Partido Comunista Portugu�s
  • Narrow screen resolution
  • Wide screen resolution
  • Auto width resolution
  • Increase font size
  • Decrease font size
  • Default font size
  • default color
  • red color
  • green color
�
�

Sobre a degradação do regime democrático - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Quinta, 05 Julho 2007
bernardino-soares2.jpgO PCP fez uma declaração política, na Assembleia da República, sobre a degradação do regime democrático. Na sua intervenção, Bernardino Soares referiu-se à «comprovada ingerência do PS na nomeação de dirigentes de serviços públicos» e alertou para a deterioração do quadro dos direitos, liberdades e garantias, «com as novas regras da administração pública a discricionariedade partidarizada nas nomeações e nas promoções será total». O deputado garantiu que o PCP denunciará «esta deriva autoritária com a mesma veemência com que denunciamos a política do Governo».

Declaração política condenando o comportamento dos Deputados socialistas na Comissão Parlamentar de Saúde, que recusaram duas audições do Ministro Correia de Campos, e tecendo acusações ao Governo de intolerância democrática

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Enquanto as cúpulas do PS e do Governo executam as políticas de direita e do neoliberalismo e se predispõem a ser o instrumento dos interesses dos grandes grupos económicos nacionais e multinacionais, assistimos no nível mais terreno a uma verdadeira atitude de assalto do aparelho de Estado e à tentativa da sua subordinação aos critérios partidários.

Para os que já não se lembram, este Governo iniciou o seu mandato desencadeando um processo negocial com os vários partidos com vista ao estabelecimento de regras que limitassem as nomeações na Administração Pública em favor dos processos de concurso.

Só que, quando se chegou ao final do processo, ficaram de fora do regime de concursos mais de 50% dos cargos da Administração Pública, passando a regra anunciada a ser a excepção concretizada.

Mesmo assim, afirmava no debate da referida proposta de lei o Ministro dos Assuntos Parlamentares - vejam bem!: «De facto, o que até hoje vigorava, na prática, era a lógica da pura

nomeação política: livre nomeação e exoneração, pelos membros do Governo, dos dirigentes máximos, independentemente do lugar ocupado e da natureza do serviço; e, depois, nomeação política em cascata, pela hierarquia abaixo, visto que os dirigentes intermédios eram, na prática, livremente escolhidos pelos dirigentes máximos, por sua vez livremente escolhidos pelos membros do Governo. Esta lógica de comissariados político-partidários na estrutura dirigente da Administração Pública acaba hoje!»

«Hoje», era há dois anos atrás, dizia o Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Só que, nessa altura, já tínhamos percebido todos que o discurso não batia certo nem com a lei nem com a prática.

De resto, uma das propostas essenciais feitas pelo PCP nessa negociação era a de que os cargos intermédios na saúde fossem escolhidos por concurso. Dizia o meu camarada Jorge Machado nesse debate: «Na área da saúde, pode compreender-se a necessidade de haver nomeações para as ARS, mas já nada justifica as nomeações para directores dos hospitais, dos centros de saúde e das respectivas extensões. Tal só se pode explicar com a necessidade de saciar o aparelho partidário do PS.»

A realidade veio, obviamente, dar-nos razão.

Ontem, na Comissão de Saúde, o PS confirmou que, de facto, assim é. Foram «chumbadas» as propostas do PCP e de outros partidos no sentido de ouvir o Sr. Ministro da Saúde a propósito de factos da maior gravidade.

O PS impediu a vinda do Ministro da Saúde por duas razões. Em primeiro lugar, para tentar livrá-lo de ter de justificar o que não tem qualquer justificação. Disso garantimos que não se livrará e que há-de ser confrontado com a questão mais tarde ou mais cedo. Mas o PS «chumbou» também as propostas da oposição, porque o Grupo Parlamentar que suporta o Governo cada vez suporta menos o Sr. Ministro da Saúde e não quer defendê-lo em público.

Mas, sobre o caso concreto, vejamos os factos.

Um médico do Centro de Saúde de Vieira do Minho, tratado de forma chocarreira pelo Sr. Deputado Ricardo Gonçalves como «o doutor da CDU», afixou uma cópia das famosas declarações do Ministro da Saúde, em que o Ministro dizia que nunca iria a um SAP, acrescentando alguns comentários da sua lavra.

O facto motivou o aviso a um militante do PS que entrou no centro de saúde de máquina fotográfica em punho, registando a imagem e inscrevendo queixa no livro de reclamações. Os materiais foram retirados, tendo o médico em causa assumido a responsabilidade pela sua afixação. Tudo isto aconteceu há cerca de um ano.

Entretanto, em Janeiro deste ano, a directora do centro de saúde foi demitida e substituída por um médico vereador do PS numa câmara municipal, sendo justificada esta demissão no despacho por não ter tomado medidas em relação a um cartaz jocoso sobre o Ministro da Saúde.

