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Jerónimo de Sousa em defesa do SNS no Encontro com Comissões de Utentes e profissionais de saúde
Terça, 14 Novembro 2006
Imagem: cartaz campanha-saude-out06No encontro com comissões de utentes e profissionais de saúde, realizado em Coimbra  no âmbito da Campanha Nacional do PCP em defesa do Serviço Nacional de Saúde, Jerónimo de Sousa afirmou que  «bem pode o Ministro da Saúde gritar vivas ao SNS no Congresso do PS, mas o conjunto das medidas já tomadas, as pressões dos vários grupos de interesses e as intervenções públicas encomendadas pelo Ministério, todas no mesmo sentido, procurando ganhar a opinião pública para a tese de que o Estado não está a conseguir resolver os problemas na saúde, fazem prever a preparação de um processo de privatizações em grande escala». O Secretário-geral do PCP, depois de sublinhar a importância da luta  «desenvolvida pelas populações mobilizadas por dezenas de movimentos e associações de utentes como tem vindo a acontecer nos distritos de Aveiro, Coimbra e Viseu», valorizou «o crescimento do número de Comissões de Utentes dos diversos Serviços de Saúde viradas para a resolução de diversos problemas de Saúde no plano local e/ou regional. No entanto, dado o agravamento da crise no Serviço Nacional de Saúde, são ainda claramente insuficientes para a necessária luta a travar».

 

Encontro com Comissões de Utentes e profissionais de saúde
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP


Quero começar por agradecer o terem aceite o nosso convite para participarem neste encontro promovido no âmbito da campanha nacional do PCP em defesa do Serviço Nacional de Saúde, com o lema a “Saúde é um direito, não é um negócio”. A vossa presença e o relato que nos fizeram das situações que mais preocupam as populações dos distritos de Aveiro, Coimbra e Viseu, por força das cada vez maiores dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, bem como a determinação em lutarem pelos vossos direitos, mais do que uma ajuda no aprofundamento do conhecimento da realidade é a confirmação da justeza do lançamento desta campanha.

No passado dia 28 de Outubro, quando do lançamento da campanha, tivemos oportunidade de dizer que «Por mais elaborada que seja a retórica do primeiro-ministro e do Ministro da Saúde, já não lhes é possível esconder o que há muito temos vindo a denunciar: a sua política de saúde está ideologicamente marcada pelo compromisso de destruir o SNS, abrindo assim espaço para que os grupos privados o substituam».

Perante vós, activistas pela defesa do SNS que conheceis bem os malefícios das políticas neoliberais para a saúde, afirmamos que o encerramento de serviços de saúde, nomeadamente de SAP’s, extensões de Centros de Saúde, maternidades e, brevemente, a concretização das conclusões do estudo sobre a reestruturação da rede de urgências, a par do aumento dos custos com a saúde com particular incidência nas taxas ditas «moderadoras», cuja consequência imediata é uma maior dificuldade para a grande maioria dos portugueses no acesso aos cuidados de saúde, particularmente aos cuidados primários, confirmam o caminho de desresponsabilização do Estado nesta importante função social.

Bem pode o Ministro da Saúde gritar vivas ao SNS no Congresso do PS, mas o conjunto das medidas já tomadas, as pressões dos vários grupos de interesses e as intervenções públicas encomendadas pelo Ministério, todas no mesmo sentido, procurando ganhar a opinião pública para a tese de que o Estado não está a conseguir resolver os problemas na saúde, fazem prever a preparação de um processo de privatizações em grande escala, acompanhado de uma cada vez maior facilidade de obtenção de licenciamentos para a actividade privada, como se pode comprovar na quantidade de grandes unidades hospitalares que estão em construção em vários pontos do país.

O que está em causa, no confronto entre os que defendem o SNS e os defensores da tese do primado do privado sobre o público, é se a saúde deve ser entendida como um direito ou uma área de negócio - o mercado da saúde como Salvador de Mello caracterizou recentemente.

Em face das soluções do Ministério da Saúde apresentadas como inevitáveis, quero chamar a atenção para o facto do Governo sistematicamente invocar razões de ordem técnica para justificar a política de encerramentos e desta forma procurar iludir a verdadeira natureza das decisões. É que as decisões não são técnicas mas políticas. Foi assim com a decisão de encerrar maternidades e é também assim com o plano de reestruturação das urgências.

