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Situação social, desemprego e pobreza - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Quarta, 04 Fevereiro 2009

pobreza.jpgA profunda crise internacional em curso tem sido alvo das mais extraordinárias tentativas de explicação por aqueles que são responsáveis por ela. Mas a realidade é clara. Trata-se de uma crise de sobreprodução do capitalismo, na sua versão neoliberal, com todo o seu cortejo de miséria, exploração e desigualdades.

 

 

Interpelação ao Governo n.º 25/X sobre a situação social, desemprego e pobreza

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A profunda crise internacional em curso tem sido alvo das mais extraordinárias tentativas de explicação, por aqueles que são responsáveis por ela.

Mas a realidade é clara: trata-se de uma crise de sobreprodução do capitalismo, na sua versão neoliberal, com todo o seu cortejo de miséria, exploração e desigualdades.

Podem agora culpar os excessos de ganância de alguns, a falta de regulação do sector financeiro, o crédito fácil, procurando, assim, manter o essencial do sistema, mas a verdade nua e crua poderá resumir-se adaptando uma famosa frase: «é o capitalismo, estúpido!»

Cá entre nós assistimos aos pungentes discursos do Primeiro-Ministro a renegar o neoliberalismo (e também o socialismo, não vá o povo ter ideias), dizendo que esse modelo não é o seu.

Quem foi, então, que privatizou serviços públicos e empresas públicas em maior número do que o Governo da direita? Quem foi que reviu para pior o Código do Trabalho, que tinha prometido rever para melhor?

Foi o Governo PS!

Mas, ainda assim, se o Governo estivesse mesmo empenhado em renegar o neoliberalismo, descontada a hipocrisia política, ainda o povo podia ter alguma esperança.

O pior é que o Governo renega o neoliberalismo nas palavras mas propõe-se continuá-lo nos actos: aí estão mais privatizações, o Código do Trabalho, a destruição dos serviços públicos e a promessa de retomar o espartilho da obsessão do défice. É mais do mesmo!

O Governo promete para o futuro a mesma política que praticou no passado e que pratica no presente.

Claro que, agora, o Governo tenta esconder-se atrás da crise internacional, que é real e afecta, de facto, o nosso País. Mas, depois de ter andado a dizer que a crise não existia, ou que não iria afectar Portugal, de repente, tudo passou a ser culpa da crise. A verdade é que a crise nacional já existia antes da crise internacional.

O PS e o Governo têm de ser responsabilizados por isso!

No mandato do Governo PS, todos os principais indicadores económicos e sociais pioraram - e isto mesmo antes do «rebentar» da crise.

O crescimento do PIB, entre 2005 e 2008, foi de apenas metade do dos países da zona euro. O investimento público recuou fortemente nos últimos quatro anos: cerca de 15%, em termos nominais. A dívida pública aumentou 25 000 milhões de euros desde 2004, ultrapassando já 65% do PIB (antes do impacto das medidas recentes), enquanto o endividamento externo líquido do País aumentou mais de 30 pontos percentuais, devendo estar a atingir 100% do PIB, o que faz de Portugal um dos países mais endividados do mundo. Até ao final do terceiro trimestre de 2008, só tinham sido criados, em Portugal, pouco mais de 32 000 postos de trabalho, apesar de o Governo incluir, descaradamente, nas suas estatísticas, outros 70 000, que correspondem a portugueses que trabalham no estrangeiro, designadamente em Espanha. Aumentou drasticamente a precariedade, com um quarto dos trabalhadores contratados a prazo, para além do tempo parcial, do trabalho temporário, dos falsos recibos verdes, entre outras formas.

O endividamento das famílias e das empresas aumentou, desde 2005, respectivamente, de 78% para 91% e de 91% para 107% do PIB. Enquanto quase 2 milhões de portugueses vivem com um rendimento inferior a 366 euros/mês, especialmente idosos e desempregados, os cinco maiores grupos financeiros aumentaram os seus lucros, entre 2004 e 2007, em 75% e os lucros, antes de impostos, do sector bancário aumentaram, nos últimos três anos, 160%.

