Partido Comunista Portugu�s
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"Uns decidem, outros pagam"
Vítor Dias no "Semanário"
Sexta, 10 Janeiro 2003
10 de Janeiro de 2003

A recente publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei nº 271/2002 relativo ao reforço do recurso aos medicamentos genéricos mostra como felizmente já vai longe aquele dia 7 de Maio de 1999 em que, na Assembleia da República, PS, PSD e CDS-PP chumbaram sem apelo nem agravo o projecto de lei 582/VII apresentado pelo PCP visando precisamente esse mesmo objectivo que mais tarde viria a ser, como se viu, absorvido pelos outros partidos.

Nesta como noutras matérias, há certamente justificação para alguma reflexão sobre o tempo perdido e as tibiezas na aplicação de uma orientação que de há muito se evidenciava como justa e necessária, sem que isso nos impeça de saudar todos passos positivos que agora obtiveram finalmente consagração legal.

Mas, na sequência de denúncias que o PCP fez desde a primeira hora em que se perceberam certos contornos da orientação do Governo PSD-CDS/PP nesta matéria e secundando recentes intervenções na imprensa de Bernardino Soares (“A Capital” de 18/12) e de João Amaral (“Jornal de Notícias” de 6/1), é indispensável salientar e avisar que, no Decreto-Lei 271/2002 e na sua articulação com o Decreto-Lei 270/2002 que institui os preços de referência, há um ponto absolutamente inaceitável e intolerável.

O que acontece é que, no preâmbulo do referido decreto, se salienta – e muito bem- que “os cidadãos (...) devem dispor da possibilidade de, no acto de fornecimento ou dispensa dos medicamentos, lhes ser proporcionada a opção pelo medicamento com a mesma substância activa, segurança e valor terapêutico, ao menor preço”.

Porém, cedendo a pressões da Ordem dos Médicos, logo no artº 3º o Governo se esqueceu do que acabava de proclamar no preâmbulo, ao dispor hipocritamente que “não obstante ser reconhecida a liberdade de opção por parte do utente” o farmacêutico ou o seu colaborador devidamente habilitado “só poderão alterar o medicamento prescrito a pedido do utente se não houver uma declaração expressa do médico prescritor”. E, neste contexto, o artigo seguinte logo consagra que a receita integrará “a declaração do médico prescritor sobre a dispensa ou não do medicamento genérico”.

Fica assim à vista que a antes proclamada possibilidade de opção dos utentes fica reduzida a zero ao conceder-se ao médico subscritor o poder soberano e irrevogável de impor ao doente um medicamento de marca e não autorizar a sua substituição por um genérico existente.

Mas o mais grave e mais injusto é que as alterações feitas pelo Governo no regime de comparticipação pelo Estado nos medicamentos conduzem explicitamente a que, nesses casos de não autorização pelo médico da dispensa de genéricos, os cidadãos vão passar a pagar muito mais do que agora pelo medicamento de marca, já tendo sido adiantados exemplos concretos em que há acréscimos de 63% no custo a suportar pelo utente.

Ainda que sustentando que é necessário prosseguir e intensificar as campanhas de esclarecimento público, compreendemos perfeitamente que não seria nem justo nem educativo que fosse o Orçamento de Estado a pagar as injustificadas opções de utentes por medicamentos de marca havendo genéricos disponíveis, opções essas eventualmente ditadas por ideias um pouco atávicas como a de que, também nos medicamentos, o que é mais caro é de certeza melhor.

Mas isso é uma coisa e outra muito diferente é, como faz o governo, descarregar para cima dos bolsos dos utentes o custo de opções tomadas pelos médicos prescritores eventualmente ditadas por outro tipo de atavismos.

Talvez haja quem alegue que, nesses casos, caberá aos utentes pressionarem os médicos para que autorizem a dispensa de genéricos. Mas, quanto a isso, para além de indesejabilidade óbvia de introduzir um tal elemento na relação médico-doente, a verdade é que pensamos que, em situações de doença, em regra os cidadãos não têm compreensivelmente uma grande disposição para travar semelhantes conflitos.

É assim indispensável que a apreciação parlamentar requerida pelo PCP a estes dois diplomas permita impedir a consumação de mais esta injustiça social e mais este golpe nos rendimentos e condições de acesso de muitos portugueses aos medicamentos.