Não estão em causa critérios técnicos credíveis, não podemos concordar com as conclusões de diversos estudos que têm justificado a política do Governo para a saúde. A questão central é saber se quando o governo decide mandar encerrar um serviço, estão ou não criadas as condições para uma alternativa credível, que não deixe os utentes numa situação de insegurança e, por outro lado, se esta política de concentração de serviços, contrária ao princípio de proximidade que presidiu à criação do SNS e que tantos ganhos trouxe em saúde depois do 25 de Abril, não significará ainda mais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde.

Num contexto em que é cada vez mais difícil o acesso à rede de cuidados primários, já por si claramente insuficiente, o encerramento de serviços que são muitas vezes a única opção possível para os utentes do SNS, levará a que muitos deles vejam ainda mais dificultado o acesso aos cuidados de saúde, quer primários, quer hospitalares.

Tomemos como exemplo o estudo que está em discussão pública até final do mês, que aponta para o encerramento de mais de 80 pontos de urgência em todo o país.

Ao contrário da propaganda o que se deve comparar é o que existe com o que se propõe. Existem 73 hospitais com serviço de urgência e 103 Centros de Saúde com atendimento urgente de 24 horas. Com a proposta agora apresentada passam a ser 42 os hospitais de Urgência Polivalente e Médico Cirúrgica e passam a existir 41 urgências básicas em hospitais e centros de saúde, sendo que alguns poderão encerrar entre as 0 e as 8 horas. Num quadro em que a cobertura do País já é deficitária, isto significaria o encerramento de 93 pontos fixos de urgência, isto é, a redução dos actuais 176 pontos de urgência de 24 horas para 83 pontos, dos quais uma parte não funcionaria 24 horas por dia.

Isto significa que, a concretizar-se esta proposta, 1 milhão de pessoas ficaria a mais de 30 minutos de um serviço de urgência, ficando por saber quantas ficarão a mais de 60 minutos de uma urgência polivalente.

Diz o Ministro que alguns problemas podem ser minimizados com outros meios de  socorro, o que não é verdade tendo em conta que o primeiro socorro com suporte avançado de vida não está garantido em vastas regiões do país. Existem apenas 35 Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação localizadas em 16 distritos do Continente, a maior parte dos quais apenas com uma viatura e porque entre a vida e a morte cada minuto conta, estas viaturas, por si só, não constituem alternativa às dezenas de urgências que se propõe encerrar.

Muitos dos problemas com que o SNS se confronta hoje são o resultado de uma errada política de recursos humanos. Para obviar a esta situação é urgente concretizar um programa de formação de profissionais de saúde, nomeadamente em áreas de especialização de Cuidados de Saúde Primários, Obstetrícia e outras, que ponha fim à depauperação em meios humanos que se está a verificar no Serviço Nacional de Saúde e que garanta a sua sustentabilidade no futuro. Sendo conhecida a falta de médicos de família e a próxima aposentação de muitos profissionais, exige-se uma política que estimule os novos médicos à formação nesta especialidade e à sua fixação nos cuidados primários.

Deve promover-se a estabilidade de emprego e das carreiras nos Serviços de Saúde, essenciais à qualidade dos serviços prestados, com o consequente fim dos contratos a termo certo para trabalho permanente e outras formas de precariedade, evitando também deste modo a fuga de profissionais para o sector privado.

A política do Governo de encerrar dezenas de serviços de urgência, determinada por razões economicistas, pela obsessão do défice, pelo cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento e pela necessidade de concentrar recursos humanos, é indissociável do rápido desenvolvimento do mercado de saúde como resultado de um compromisso com os grupos privados, levará a que os elevados custos para as famílias que já pagam mais de 30% dos custos totais com a saúde se tornem incomportáveis, não apenas pelo aumento das actuais taxas ditas «moderadoras» e pela criação de novas taxas, mas sobretudo porque na matriz ideológica desta política está subjacente a tese de que para terem melhores serviços de saúde, os portugueses terão de pagar cada vez mais. Convergem para este objectivo a divulgação pública dos custos de funcionamento dos Hospitais EPE divulgados recentemente pelo Tribunal de Contas e as declarações, certamente encomendadas, do presidente da Associação dos Administradores Hospitalares que afirmou ser necessário optar entre o encerramento de serviços e os portugueses pagarem mais. 

O PCP previu e preveniu atempadamente que a insistência em políticas de desresponsabilização do Estado e a adopção do princípio do utilizador/pagador, para além de criarem maiores dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, levariam obrigatoriamente a uma crescente e preocupante redução dos níveis de qualidade nos serviços prestados.

