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No funeral de Sérgio Vilarigues, coube a Jerónimo de
Sousa «manifestar o nosso testemunho de homenagem ao camarada Sérgio
Vilarigues», sublinhando «no momento em que parte que, nos nossos corações e na
nossa mente, está ancorada e a pulsar aquela força, aquela militância combativa
e generosa, aquela confiança inquebrantável para prosseguir tanto o sonho como
o projecto de transformação da sociedade e de luta por uma vida melhor para os
trabalhadores e para o povo português sempre tendo no horizonte o socialismo e
o comunismo».
Nota do Secretariado do Comité Central do PCP
Quisemos
manifestar o nosso testemunho de homenagem ao camarada Sérgio Vilarigues neste
momento de perda e de partida. À família, ao filho e netos damos o nosso abraço
solidário e as sentidas condolências.
Não
é fácil, não é nada fácil numa intervenção expressar a grandeza e a riqueza de
vida e do papel de um revolucionário, de um comunista, da pessoa concreta que
aderiu à Federação das Juventudes Comunistas aos 18 anos, ao PCP com 20 anos,
preso logo aí e a passar pelas agruras em Peniche, em Angra do Heroísmo e no
Campo de Concentração do Tarrafal.
Não
é fácil resumir numas palavras a sua personalidade fascinante, tão forte e exigente
quanto compreensiva e fraternal, a sua ironia acutilante que nos desarmava e
obrigava à reflexão, a forma como assumiu elevadas responsabilidades no
Partido, nos seus organismos executivos, na reorganização do Partido em
1940-41, na responsabilidade pela Organização Regional do Algarve, do Sul do
Tejo, do Norte, das Beiras e de Lisboa, na Direcção do Avante, nas relações
internacionais do PCP onde, entre outras tarefas de grande responsabilidade,
tem significado histórico a sua presença no acto de proclamação da
independência de Angola em Novembro de 1975.
Entrando
para o mundo do trabalho ainda muito jovem apurou a sua consciência e o seu
sentido de classe, base fundamental para assumir com êxito as tarefas e
responsabilidades que lhe eram atribuídas, lhe deu força e determinação para
enfrentar a dureza das prisões mas também as condições difíceis de 32 anos
ininterruptos de clandestinidade. 70 anos de experiência e vivências que o
transformaram num daqueles camaradas insubstituíveis, sempre ao lado do seu
inseparável amigo e camarada Álvaro Cunhal.
Sem
ele e outros camaradas como ele, o PCP não seria a força necessária e
insubstituível aos trabalhadores portugueses que realmente é!
Achou
sempre que o melhor da sua vida, que aquilo que aprendeu e que sabia, devia-o
ao seu Partido!
Exemplo
do seu carácter e desta concepção foi a sua última viagem à República de Cabo
Verde onde, participando na evocação dos 70 anos da abertura do Campo de
Concentração do Tarrafal, o Governo Cabo-Verdiano lhe atribuiu uma
condecoração.
O
Sérgio Vilarigues achava que tal distinção deveria ser, não para ele, mas para
o seu Partido.
Neste
momento em que homenageamos o camarada Sérgio Vilarigues deixando-lhe o nosso
imenso adeus comunista – que é, ao mesmo tempo, o até sempre a um revolucionário que parte, dito com profunda emoção,
carinho e determinação pelos camaradas que ficam e irão continuar a sua luta –
vale a pena e é necessário recordar a sua vida de militante comunista, a sua
intervenção durante toda essa vida na luta contra o fascismo, pela liberdade,
pela democracia, por um Portugal independente e soberano, liberto de todas as
formas de opressão e de exploração; vale a pena e é necessário recordar uma
luta que foi de todos os momentos: desde o tempo sombrio do passado fascista,
até ao tempo novo da democracia avançada de Abril e, posteriormente, ao tempo
da resistência à contra-revolução carregada de pedaços desse mesmo passado
sombrio.
Recordar
essa postura de resistente antifascista do camarada Sérgio Vilarigues é tanto
mais importante quanto, como sabemos, está hoje em curso uma poderosa operação
de branqueamento do fascismo e de condenação dos que o combateram e lhe
resistiram.
Uma
multidão de “especialistas” – portugueses e estrangeiros – vem dando execução à
tarefa de concluir e mandar publicar que, em Portugal não existiu fascismo; que
o regime de Salazar e Caetano foi um regime “autoritário”, sim, mas de um
“autoritarismo paternalista” e “tolerante”; que a PIDE não maltratava nem
matava ninguém (que isso era calúnia dos comunistas); que “Salazar não era
fascista” – há até, quem escreva, fechando os olhos à verdade histórica, que
Salazar, “na sua política externa e nas suas alianças internacionais ao tempo
da Segunda Guerra Mundial, não esteve ao lado da Alemanha de Hitler e da Itália
de Mussolini, mas sim ligado à velha aliança com a Inglaterra...”. Ao mesmo
tempo, esses especialistas na falsificação da história, tudo fazem para apagar
o significado, a importância e o conteúdo da resistência antifascista.
