No Comício
evocativo dos 100 anos de Resistência e Luta dos Trabalhadores da CUF, Jerónimo
de Sousa afirmou que «o país precisa, mais do que de uma esquerda preocupada,
de uma esquerda actuante, proponente que junte as palavras à acção, uma
esquerda que assuma a necessidade de uma ruptura com esta política de direita,
política que não se compadece com retoques e gritos de alma e de alerta».
Intervenção
de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do
PCP
no Comício do PCP: 100 anos de resistência e luta dos
trabalhadores da CUF
Assinalar o
centenário da implantação no Barreiro do que viria a ser o maior complexo
industrial e financeiro português, a CUF, é para nós comunistas, comemorar 100
anos de luta constante dos seus trabalhadores e do povo do Barreiro, contra a
exploração e pela liberdade, luta que acompanhou o desenvolvimento do império
CUF e a concentração operária, uma luta verdadeiramente exaltante pela sua
coragem, determinação que deu ao Barreiro o justo título de baluarte da
resistência ao fascismo e da luta pela liberdade.
Mas
assinalar o centenário da CUF, não é só prestar homenagem a tantos homens e
mulheres que com a sua luta, com os seus sacrifícios deram uma contribuição
ímpar para a construção de um Portugal de liberdade e de prosperidade. É também
um momento muito adequado para lembrar, para não deixar esquecer o que
verdadeiramente representou a CUF na vida nacional e as suas responsabilidades
na manutenção do fascismo, na repressão do movimento operário.
A propósito
desta efeméride não tem faltado quem, contra todas as evidências, se esforce
por exaltar a contribuição dos senhores da CUF e em particular do seu fundador,
Alfredo da Silva para o desenvolvimento do Barreiro e do país, apresentando-o
como o resultado de um homem trabalhador, de grande visão estratégica,
empreendedor, sem paralelo, arraigado patriota, um amigo do próximo, quase
filantropo.
O problema
não está, obviamente na negação da importância do desenvolvimento industrial e
tecnológico que esteve associado ao desenvolvimento da CUF. O problema está no facto da história da
construção desse império, nada ter de filantropia. A imensa fortuna dos
senhores da CUF foi amassada com brutal exploração de milhares e milhares de
trabalhadores; baixos salários, precariedade de trabalho, ritmos de trabalho
intenso.
O historial
da perseguição aos trabalhadores e às suas organizações é imenso. Alfredo da
Silva não hesitava em recorrer às maiores arbitrariedades para combater as
organizações dos trabalhadores. Destacou-se no combate à implementação do
horário das 8 horas diárias. Às greves respondia com despedimentos massivos, lock-out,
recurso às forças repressivas. O regime fabril foi montado na base da
arbitrariedade, da vigilância policial. A CUF durante mais de 30 anos manteve
no seu interior um destacamento da GNR que chamada para reprimir as greves de
43, aqui ficou até ao 25 de Abril, mantendo na prática o Barreiro na situação
de terra permanentemente vigiada e ocupada.
A CUF é o
exemplo mais acabado, mais genuíno, do processo de desenvolvimento do capital
monopolista português, a negação mais completa da pretensa filantropia do Sr.
Alfredo da Silva e dos seus herdeiros. O Império CUF nasceu e cresceu
utilizando o aparelho de Estado como instrumento determinante para a
concentração e centralização do capital, como instrumento coercivo, extra
económico para a intensificação da exploração.
Alfredo da
Silva esteve sempre associado à política reaccionária. Conspirou contra a
república o que não o impediu de prosperar nesse período e ter gozado de total
impunidade. Esteve associado ao golpe de Sidónio Pais, precursor do fascismo e
sob cujo consulado prosperou bastante. Foi um dos dinamizadores da criação da
organização patronal a qual que veio a ter papel de relevo no advento do
fascismo. A fusão do império CUF e do Estado fascista foi tal que os seus
destinos se confundem. Os senhores da CUF foram os principais beneficiários e
sustentáculo da ditadura fascista.
A CUF pela
mão de Alfredo Silva e dos seus continuadores desempenhou grande papel (e
abichou grandes lucros) na execução da política salazarista de apoio aos
fascistas espanhóis na guerra civil e aos nazis no decurso da II Guerra
Mundial. De igual modo os senhores da CUF, que à sombra da ditadura exploravam
milhares e milhares de trabalhadores africanos, foram os grandes
impulsionadores, apoiantes e beneficiários das guerras coloniais.