A confirmar as nossas preocupações estão as declarações de Carmen Pignatelli, Secretária de Estado Adjunta e da Saúde ao DN do passado dia 1 de Novembro, que dizia «há hospitais que celebram contratos de trabalho de médicos que se resumem a meia folha A4. Não há informação sobre o corpo clínico da empresa, do registo de cada médico na Ordem, nem a garantia de que ele é especialista em oftalmologia, se for o caso de ser contratado para oftalmologia» considerando ainda que «uma das coisas que me deixa perplexa é como é que se garante a qualidade dos serviços nestas condições».

Também na área do medicamento os portugueses têm vindo a ser penalizados com custos cada vez mais elevados, quer para o Estado quer para os utentes, como se pode verificar no facto de que em 2004 as despesas com medicamentos atingiram mais de 23% das despesas de saúde. No Orçamento de Estado para 2007, o Governo afirma que o balanço entre a baixa de 6% nos medicamentos e a diminuição das comparticipações mais o aumento das taxas moderadoras, traz uma vantagem de 120 milhões de euros para aos utentes. Mesmo que assim seja, o que é duvidoso, nos anos seguintes não teremos certamente diminuições de 6% e no entanto as taxas moderadoras continuarão a aumentar e não se recuará na política de descomparticipação. Mas o que o Governo não diz é que o Estado e os portugueses em 2005 pagaram a mais cerca de 203 milhões de euros em medicamentos vendidos nas farmácias, pelo facto de os 100 medicamentos mais vendidos que representam 33% do mercado nacional de medicamentos, custarem em média mais 18% do que a legislação permite.

O quadro está muito claro. De um lado estão os que defendem uma Reforma Democrática do SNS, como garante do acesso em equidade aos cuidados de saúde por parte de todos os portugueses, do outro os que o querem pura e simplesmente destruir para que desta forma o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde fiquem dependentes das regras do mercado, ou seja quem quer saúde paga. Pela nossa parte defendemos um Serviço Público que garanta o princípio da equidade de acesso, o que passa pela gratuitidade da prestação de cuidados de saúde, eliminando as taxas moderadoras ou de utilização que, como está confirmado, não moderam nada e acrescentam muito pouco às receitas.

O descontentamento acumulado na sociedade em relação aos cuidados de saúde que são prestados, o evidente estado de desmoralização que caracteriza a atitude de muitos profissionais e o enorme volume de verbas que movimenta coloca às populações, principais prejudicadas pela política de direita na Saúde, a necessidade de serem cada vez mais interventoras em defesa do SNS.

Na defesa do direito à saúde tem assumido particular importância a luta  desenvolvida pelas populações mobilizadas por dezenas de movimentos e associações de utentes como tem vindo a acontecer nos distritos de Aveiro, Coimbra e Viseu. A prova da importância que tem hoje a luta das populações contra as políticas neoliberais na saúde está na resposta agressiva do discurso de membros do Governo e outros dirigentes do PS, acusando aquelas de servirem estratégias partidárias, leia-se do PCP. Apoiar as populações na defesa dos seus legítimos interesses não é manipular. Manipular é vender «gato por lebre» nas companhas eleitorais e assumir compromissos que se sabe à partida não quererem assumir.
Pelo movimento de protesto, de opinião, reivindicativo e de luta a que dão forma, pelas possibilidades que têm, por informais, poderem envolver amplas massas, as Comissões de Utentes são no momento presente o mais seguro instrumento da luta popular em defesa do Serviço Nacional de Saúde de qualidade. Por isso realçamos as lutas das populações que, afectadas pelas actuais políticas, promoveram abaixo-assinados (com centenas de milhar de aderentes a nível nacional), manifestações, concentrações e outras iniciativas. Valorizamos o crescimento do número de Comissões de Utentes dos diversos Serviços de Saúde viradas para a resolução de diversos problemas de Saúde no plano local e/ou regional. No entanto, dado o agravamento da crise no Serviço Nacional de Saúde, são ainda claramente insuficientes para a necessária luta a travar.

É direito natural de um povo ter acesso a um Serviço de Saúde moderno, eficaz e eficiente, que aumente a sua esperança de vida e promova o bem-estar e a qualidade de vida. A Constituição da República consagra esse direito à protecção da Saúde e define o SNS como instrumento fundamental da sua concretização e afirma que este deve ter uma gestão descentralizada e participada. É assim que a luta das populações pelo acesso a Serviços de Saúde de qualidade é não só necessária como legítima. Pela nossa parte reafirmamos que o PCP e os seus militantes estarão sempre onde estiverem em causa direitos fundamentais, como neste caso o direito à saúde e que as populações podem sempre contar connosco na defesa desses direitos.

Agradecemos uma vez mais a vossa presença e importante contributo que dão.