndio)
como a grande oportunidade de recuperarem da profunda derrota que a
Revolução de Abril lhes infligiu. Na esteira das posições e
convergências com o PS, para travar e inverter o caminho revolucionário
aberto pelo 25 de Abril, os Partidos da direita PSD e CDS, então no
Governo, vão fazer com o apoio do PS, da «rápida e completa integração
de Portugal na CEE» «a prioridade das prioridades da política externa
portuguesa» (Janeiro de 1980).
Dando continuidade à operação Mercado Comum contra as principais
conquistas de Abril, sob o slogan «Europa Connosco» iniciada pelo PS, o
então Governo PSD/CDS, viu na Adesão à CEE a criação dos instrumentos
políticos necessários para golpearem e se possível liquidarem a Reforma
Agrária, as Nacionalizações, a legislação laboral e outros avanços
económicos e sociais alcançados com o 25 de Abril.
Mas a Adesão constituía também uma poderosa salvaguarda política para
as camadas e classes sociais derrotadas no 25 de Abril, com a ideia de
que criava um caminho irreversível, a salvo de acidentes de percurso
indesejáveis, sempre presentes e possíveis a partir das conquistas de
Abril e da vontade do povo português no quadro da liberdade e
democracia reconquistadas.
Em 26 de Janeiro de 1980, Ferraz da Costa, Vice-Presidente da CIP, era
claro ao afirmar: «Não foram apenas considerações económicas que nos
levaram a apoiar o processo de adesão à CEE. Os industriais viram essa
opção como uma espécie de seguro contra todos os riscos políticos.» O
grande capital português tinha um objectivo claro, que outros ocultaram
e submergiram em propaganda, para justificarem a sua fervorosa adesão
europeísta aos olhos dos portugueses.
Mas a Adesão contou também com o apoio do grande capital internacional,
das grandes potências europeias e dos EUA, que viam nesse processo um
meio para impedir a consolidação em Portugal de um regime progressista,
uma via independente de desenvolvimento, não alinhado com o
imperialismo. O enquadramento na CEE, facilitava a estratégia
político-militar dos EUA de «estabilização do flanco sul» da NATO.
4.A evolução da CEE/EU nos últimos vinte anos não foi de molde a
favorecer a defesa dos interesses nacionais. E para essa reflexão vale
a pena assinalar a continuidade do processo de integração através dos
sucessivos saltos qualitativos, com a manutenção da sua natureza
profunda de integração capitalista.
De facto há uma continuidade absoluta desde o Tratado de Roma (que
fixava já o objectivo de generalizar a concorrência e o fim dos ditos
monopólios públicos), passando pelo Acto Único (e as três liberdades
fundamentais de circulação, dos homens, das mercadorias e dos
capitais), até Maastricht e à Moeda Única (com a construção de um vasto
mercado liberto de todos os constrangimentos, posto sob a dominação dos
capitais financeiros e as suas exigências de rentabilidade elevadas).
Processo que culmina em Nice e na elaboração de uma dita Constituição
para a Europa. Assim, se procura assegurar no quadro do alargamento um
mecanismo institucional (federal) que garanta o comando político das
grandes potências, “constitucionalize” o neoliberalismo como modelo
económico e a União Europeia como bloco
político-militar.
O desenvolvimento da integração, sem descurar a engenharia política e a
manipulação propagandística, privilegiou a multiplicação dos pequenos
passos e a criação de factos consumados, devendo destacarem-se dois
procedimentos sistemáticos:
- a marginalização dos povos, acabando sempre por os confrontar com
soluções que seriam únicas, sem alternativas, sempre transformadas em
desígnios nacionais. Isto é, fazendo da solução coincidente com os
interesses do grande capital nacional e transnacional, das grandes
potências, a única possível, inelutável e
inevitável!
- a apresentação de cada nova etapa como a saída necessária e
obrigatória para o período de dificuldades que a economia
comunitária atravessava, nova etapa sempre anunciada como fase de
futuros progressos sociais, e em particular de resposta aos problemas
do desemprego!
