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Fiscalidade e Habitação - Intervenção de Demétrio Alves
Segunda, 12 Novembro 2007

URBANISMO, HABITAÇÃO & TMU

Relações entre habitação, urbanização e edificação

Nos fins da década de 70 e princípios da de 80 constatou-se a designada Crise Habitacional Portuguesa. Chegou a falar-se numa carência de 800 000 fogos. Paradoxalmente já no princípio da década de 80 se registava a existência de alguns milhares de fogos vagos/devolutos, embora as estatísticas não fossem confiáveis.

Nos últimos vinte anos tem-se verificado uma explosão na urbanização do território, em particular nas AM e Litoral, com forte edificação de habitação de vários tipos (mais de um milhão de alojamentos). É generalizada a ideia de que se construiu muito, ou melhor, que se construiu demais e, em muitos casos, mal, tanto em termos urbanísticos, como em termos de arquitectura/construção.

Haverá presentemente cerca de 650 000 fogos Vagos/devolutos (vários Tipos). Os centros das cidades estão abandonados e decrépitos. Quando são reabilitados/ regenerados verifica-se o fenómeno da gentrificação (nobilitação). Também é banal a convicção de que houve "abusos" de vários tipos, e que os negócios imobiliários renderam muitos milhões a um pequeno grupo de empresários e aos bancos. Investir na compra de alojamentos para mais tarde vender com grandes mais-valias passou a ser uma actividade comum a quem tivesse razoáveis pés-de-meia.

Muitos criticam as autarquias municipais por toda esta situação. Estas dizem que a culpa foi dos sucessivos governos. Os ecologistas acusam todos. Os portugueses em geral, assistem e lá vão continuando a abusar do território sempre que podem e os deixam.

Que fazer?

Temos todos insistido muito na necessidade de reformarmos e melhorarmos os instrumentos jurídicos de planeamento e da gestão. Que seria através de melhores leis e decretos que habilitassem os municípios a fazerem planeamento prospectivo, estratégico e preventivo, e uma gestão urbanística eficaz, que se evitariam os desregramentos e desequilíbrios. Mas, não obstante ter havido dezenas de alterações legais nos últimos trinta anos, parece que o mal continua e até se amplia. Sem desmerecer a importância dos instrumentos jurídicos que regulamentam a EDIFICAÇÃO, a URBANIZAÇÃO e a GESTÃO DO TERRITÓRIO, e a necessidade de se acabarem rapidamente com as desarticulações entre os diferentes níveis de poder e uma efectiva capacitação técnica e legal para que os municípios intervenham responsável e eficazmente, parece que o essencial não passará por aí.

Pode dizer-se com relativa segurança que apenas quando os poderes políticos, central e local, passarem a intervir, de facto, de acordo com uma perspectiva de interesse público, na POLÍTICA de SOLOS, na OFERTA DE HABITAÇÃO (PREFERENCIALMENTE PARA ARRENDAMENTO A CUSTOS CONTROLADOS), nos Circuitos de Financiamento da urbanização/construção, e na POLÍTICA FISCAL RELACIONADA COM OS BENS IMÓVEIS E COM A URBANIZAÇÃO/EDIFICAÇÂO é que poderemos inverter a caótica deriva em que estamos metidos.

Por outro lado, enquanto Portugal viver numa economia atrasada e deprimida, com os sectores produtivos industriais de rastos, e com a financeirização da economia a impor-se esmagadoramente, continuará a manter-se a "crença natural" na construção civil de edifícios para habitação e outros.  

Deveria pugnar-se pela urgente criação de um mercado de aluguer a custos controlados, correlacionado com uma oferta pública (municipal e eventualmente regional) de pelo menos 30%. Isto ligado a uma política de solos de verdadeiro interesse público e colectivo, com mecanismos de apropriação/expropriação facilitados mas socioeconomicamente justos, a efectuar aquando do planeamento e da emissão de loteamentos. A s taxas de juros e as condições dos empréstimos para a actividade económica privada dos chamados "prédios de rendimento" deveriam estimular esta em detrimento da construção para venda, em zonas urbanas a definir, e em períodos cíclicos. As leis e os regulamentos, embora devendo respeitar o princípio da segurança e previsibilidade, não podem ser "Tábuas de Leis" estáticas, mas sim adaptadas consoante os interesses públicos emergentes e variáveis. Simultaneamente teria que haver uma forte regulação das rendas dos edifícios criados neste regime.

Parece ser utópica e irrealizável a ideia de que com um "bom planeamento" e uma "gestão urbanística eficaz" se resolveria o problema do desordenamento do território, do mau urbanismo, da má qualidade arquitectónica e construtiva, e, muito menos, da criação das condições para contrariar as IMPLOSÕES URBANAS, o ESVAZIAMENTO DOS CENTROS, A NOBILITAÇÂO DOS CASCOS ANTIGOS REABILITADOS/REGENERADOS, A EXPULSÃO PARA AS PERIFERIAS DESQUALIFICADAS DAS CAMADAS POPULACIONAIS MAIS DÉBEIS, a INECESSIBILIDADE DAS CAMADAS JOVENS AO MERCADO DA HABITAÇÃO (ALUGUER PRIORITARIAMENTE), e a GUETIZAÇÃO DOS MARGINALIZADOS.