Já alguém
chamou ao Barreiro um museu nazi, uma cidade-Estado. Na realidade os senhores
da CUF, para além do uso das alavancas do Estado, punham e dispunham dos
poderes locais, subordinando a vida do Barreiro aos seus interesses
empresariais, com enormes custos que ainda hoje se estão a pagar.
Só a luta
constante dos trabalhadores e do PCP, cujos destinos se confundem desde a sua
fundação, impediu que a exploração e as arbitrariedades patronais fossem
maiores.
Os que hoje
procuram responsabilizar o 25 de Abril e o que chamam de desvarios
revolucionários, pela destruição do legado industrial e tecnológico da CUF,
falsificam com todos os dentes a verdade histórica.
A defesa da
liberdade, a defesa do regime democrático, a melhoria das condições de vida do
nosso povo, impunha obrigatoriamente que a par da liquidação do poder político
do fascismo, fosse liquidado o poder económico dos monopólios, os seus
principais apoiantes e beneficiários.
Foi com a
Revolução de Abril, entendida como acto e processo, que se materializou o carácter
inseparável das vertentes política, económica, social e cultural do regime
democrático, que se avançou para um projecto de democracia que a Constituição
haveria de consagrar. Não foi a revolução de Abril, não foram as
nacionalizações que abriram caminho à destruição do aparelho produtivo, foram
as privatizações praticadas pelos governos do PSD e do PS.
Hoje os
Melos, fruto das políticas do PS e do PSD aí estão de novo na banca, nos seguros,
na saúde, na química, nos transportes, etc., construindo um novo império
económico-financeiro.
A
experiência, a dura experiência mostra-nos que quanto mais se reforçam os
grupos económicos e financeiros, mais se agravam as condições de vida dos
trabalhadores, maior é a privação de direitos, maiores os perigos para a
liberdade. E isto tem tanta mais actualidade quanto hoje, passados 33 anos de
nacionalização da CUF, passados 30 anos de políticas de direita encetadas por
sucessivos Governos ora PS ora depois PSD, ora os dois juntos, ora juntos com o
CDS, até à actual maioria absoluta do PS e do seu Governo, se assiste a uma
ofensiva que de novo só tem mais amplitude e profundidade.
O Governo
PS não deixou de fora nenhuma vertente do regime democrático.
Prosseguindo
com as privatizações e a liberalização, dando um salto na ofensiva contra os
serviços públicos e as funções sociais do Estado, visando a sua reconfiguração
na saúde com o objectivo da privatização e reduzindo o Serviço Nacional de
Saúde aos serviços mínimos, na educação contra a Escola Pública e entregando ao
mercado capitalista a definição de objectivos e da ideologia na educação, na
formação e na qualificação negando o conceito da formação integral do
indivíduo, no encerramento e redução de outros serviços públicos acentuando as
assimetrias sociais e regionais. E, inevitavelmente, com opção classista
afrontou os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores que com crueza
se expressa na sua proposta de alterações ao Código do Trabalho.
A própria
soberania foi parcelarmente alienada como se provou com a aprovação do Tratado
Europeu.
Aí está
camaradas! Aí está a demonstração que atacada a democracia económica não ficam
imunes a democracia política, social e cultural e a soberania nacional. Aí
estão as consequências da política de direita que em 30 anos foi mudando de
actores, mudando de métodos, mas mantendo a mesma política.
Aí os temos
outra vez, os senhores do capital financeiro e dos grandes grupos económicos a
sobreporem-se ao poder político, a amassar poder e fortuna em tempo de crise. E
inevitavelmente a acentuarem-se as injustiças e as desigualdades sociais. Com o desemprego a aumentar, com a
precariedade laboral que deveria ser excepção e se transformou em regra gera a
abranger mais de 1 milhão e 200 mil trabalhadores e em particular a juventude.
Aí temos a desvalorização dos salários, das pensões e reformas num quadro em
que dispara o aumento do custo de vida. Aí temos a aflição e o desespero de
milhares de pequenos e médios comerciantes, agricultores e industriais
conduzidos à ruína e prisioneiros da banca. Aí temos a pobreza a aumentar e a
atingir cerca de 2 milhões de portugueses.
O Governo
PS ao longo de três anos foi conseguindo esconder a natureza e os verdadeiros
objectivos da sua política. Refugiando-se no défice das contas públicas,
culpando a direita mas nunca a génese da sua política, foi apelando aos
sacrifícios garantindo que para breve chegaríamos ao bom caminho e o fim do
ciclo dos sacrifícios. Não só não estamos no bom caminho como o país está a
andar para trás.
Já arranjou
outro bode expiatório: a crise internacional!
