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Audição «Outro Rumo – Nova Política ao serviço do povo e do país»
Audição «Outro Rumo – Nova Política ao serviço do povo e do país»
Terça, 25 Setembro 2007
20070925-audicaoNa Audição «Outro Rumo – Nova Política ao serviço do povo e do país» que decorreu inserida nos trabalhos de preparação da Conferência Nacional do PCP, Jerónimo de Sousa, referiu que esta Audição «foi mais um valioso contributo para o aprofundamento da análise dos graves problemas que o país enfrenta e das soluções para a sua superação». (...) «A gravidade da situação económica e social de Portugal não pode ser encoberta pelo manto da fantasia propagandística do governo de José Sócrates de um “país no bom caminho”.» (...) «Esta evolução extremamente negativa da situação (...) tem causas reais. É o resultado de políticas concretas.» Jerónimo de Sousa acrescentou ainda que «é possível uma nova política em ruptura com o actual modelo de políticas económicas e sociais e capaz de tirar o país da estagnação, da prolongada divergência e do atraso que o prende à cauda da Europa.»

 

 

 

Audição «Outro Rumo – Nova Política, ao serviço do povo e do país»
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Lisboa



A Audição que aqui decorreu inserida nos trabalhos de preparação da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais foi mais um valioso contributo para o aprofundamento da análise dos graves problemas que o país enfrenta e das soluções para a sua superação.

Antes de mais, gostaria de agradecer, em nome do PCP, a contribuição que solicitámos ao conjunto de personalidades que aqui connosco estiveram e que com a sua grande experiência e conhecimento concreto da nossa realidade económica e social vieram enriquecer o amplo debate que por todo o país e nos mais variados sectores temos vindo a promover nestes últimos meses.

Do conjunto dos seus contributos se confirma a manutenção dos graves problemas económicos nacionais e o contínuo agravamento dos problemas sociais e que estão a contribuir para o aprofundamento da crise que o país enfrenta.

Crise que não é apenas conjuntural, mas estrutural e que está a pôr em causa o desenvolvimento económico sustentado do país.

Aqui estiveram presentes nas diversas intervenções os problemas que o país enfrenta: o incipiente crescimento económico; o elevado desemprego; o aumento das desigualdades sociais e das assimetrias regionais; a acentuação do carácter cada vez mais dependente e periférico de uma economia debilitada, com evidência para os seus sectores produtivos; o agravamento dos défices estruturais (energético, alimentar, cientifico), o desordenamento do território, a nossa forte dependência externa e a divergência económica e social face à União Europeia.

Aqui vieram também as preocupações com as novas ameaças que se perfilam no horizonte em consequência da crise financeira internacional do imobiliário e das consequências que já se fazem sentir, nomeadamente com novos aumentos das taxas de juro em cima dos aumentos que se vinham a verificar, impostos por uma política monetária que secundariza o crescimento, o emprego e a coesão social como tem vindo a acontecer nos dois últimos anos.

Novas ameaças com previsíveis consequências negativas para um país sujeito a uma política que é incapaz de resolver os problemas nacionais, antes acentua as suas fragilidades. 
Novas ameaças para as quais o país se apresenta cada vez mais vulnerável, como muito bem se evidencia na resistência da economia portuguesa e no acompanhamento do ciclo de recuperação da economia europeia e mundial. 

Vulnerabilidades que se agravam num país aonde a dívida externa continua a crescer a um ritmo preocupante e que atinge já 81% do PIB.

Se a perspectiva que se tem vindo a apresentar até 2010 é de uma evolução em crescente divergência com os nossos parceiros europeus, os últimos desenvolvimentos, incluindo da economia nacional, como se pode verificar pelo novo recuo do crescimento no último trimestre, torna cada vez mais imperativo e urgente o questionamento das orientações políticas dos governos dos últimos anos.

A gravidade da situação económica e social de Portugal não pode ser encoberta pelo manto da fantasia propagandística do governo de José Sócrates de um “país no bom caminho”.

São muito visíveis e graves as consequências sociais das políticas que se têm vindo a concretizar, nomeadamente pelo actual governo do PS. 

Na verdade o desemprego atingiu um elevadíssimo patamar como há muito não atingia, enquanto o trabalho precário tem vindo a crescer todos os dias, abrangendo mais de um milhão de trabalhadores. Portugal está agora no topo dos países da União Europeia em matéria de precariedade laboral.

Mantém-se a injusta política de distribuição dos rendimentos – uma das mais desiguais da União Europeia – agravada nestes dois últimos anos de governo do PS. O fosso que separa os 20% mais ricos dos 20% mais pobres tem crescido sistematicamente, como o demonstra o recente estudo do Eurostat que engloba já o primeiro ano do actual governo. 

Os salários são esmagados por uma deliberada política de contenção salarial e desvalorizados por uma política de preços dos bens essenciais que crescentemente degrada o poder de compra dos rendimentos do trabalho.

O anunciado grande objectivo de rápida superação do nosso actual modelo de desenvolvimento que está assente nos baixos salários é cada vez mais uma miragem. Não é no sentido da mudança do actual padrão que se caminha, mas para a sua manutenção com o reforço de todos os mecanismos de exploração que têm sido suporte desse modelo socialmente injusto e inadequado à afirmação de um país soberano e independente.