Nada disto se justifica com a crise internacional!

Este Governo é, por isso, o principal responsável pela situação que o País vive. A sua obsessão pelo défice, à custa de cortes cegos na despesa pública, destruiu a economia e degradou os rendimentos dos portugueses.

E agora nem défice controlado, nem resposta à crise!

A crise nacional está a atingir fortemente os portugueses. São os encerramentos de empresas, o lay-off, os salários em atraso, a destruição de direitos, a pobreza e o enorme flagelo do desemprego.

Com a destruição do tecido económico, teremos pela frente uma taxa efectiva de desemprego de 11%, mais de 600 000 desempregados.

E o Governo é, em boa parte, responsável por estes números, de forma directa e indirecta. O escândalo é total, quando é o próprio Governo que decide, perante o aumento do desemprego para níveis inéditos desde há 30 anos, alterar as regras do subsídio de desemprego, excluindo dele centenas de milhares de trabalhadores, mais de metade do desemprego efectivo. Entretanto, entre o Orçamento de 2007 e o de 2009, o Governo poupou 400 milhões de euros na verba para esta prestação.

O PS rejeitou, há poucos dias, um projecto do PCP, de alteração das regras deste subsídio. O Governo continua a não ter resposta credível nesta matéria.

As medidas que apresentou na segunda-feira, tirando os novos gabinetes que daqui a uns meses começarão a funcionar, repetem, descaradamente, com um novo grafismo e um recauchutado ar de novidade, aquilo que o Governo já tinha anunciado há dois meses atrás e teimam em não intervir no problema fundamental das regras do subsídio de desemprego.

O subsídio de desemprego é bem o exemplo de que o Governo não tem respostas para esta crise.  

O Governo não tem resposta para os reformados, que continuam com pensões de miséria, cujas actualizações são indexadas ao crescimento do PIB que não existe; não tem respostas de fundo para as pequenas e médias empresas, que continuam a ser massacradas pelos custos da energia e pelo oportunismo da banca, que absorve o fundamental das linhas de crédito; não tem resposta para as famílias, com salários cada vez mais degradados e que tardam em ver chegar ao seu bolso a repetidamente anunciada baixa das taxas de juro, que continua, no fundamental, a ser embolsada pela banca; não tem resposta para a crescente dependência financeira, comercial, energética e alimentar do nosso País.

O Governo não tem resposta para os portugueses: nem para os que estão no desemprego ou na reforma, nem para os que têm emprego e que vão sofrer ou sofrem já as tentativas de compressão dos seus direitos laborais e de precariedade.

Estamos a assistir a um conjunto de despedimentos, lay-off e outras medidas restritivas dos direitos e dos salários, que não podem justificar-se com a crise.

Como a CGTP já denunciou, há muito quem esteja a aproveitar a interiorização da crise para tomar inaceitáveis medidas contra os trabalhadores, perante a passividade do Governo e a falta de meios a que o Ministro do Trabalho condenou a inspecção laboral.

Só para a banca, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que o Governo tem resposta: entre o 3.º trimestre de 2007 e o 3.º trimestre de 2008, já em plena crise económica internacional, os lucros dos cinco principais grupos financeiros nacionais atingiram os 1400 milhões de euros (para além dos 2100 milhões dos principais grupos económicos dos sectores da energia e telecomunicações).

Apesar disto, para a banca não tem faltado o dinheiro, entregue sem contrapartidas e garantias para o Estado, para a economia e para as famílias.

Quando, no mundo, se começa a falar na solução do bad bank, o que vemos é que é nisso que o Governo PS está a transformar a Caixa-Geral de Depósitos.

É que já lá vão 1800 milhões de euros enterrados no BPN - três vezes e meia mais do que o Governo anuncia gastar no já referido programa de apoio ao emprego.

O Governo não tem, de facto, respostas para a crise, o Governo não dá resposta à situação de crise dos portugueses.

