Partido Comunista Portugu�s
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Sessão Solene Comemorativa do 30.º Aniversário do 25 de Abril - Intervenção de Bernardino Soares
Domingo, 25 Abril 2004

Senhor Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Senhor Primeiro-Ministro, Senhoras e Senhores Deputados Senhor Presidente da República Democrática de Timor Senhores Presidentes dos Parlamentos dos Países de Língua Portuguesa Senhoras e Senhores Convidados,

Escreveu o cronista: “as gentes que isto ouviram saíam à rua a ver que coisa era; e, começando a falar uns com os outros, alvoroçavam-se as vontades e começavam a tomar armas cada um como melhor e mais depressa podia. (…) Soaram as vozes do ruído pela cidade, ouvindo todos bradar que matavam o Mestre… e se moveram todos com mão armada, correndo à pressa para onde diziam que isto se fazia, para lhe darem vida e escusar a morte. (…) A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era estranha coisa de ver. Não cabiam pelas ruas principais e atravessavam lugares escusos, desejando cada um ser o primeiro.” O cronista era Fernão Lopes na sua Crónica de D. João I, descrevendo o povo de Lisboa na Revolução de 1383/85. 590 anos depois o Poeta Ary dos Santos relatava também uma outra Revolução. E dizia: “E em Lisboa capital dos novos mestres de Aviz o povo de Portugal deu o poder a quem quis”. As Revoluções fazem-se porque as quer o povo. 30 anos depois de Abril há quem queira esconder isto mesmo. Que Abril foi uma Revolução. Fê-la o povo que apoiou os Capitães de Abril, que mais não eram do que o povo em armas, no próprio dia 25. Fê-la o povo nos meses que se seguiram, conquistando a liberdade, a democracia, e o direito a uma vida melhor. Falar de “evolução” a propósito do 25 de Abril é por isso querer esconder o carácter revolucionário da nossa conquista da liberdade. Não porque não tenha havido evolução nos últimos trinta anos; certamente que houve. Mas porque esta “teoria evolucionista” pretende esconder que as importantes alterações em sentido positivo que tivemos no nosso país nas últimas três décadas, têm a sua origem e a sua raiz no 25 de Abril, que lhes abriu caminho. E porque a “evolução” apregoada, que faz lembrar uma outra “evolução na continuidade” que não era mais do que uma continuidade sem evolução, pretende igualmente esconder que a Revolução foi uma ruptura contra alguma coisa: contra o fascismo. O ‘R’ que falta em Revolução tem sobrado na reescrita da história do 25 de Abril. É preciso falar verdade sobre a Revolução de Abril. É preciso dizer que a Revolução de Abril se fez contra um regime fascista que praticava a tortura, a prisão política, a censura e impunha a guerra colonial. Que o fascismo foi o Tarrafal, o lápis azul, as cargas policiais, a PIDE e também a fome, a pobreza, o analfabetismo. É preciso lembrar que muitos lutaram contra a tirania, comunistas e tantos outros democratas. Que morreram, sofreram e pagaram o preço de sonhar com a liberdade roubada pela ditadura de Salazar e Caetano. E que Abril se fez também pelo caminho que todos eles foram abrindo. É preciso dizer que a Revolução de Abril se fez para conquistar a liberdade e a democracia política, mas que se fez também, porque o povo assim quis, para romper com as injustas relações económicas e sociais que vigoravam na sociedade portuguesa. Que trouxe consigo os direitos políticos, mas também os de cidadania, os laborais e os culturais. Que se fez contra o fascismo mas também contra as forças que o sustentavam. Foi a Revolução de Abril que trouxe ao povo português o salário mínimo e as pensões e reformas, o subsídio de desemprego e o 13º mês, as férias de trinta dias e os direitos de maternidade, o acesso universal à saúde, ao ensino e à segurança social e uma mais justa repartição da riqueza. Foi a Revolução de Abril e a vontade do povo, que pôs fim ao colonialismo e à guerra colonial e reconheceu o inalienável direito à independência dos povos colonizados, cujos representantes hoje aqui presentes saudamos. Foi a Revolução de Abril que pôs fim ao domínio da economia pelos monopólios do fascismo, ao condicionamento industrial, e abriu caminho à dinamização económica e a um desenvolvimento ao serviço do bem colectivo. Foi a Revolução de Abril que impôs a igualdade entre homens e mulheres. Foi a Revolução de Abril que abriu um período de intensa participação popular na vida do país, que foi sem dúvida o momento da nossa história em que a democracia participativa foi mais profundamente exercida. Foi a Revolução de Abril que com a Reforma Agrária fez cultivar terras incultas deu trabalho nos campos e aumentou a produção agrícola. Por tudo isto Abril foi uma Revolução. Uma Revolução que representou, para muitos povos do mundo, para muitas forças que lutavam pela democracia e pela liberdade, um importante acontecimento e um novo alento para os seus próprios combates. Uma Revolução singular, em que sem derramamento de sangue se fez o derrubamento do fascismo; em que da instituição militar saiu o impulso que o povo esperava. Enfrentamos hoje um tempo de fortes retrocessos sociais. A política em vigor ataca as conquistas e os valores de Abril, como o fizeram outras antes dela. É a política do desemprego, do trabalho sem direitos, dos baixos salários e do aumento da exploração. É a politica da crescente desigualdade na distribuição da riqueza, do aumento da pobreza e da exclusão, 30 anos depois de uma Revolução que se fez também para pôr fim aos privilégios da clique fascista dominante. É a política da guerra, que envolve o país num novo colonialismo, 30 anos depois de uma Revolução que se fez contra uma guerra colonial. É a política da destruição de direitos sociais, da elitização do acesso ao ensino, da mercantilização da saúde, da privatização da segurança social, 30 anos depois de se ter conquistado o acesso universal a todos estes direitos. É a política do atraso económico, da destruição do aparelho produtivo, da subcontratação da economia e da perda de importantes centros de decisão nacionais. É a política de mutilação da soberania nacional, com a vergonhosa submissão da nossa Constituição ao direito europeu, ainda há dois dias aprovada em revisão constitucional nesta Assembleia, aceitando a imposição de uma dita “Constituição europeia” e o seu previsível conteúdo – o federalismo, o neo-liberalismo o militarismo. É a política do revanchismo contra Abril e os seus valores, da deturpação da história, do regresso ao passado, do comprometimento do futuro. A política contrária a Abril, que atacou e pretende destruir tantas conquistas populares, não deixou de provocar também em muitos portugueses um desencanto com a democracia e com a participação política. Para isso contribuem as promessas não cumpridas, a demagogia eleitoral, o sucessivo adiamento da resolução dos principais problemas das populações e do país. Para isso contribuem as alternâncias de governos sem políticas alternativas. Para isso contribui um poder político cada vez mais submetido aos interesses do poder económico. Por isso também é preciso retomar esse espírito de intervenção e de luta que Abril nos ensinou que vale a pena e fazer da participação uma arma para reformar a democracia. Em Abril este povo quis que houvesse Revolução e fê-la na rua, nas fábricas e nos campos e nas escolas. E este povo, que foi capaz de derrubar o fascismo, será também capaz de inverter o caminho do retrocesso democrático e social e conquistar um novo rumo para Portugal. Abril continua a ser esperança para os portugueses. É preciso lembrá-lo. É preciso retomá-lo. Como disse Ary: “Agora que já floriu A esperança na nossa terra As portas que Abril abriu Nunca mais ninguém as cerra.”