Poderíamos no plano interno recordar as sucessivas miragens que o PS e
o PSD foram atirando ao povo português, em que a Adesão impôs o Acto
Único que depois exigiu Maastricht e a Moeda Única, que depois impôs o
Pacto de Estabilidade e a Governação monetária do BCE, que depois na
perspectiva do alargamento exigiu Nice e o seu desenvolvimento
“natural” com a elaboração da dita Constituição.
Sendo que neste caminho se iam resolvendo todos os nossos problemas,
desemprego, baixos salários, deficiente estrutura produtiva, o
alargamento dos mercados externos, com mais 300 milhões de consumidores
à nossa espera, e uma imparável convergência com a União Europeia!
5.Portugal tem hoje uma situação difícil, indissociável da integração
comunitária. Não se podendo fazer uma avaliação do que teria acontecido
sem a Adesão, o balanço exige que se tenham em conta dois referenciais.
A evolução relativa/comparada com a de outros Estados-membros da então
CEE (e com outros países fora do processo de integração europeia) mesmo
se esta comparação «absolutizada» é sempre susceptível de leituras
simplistas e mesmo erradas).
Saber se a evolução venceu ou atenuou défices estruturais da sociedade
portuguesa e, em particular, da sua estrutura socio-económica.
Ora, as avaliações são, no essencial, negativas.
O crescimento económico do País não significou sempre «desenvolvimento»
nem foi concretizado com ganhos em sustentabilidade económica e
ambiental. Bem pelo contrário.
E ressalve-se, que esta avaliação, não pode esconder as grandes e
principais responsabilidades da política de direita conduzidas pelos
governos do PS, PSD e CDS-PP ao longo destes 20 anos, inclusive em
matéria europeia.
Mas o balanço pode e deve ter outro cotejo, a partir das tarefas
fundamentais atribuídas ao Estado Português pela Constituição da
República. E, nesse sentido, a integração atropelou e atropela a
independência nacional. Afastou da decisão dos cidadãos questões
essenciais da vida nacional. Tem ajudado a promover as desigualdades
sociais. Tem desvalorizado e enfraquecido a afirmação da língua
portuguesa. E, contrariamente à necessidade de desenvolvimento
harmonioso de todo o território nacional, as políticas comunitárias
deram e dão um grande contributo para as assimetrias regionais.
6. Outros caminhos para a Europa, outro rumo para a União Europeia
exigem rupturas, mobilizações, convergências e lutas como afirmamos na
Proposta de Resolução Política do Encontro.
Exigem a ruptura com qualquer processo constitucional, que tem
intrinsecamente associado uma visão federalista da UE, pondo em causa o
que no tempo histórico que atravessamos ela não poderá deixar de ser:
uma união livre de Estados e povos soberanos e iguais em direitos.
Visão federalista que no quadro assimétrico de estados desiguais em
dimensão, desenvolvimento e poder, só poderia significar, e qualquer
que fosse o modelo federal adoptado (com mais ou menos poder da
Comissão, com mais ou menos câmaras parlamentares), o reforço e a
institucionalização do domínio das grandes potências no comando da UE.
Exigem a ruptura com o neoliberalismo e as suas receitas de
liberalização e privatização, as suas teses do Estado mínimo e da
máxima presença do capital financeiro, entregando a regulação e os
mercados aos grandes grupos monopolistas do capital transnacional. O
neoliberalismo é incompatível com qualquer resposta social, e não seria
a presença na dita Constituição da Carta Social Europeia, que a
tornaria melhor. Sabemos por sabedoria de experiência feita, que os
melhores princípios e objectivos sociais inscritos em textos
constitucionais são letra morta quando as normas que conformam a
estrutura e as dinâmicas económicas fazem da força de trabalho simples
factor de produção com estatuto idêntico ao capital.
Como não é possível estripar as receitas neoliberais e o militarismo da
dita Constituição, deixando ficar o federalismo. Esses 3 eixos vivem
uma inseparável relação simbiótica em que cada um se alimenta dos
outros, numa dinâmica de reforço mútuo.
Chegados a esta União Europeia, conhecidos os projectos que estão em
curso, há que ver com rigor o caminho, as orientações, as respostas dos
comunistas para os enfrentar.
A partir da proposta de Resolução Política que vos é proposta, com a
vossa participação no debate, vamos certamente avançar nas linhas
gerais alternativas para um Portugal com futuro, para outro rumo para a
Europa.
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