Mas o PCP tem respostas para a crise!

Depois das sete medidas apresentadas em Junho, avançamos agora com um conjunto de propostas essenciais para enfrentar a situação actual.

O aumento dos salários, das pensões e das prestações sociais; a revisão das normas mais gravosas do Código do Trabalho e da legislação da Administração Pública; a fiscalização rigorosa das violações e limitações dos direitos dos trabalhadores; o combate à precariedade, através de um plano nacional; a reposição dos níveis de capitalização da segurança social; o congelamento dos preços da energia, das telecomunicações e das portagens; a fixação de limites às margens e taxas da banca, facilitando-se o acesso ao crédito, designadamente para as pequenas e médias empresas; o aumento do investimento público, em particular através das autarquias, antecipando as verbas do QREN; a defesa da produção nacional; a eliminação do pagamento especial por conta e uma maior extensão na aplicação do IVA de caixa, como o PCP propôs já há dois anos; o pagamento imediato das dívidas do Estado às pequenas empresas; e o cancelamento das privatizações previstas. Estas são algumas das medidas que avançamos.

A solução para os problemas do País não está no «continuismo» de direita da política deste Governo, está na ruptura com esta política, cada vez mais urgente, se quisermos enfrentar a crise nacional e internacional.

Este Governo tem demonstrado que não sabe e não quer fazer a política necessária para o País, mas os portugueses sabem e hoje, mais uma vez, se demonstrará que podem contar com o PCP para travar a batalha do desenvolvimento e da justiça social.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social,

O senhor quis provar nesta sua intervenção que o Governo tinha defendido o emprego ao longo da Legislatura.

Mas quando sabemos como o Governo tratou as pequenas e médias empresas; como se subordinou aos interesses de grandes multinacionais dando apoios sem pedir contrapartidas e garantias; como desestabilizou o tecido económico nacional, com as consequências que actualmente estão à vista, percebemos que este Governo também é, pela sua política económica, responsável pela situação de desemprego que estamos a viver para além do que vem da crise internacional.

Agora percebemos também que o Sr. Ministro «foge como o diabo da cruz» - se me permite a expressão - de falar do subsídio de desemprego.

Porque, Sr. Ministro, é verdade que é preciso defender o emprego e ter políticas activas de emprego, como o Sr. Ministro as denomina, mesmo que sejam as que já anunciou há dois meses atrás com um novo grafismo e recauchutadas..., mesmo que sejam as mesmas, e veremos qual é o seu efeito! I

Mas por que é que o Sr. Ministro não quer falar do subsídio de desemprego? Por que é que o Sr. Ministro afirma que o desemprego é um problema fundamental do nosso País, com um crescimento acelerado em 2009, e interveio mais de 10 minutos sem dizer uma palavra sobre o subsídio de desemprego?

É ou não verdade que melhorar o subsídio de desemprego não tem nenhuma contradição com ter políticas activas de emprego? É ou não verdade que foram o seu Governo e o Sr. Ministro que alteraram as regras do subsídio de desemprego «deitando borda fora» centenas de milhares de desempregados, sendo que hoje metade dos desempregados efectivos não tem subsídio de desemprego por causa das regras que o Governo impôs?

Então e o Governo não admite sequer uma alteração naqueles mecanismos que mais excluem o subsídio de desemprego para muitos trabalhadores?

Fala o Governo do subsídio social de desemprego e nunca do subsídio de desemprego, esquecendo-se de dizer que o que propõe é um alargamento por seis meses, só em 2009, e nem sequer pela totalidade do montante do subsídio: só 60% do indexante de apoios sociais!

Isso o Sr. Ministro esquece-se sempre de dizer!

O que o Governo propõe é um prolongamento de 250€/mês!

O que é intocável, aquilo em que o Sr. Ministro não quer mexer é no subsídio de desemprego, coisa que hoje os desempregados, os trabalhadores portugueses, bem precisavam de ter como uma garantia para a sua vida e para a situação de desemprego que eventualmente enfrentem.