Seria interessante que os municípios CDU pudessem dar o exemplo de dificultação à proliferação de um urbanismo excedentário, de má qualidade e discriminador. Sabemos que, por diversos motivos, isso é muito difícil, continuando a verificar-se casos que vão em sentido contrário. Para que se concretize uma política urbanística diferenciada da praticada pela generalidade dos municípios geridos por outras organizações políticas, não bastará fazer uma gestão honesta e sem corrupção.

Afigura-se ser indispensável introduzir urgentemente a dimensão educativa, formativa e informativa no combate ao urbanismo pernicioso e ao desordenamento do território, não apenas na vertente conservacionista muito divulgada por "ecologistas" de serviço ao sistema. Vastas camadas populacionais, por falta de conhecimento e diversos atavismos culturais, pensam que é "democrático" construir onde muito bem se queira, e, por isso, pressionam as autarquias, demasiado permeáveis a este tipo de reivindicação, criando assim o caldo de cultura para os tubarões do sector actuarem.

 

 

 

 

 

Relações entre o urbanismo, a edificação e o financiamento autárquico, por intermédio dos impostos e das taxas

 

É fundamental desmistificar o paradigma errado pelo qual se crê que "dá dinheiro às câmaras municipais licenciar e urbanizar". Dá, mas apenas no muito curto prazo, porque, com os actuais valores das taxas urbanísticas, e com os valores e bonificações do IMI e do IMT que têm vindo a aplicar-se, também a médio e longo prazos o balanço financeiro é negativo. Se os municípios fossem "empresas" não seria "bom negócio" continuar a licenciar nos ritmos verificados até aqui.

A actualização das Taxas previstas pela Lei 53-E/2006 obriga a implementação de processos tecnicamente complexos e determinará o aumento muito significativo (em certos casos seis ou sete vezes) das diversas taxas e tarifas, designadamente a TMU. Embora seja portadora de uma maior racionalidade económica e financeira (muitos dos regulamentos e tabelas de taxas não têm lógica quantitativa) será adequada social e economicamente? Do que não haverá lugar a muitas dúvidas é acerca da incomodidade política em 2009, um ano eleitoral.

   A problemática fiscal dos bens imóveis (construídos) é irracionalmente assimétrica e não homogeneamente equitativa. Contudo, a sua actualização, pelo menos nos termos em que está previsto, traz seriíssimas questões sociais e fortes repercussões políticas. Não esquecer que houve uma explosão enorme de "proprietários" de habitação, num falso movimento de democratização da habitação, e que, embora estes "pagadores crónicos de prestações aos bancos" não sejam, de facto, proprietários, julgam que são, e comportam-se politico-socialmente como tal.

As autarquias não devem "viver da urbanização" e serem estimuladas a licenciar para (não) ter receitas. E por isso a Lei das Finanças Locais não devia cercear receitas de outros tipos. Por outro lado, os custos directos e indirectos derivados da urbanização do território, no curto, médio e longo prazos, e relacionados com as infra-estruturas e com alguns dos equipamentos e serviços públicos necessários ao funcionamento de territórios urbanizados e ocupados com populações, devem ser imputados, em parte significativa, aos conglomerados imobiliário-financeiros que determinam, de facto, a urbanização do país, pelo menos nesta fase da vida económica nacional, embora com a adopção de medidas de amortecimento da repercussão nos preços e nas rendas, e com o cuidado de não propiciar o aparecimento de duplas e triplas tributações pelo mesmo sistema de infra-estruturas e de equipamentos.

 

Habitação Social

Uma nota muito breve e final sobre este tema, difícil, da designada "Habitação Social". Ou seja, da habitação para os grupos socialmente deprimidos e/ou segregados e marginalizados, inseridos em cadeias de exploração intensa e oportunista, designadamente as que se apoiam nas imigrações.

São conhecidos as más práticas de diversos tipos. No entanto não deveríamos cair em academismos, formalmente muito interessantes, mas que não apresentam soluções concretas.

Os largos agregados de abrigos desqualificados traduzem diversos tipos de problemas e não somente um "problema habitacional". Há muitos problemas invisíveis debaixo da visibilidade do problema da habitação indigente. Mas, o realojamento voluntarista, de iniciativa pública, e em massa, embora sendo complexo mas não tem alternativas conhecidas. Não é credível pensar realojar uma população que viva num bairro de duzentas ou trezentas barracas (trezentos a quatrocentos núcleos familiares), por fases, e durante vários anos. E também não parece credível pensar que será através da criação das condições socioeconómicas suficientes a que aqueles moradores se auto-realojem, que se resolverá o problema. Claro que a concentração excessiva nos locais de realojamento também problemas conhecidos. Assim como o realojamento disperso e incorporado em urbanizações "normais". A solução não poderá passar, em Portugal, e quanto às barracas e situações similares, por se considerar, como no caso das favelas do Rio de Janeiro, que elas fazem parte do "sistema habitacional".

Ora, em toda esta problemática, poderemos e deveremos nós defender que os municípios devem estar arredados, argumentando que a "HABITAÇÃO" não é uma competência municipal, e, portanto, deverá ser o governo central a resolver o problema? Vamos defender retirarmo-nos do PER (ou de outro programa alternativo mesmo que mais apoiado) por uma questão de princípio? Não se me afigura prudente voltar a essa tónica, salvo se, num programa integral e coerente que sejamos capazes de traçar, se tornasse claro para todos que havia uma forma mais adequada de tratar este problema.