Eram as declarações do próprio, como já sabemos.

Mas, então, se esta é a razão, porque não foi instaurado um processo disciplinar ao autor da afixação? E por que é que, só mais de seis meses depois, é que surgiu a decisão?

A resposta é simples: a questão do cartaz - evidentemente, irrelevante - foi um mero pretexto para satisfazer as orientações impostas pelo aparelho do Partido Socialista.

Aliás, o Deputado Ricardo Gonçalves, com a sua sinceridade habitual, veio dizer aquilo que o Ministro da Saúde nunca tinha dito. E disse: «O Ministro da Saúde esteve de visita ao centro de saúde local e considerou estranho e demonstrador da vontade de acompanhar a política do Governo o facto de a então directora não ter usado da palavra, podendo fazê-lo.»

Vejam bem que grave violação dos deveres de lealdade!

Ou, então, que a directora dava mostras de não participar activamente na política para o sector.

Portanto, estas são as razões que motivavam a questão do Partido Socialista e que motivaram a decisão do Ministro da Saúde.

Há, depois, o caso da nomeação para o Centro de Saúde de Braga de uma directora que tinha uma avaliação nas estruturas do Ministério da Saúde, em relação a funções semelhantes, com conclusões bastante negativas; ou a estranha demora, na conclusão, até a ameaçar prescrição, de inquéritos a outros dirigentes no tempo do anterior governo do PS; ou a nomeação de uma pessoa, no mesmo centro de saúde, para um lugar de chefe de repartição que tinha sido, pouco antes, recusado a uma outra pessoa com fundamento em impossibilidade legal.

Isto, para o Deputado do PS já referido, são informações erradas prestadas ao PCP por um - e cito - «bufo da secretaria do centro de saúde». Não sabemos ao que se refere, mas já percebemos que «bufos» bons para o PS são os da DREN e que, quanto aos restantes, o melhor é seguirem a máxima da Secretária de Estado da Saúde: falar mal do Governo só em casa, e já agora - acrescento eu - se não houver visitas, não vá o Governo mesmo assim saber.

Escusam de vir com o argumento de que estamos a julgar pessoas. Não nos interessa avaliar pessoas. Isso é o que faz, aliás, o PS, avaliando e dando palpites sobre as competências dos funcionários públicos. E nem vale a pena dizer que também há gente competente, nomeada em lugares da Administração Pública, porque é evidente que assim é e essa não é a questão. Trata-se de denunciar processos e métodos antidemocráticos. A questão é a da comprovada ingerência do PS na nomeação de dirigentes de serviços públicos.

Ontem, comprovámos que quem, de facto, dirige a Sub-Região de Saúde de Braga é o PS e o Deputado Ricardo Gonçalves.

O Deputado em causa fez amplos comentários sobre assuntos internos de vários serviços de saúde do distrito e anunciou, até, uma futura nomeação para uma unidade local de saúde que ainda há-de ser criada.

Segundo um outro Deputado do PS na comissão, «ganhámos as eleições para nomear pessoas».

E está tudo dito: a Administração Pública é o «quintal» do Partido Socialista, de tal forma que a mais forte das justificações que ontem ensaiaram foi a de que o PSD e o CDS também tinham feito o mesmo, o que é verdade mas diz bem da filosofia do PS e, em geral, deste bloco central aditivado em relação à partidarização do Estado.

Está em curso uma deriva autoritária e antidemocrática. E isso vê-se em muitos aspectos. Vê-se na questão da sub-região de saúde de Castelo Branco, em que uma directora se permite abrir a correspondência dirigida aos funcionários! Vê-se na forma como a Ministra da Educação responde ao Tribunal Constitucional, que, perante uma declaração de inconstitucionalidade de uma sua medida, afirma que faria tudo outra vez! Vê-se na forma como o Ministro da Agricultura responde aos pescadores, com a resposta que, ainda há pouco, aqui foi citada! Vê-se na forma como a GNR é mandada às uniões sindicais, nas vésperas das greves, e às autarquias, a perguntar quantos são e quem são os trabalhadores que vão fazer greve no dia a seguir!

Vê-se na forma como o Governo Civil de Braga denunciou um conjunto de algumas dezenas de manifestantes que protestavam perante a presença do Primeiro-Ministro, que, como não conseguiu identificar ninguém, viu uns dirigentes sindicais e pô-los no processo para ver se condicionava a sua acção.

Pois daqui dizemos, como disse impropriamente um membro do Governo num dos últimos debates: «Não passarão!» Contarão com o nosso combate, tão forte contra as políticas de direita que estão a seguir como contra esta deriva que é inaceitável e não digna de um partido que se afirma no interior do sistema democrático e que devia zelar pelo bom funcionamento desse sistema democrático.