É
nesse contexto que, paralelamente, procedem, de forma cirúrgica, à ocultação,
falsificação e aviltamento do papel determinante desempenhado pelo Partido
Comunista Português nessa resistência – e dão andamento a uma despudorada
operação de usurpação da memória resistente dos comunistas portugueses.
É
nessa mesma linha que esses mesmos “especialistas” julgam e condenam a
Revolução de Abril e os seus ideais, julgam e condenam a actividade e a
intervenção do PCP na conquista da liberdade e na instauração e institucionalização
do novo regime democrático. E são esses mesmos historiadores de serviço à
re-escrita da História ao sabor dos interesses da nova ordem imperialista de
cariz totalitário que, complementarmente, dão sequência a uma intensa ofensiva
contra os comunistas e o seu Partido, em jeito de versão doméstica, devidamente
adaptada, da ofensiva anticomunista que, à escala internacional, faz do
comunismo o seu alvo preferencial de ataque, recorrendo à mentira e à
deturpação da História, utilizando velhos argumentos durante muito tempo
utilizados pelo fascismo, desembocando
na insultuosa e ofensiva equiparação entre fascismo e comunismo.
São
historiadores que o deixam de ser quando deixam vir ao de cima, o seu
anticomunismo.
Os
efeitos dessa ofensiva, difundida massivamente, todos os dias, pelo poderoso
aparelho mediático, pertença dos grandes grupos económicos e financeiros, são
por demais evidentes.
(Nas
últimas semanas, a pretexto de um programa televisivo que diz ter como
objectivo “escolher” o “maior” entre os “grandes portugueses”, atingiu-se,
independentemente dos objectivos e posturas dos seus autores, a desvergonha
máxima ao estabelecer provocatórias e ofensivas “semelhanças” entre Salazar e o
camarada Álvaro Cunhal, metendo no mesmo saco, despudorada e insultuosamente, o
ditador fascista e o resistente heróico; o torturador e o torturado; o carrasco
e a vítima; o traidor dos interesses da Pátria e o Patriota exemplar; o
opressor de um povo e o que dedicou toda a sua vida à luta de libertação desse
povo da opressão e da exploração.
Que
sobre essas insultuosas “semelhanças”, e avalizando-as, se tenham pronunciado,
não apenas fascistas notórios ou disfarçados, mas igualmente pessoas que se
situam, ou dizem situar-se, no campo democrático, é bem revelador da força e
dos objectivos da ofensiva anticomunista em curso, dos caminhos que segue, dos
métodos a que recorre, das armas que utiliza).
A
equiparação insultuosa entre fascismo e comunismo é, também ela, uma forma de
branqueamento do fascismo. Um branqueamento que é parte integrante da acção de
denegrimento dos comunistas, do seu partido, do seu projecto, do seu ideal
transformador e libertador; um branqueamento que visa ocultar a prática dos
comunistas na assumpção do seu compromisso de sempre com os trabalhadores, o
povo português, a independência e a soberania de Portugal – um compromisso do
qual a vida e a luta do camarada Sérgio Vilarigues constituem expressão
concludente e incontornável; um compromisso que aqui reiteramos como bússola
orientadora da prática presente e futura do PCP e dos militantes comunistas.
Tudo
isto torna necessário sublinharmos uma vez mais – e aqui o fazemos no momento
em que nos despedimos e homenageamos o camarada Sérgio Vilarigues, exemplo de
resistente antifascista que o foi como foi, porque era militante comunista, que
para além de 34 anos de vida dura da clandestinidade esteve preso e sofreu em
três espaços e símbolos da ditadura fascista, na Fortaleza de Peniche, nas
masmorras de Angra do Heroísmo, no Campo da Morte do Tarrafal – que a história
mostra, inequivocamente, que em Portugal existiu, durante quase meio século,
uma feroz ditadura fascista; que o fascismo, enquanto ditadura terrorista do
capital, oprimiu e reprimiu o povo e os trabalhadores portugueses e mergulhou
na miséria e no atraso o País e o povo; que o fascismo perseguiu, prendeu,
torturou, assassinou milhares e milhares de homens, mulheres e jovens que se
lhe opuseram corajosamente. E que, nesse tempo em que lutar pela democracia e
pela liberdade tinha como consequências inevitáveis o alto risco da prisão, da
tortura, muitas vezes da morte, os comunistas ocuparam sempre a primeira fila
dessa luta – uma luta que prosseguiram nos tempos posteriores ao 25 de Abril,
afirmando-se como parte maior na construção do regime democrático de Abril; uma
luta que prosseguem hoje, fazendo frente à política de direita e dando o seu
contributo para a construção da alternativa de esquerda de que o país
necessita; uma luta que os comunistas prosseguirão no futuro, sempre pela
liberdade e pela democracia, sempre ao lado dos trabalhadores, do povo e do
país.
Garantimos-lhe em vida, afirmamos hoje, no momento em que
parte que, nos nossos corações e na nossa mente, está ancorada e a pulsar
aquela força, aquela militância combativa e generosa, aquela confiança
inquebrantável para prosseguir tanto o sonho como o projecto de transformação
da sociedade e de luta por uma vida melhor para os trabalhadores e para o povo
português sempre tendo no horizonte o socialismo e o comunismo.
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