O mesmo
Governo que afirmava a pés juntos há poucos meses que o país estava pronto para
enfrentar a crise!
A economia está a patinar, as previsões
fracassaram rotundamente em relação ao crescimento, à inflacção, ao investimento,
às exportações, ao nível da dependência do estrangeiro designadamente em
relação à segurança alimentar.
Vai mudando
de metas e adiando objectivos porque a propaganda já não chega para esconder a
realidade. Mas há uma questão em que persiste: mutilar os direitos individuais
e colectivos dos trabalhadores, tanto na Administração Pública e no sector
público como no sector privado. Não, camaradas, não é por teimosia! É porque o
capital o exige, é porque este Governo tomou a opção de se colocar do lado dos
poderosos, contra quem trabalha e contra quem menos tem e menos pode!
Só se
enganou em dois aspectos:
- na força e dimensão da
resistência, do protesto e da luta dos trabalhadores e das populações;
- na determinação, na acção e na
luta do PCP, que mesmo contra a corrente e a opinião dominante nunca baixou os
braços, nunca se ajeitou às inevitabilidades, nunca abdicou dos sentimentos de
esperança e da confiança de que não só era necessário lutar como era e é
possível mudar o rumo da política nacional.
Quem viu e
quem esteve na manifestação de 5ª feira, convocada e organizada pela CGTP-IN,
quem mediu a sua dimensão, quem sentiu o pulsar dos sentimentos de protesto,
descontentamento, revolta e luta revigorou esperança e confiança que nos anima,
derrotando o desalento e o conformismo. E, também ali, tal como na nossa acção
e intervenção quotidianas, confirmámos o papel insubstituível do PCP, as razões
que levam tantos portugueses a identificarem-se com a nossa luta e as nossas
propostas, ao alargamento da nossa influência social e política cujo reforço é
inseparável da construção de uma alternativa.
E é por
isso que de repente, várias vozes, que curiosamente há 4 anos atrás e durante a
realização do nosso XVII Congresso nos passaram várias certidões de óbito,
venham agora manifestar de forma explícita ou implícita o seu medo pelo
crescimento do PCP. Uns aconselhando e avisando o Governo. Outros saindo da
letargia comprometida, outros ainda a ver se capitalizam e seguram os eleitores
descontentes do PS, não vão esses portugueses tomar consciência da importância
do reforço do PCP.
Sejam
bem-vindos ao combate se é que querem combater a política de direita.
E que não
basta avisar! Não basta desancar na situação, não basta irritar e criticar
Sócrates.
O país
precisa, mais do que de uma esquerda preocupada, de uma esquerda actuante e
proponente, que junte as palavras à acção, uma esquerda que assuma a
necessidade de uma ruptura com esta política de direita, política que não se
compadece com retoques e gritos de alma e de alerta, mas com ruptura e uma
efectiva mudança para melhor, no plano social mas também no plano económico,
cultural, da justiça, da segurança, da defesa da soberania que assuma como
elemento unificador o projecto e a efectivação da Constituição da República
Portuguesa.
A unidade e
convergência concretizar-se-ão tanto mais quanto mais claro for o
posicionamento das forças sociais e políticas em relação à necessidade de
ruptura com esta política. E que, sem esta clarificação, podemos assistir ao
acto do costume: Sócrates criticou Santana e Barroso pelas malfeitorias;
Barroso criticou Guterres pelo estado em que deixou o país; o mesmo disse
Guterres em relação a Cavaco Silva; o mesmo Cavaco Silva que criticou Soares; o
mesmo Soares que agora vem criticar e avisar Sócrates. Rodam! Rodam mas sobre a
política de direita - "moita carrasco". Mudam de líder e põem o "conta
quilómetros" a zero.
Porque isto
de todos ao molho e fé em Deus, dá no plano mediático, cria ilusão e até boas
intenções, mas não resolve nem clarifica a questão central que se coloca a
Portugal e aos portugueses.
Uma
alternativa política de esquerda só se constrói com uma política alternativa.
Só se constrói com a intensificação do protesto e luta dos trabalhadores, da
juventude, dos homens e mulheres das artes, dos saberes e conhecimentos, dos
pequenos e médios empresários, comerciantes e agricultores, dos reformados e
pensionistas, só se constrói com um PCP mais forte e influente que selando e
transportando o inquebrantável compromisso com os trabalhadores e o povo,
sustentado no seu projecto de uma democracia avançada, está em condições de
integrar e dinamizar a caminhada por um outro rumo da política nacional.
Vivam os
trabalhadores e a sua luta!
Viva o PCP!
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