Com a introdução da flexigurança, a concretizar-se, como pretenderia o governo e os grandes interesses económicos, a perspectiva da mudança fica cada vez mais longínqua e o que se consolida são as condições para a perpetuação desse modelo com as propostas de facilitação dos despedimentos sem justa causa, a liberalização dos horários, a permissão da redução dos salários e remunerações, a fragilização da contratação colectiva. 

Os serviços públicos que deviam garantir o direito dos portugueses à saúde, à educação e à segurança no desemprego, na doença, e na velhice são objecto da mais violenta ofensiva com claros propósitos de transferir para os trabalhadores e para as populações as responsabilidades do Estado em tais matérias.

É o que vemos no que à saúde diz respeito com a política de encerramento de serviços e de criação de maiores barreiras na acessibilidade aos cuidados de saúde, na deterioração da qualidade dos serviços prestados e nos custos mais elevados dos serviços e medicamentos.

É o que vemos quando se desvaloriza a Escola Pública e se levantam barreiras aos estudantes no acesso a níveis superiores do conhecimento e se quer adequar o sistema de ensino ao objectivo de “formatar” as futuras gerações de acordo com os interesses do grande capital, na garantia de uma mão-de-obra qualificada, obediente e barata que se ajuste ao seu mercado flexível e precário.

É o que vemos quando se perspectiva a transformação da segurança social pública, num sistema residual e assistencialista e se propõem o aumento da idade da reforma e a redução do seu valor.

Esta evolução extremamente negativa da situação económica e social portuguesa tem causas reais. É o resultado de políticas concretas.

É, antes de mais, o resultado das políticas orçamentais, submetidas ao fundamentalismo do Pacto de Estabilidade, com gravosas consequências no investimento público e no crescimento económico, na política salarial e nas políticas sociais. Políticas restritivas e monetaristas centradas no défice das contas públicas que não resolvem o problema do défice, nem dinamizam a economia e o emprego.

É o resultado das políticas de desprotecção das actividades produtivas nacionais, da crescente financeirização da economia, da entrega ao estrangeiro das principais alavancas da economia do país, das políticas de privatização, liberalização e crescente desregulamentação dos mercados.

É o resultado do acelerado processo de concentração e centralização de capitais nas mãos do grande capital económico e financeiro que esta política favorece e do seu domínio sobre a vida económica e social do país.

É o resultado de uma verdadeira cruzada de espoliação que se traduz não apenas na apropriação de um valioso património público pelo grande capital económico e financeiro, mas em descomunais lucros nas suas actividades activamente protegidas em detrimento das condições de vida dos trabalhadores e do povo e dos sectores onde predominam os micro, pequenos e médios empresários.

Os mais ricos estão cada vez mais ricos, enquanto o país enfrenta cada vez mais privações e dificuldades.

Os lucros dos cinco maiores grupos bancários somados aos da GALP, da SONAE, da PT e da EDP situaram-se, em 2006, nos 5,3 mil milhões de euros, enquanto os consumidores e a economia do país em geral estão confrontados com um dos mais altos preços, do gás, da energia, do dinheiro ou dos combustíveis, no contexto europeu. 

A prática das grandes petrolíferas é um exemplo. Vêm com a desculpa dos impostos para não descer os preços dos combustíveis, mas escondem que só neste primeiro semestre de 2007 os seus lucros cresceram 71% relativamente ao mesmo semestre de 2006. É por isso que os preços da gasolina e do gasóleo não param de subir, enquanto o governo faz vista grossa e sacode as suas responsabilidades para a entidade reguladora respectiva. 

É a política de favorecimento dos grandes interesses que conduz o país ao atraso, à estagnação e à crise e debilita as micro, pequenas e médias empresas.

É esta política que está na origem da perda de competitividade interna e externa da produção nacional e que se tem vindo também a agravar pela via do Euro crescentemente sobrevalorizado.

Não são o défice das contas públicas, os direitos dos trabalhadores e os seus salários ou rigidez das relações laborais que são a causa da falta de competitividade da economia como a política neoliberal propagandeia, nem tão pouco a dimensão social do Estado, mas a banca e o grande capital económico e a sua sede de lucro que impõem custos desproporcionados dos bens e serviços essenciais ao desenvolvimento do tecido económico nacional e pouco ou nada contribuem para a dinamização da economia e do emprego, e para alterar um tecido produtivo debilitado, com fraca incorporação científica e tecnológica, de baixo valor acrescentado e fraca inovação.

A Conferência Nacional, tal como aqui também foi patente, vai demonstrar que o actual caminho que a política de direita impõe não é único, nem inexorável, que há alternativa e que há outras soluções capazes de resolver os problemas nacionais e garantir o desenvolvimento do país e melhores condições de vida aos portugueses.

Que é possível uma efectiva mudança no modelo de desenvolvimento do país que decididamente promova a valorização do trabalho nacional, com uma efectiva redistribuição do Rendimento Nacional e uma aposta decidida na educação, na qualificação profissional, no investimento na I&D, no desenvolvimento cultural.

Que é possível dar resposta à grande questão que se tornou num dos problemas centrais da sociedade portuguesa: o crescimento económico, vigoroso e sustentado acima da média europeia, potenciador de emprego e com uma dimensão espacial, social e ambiental.

Que é possível outra política politica orçamental e fiscal, que atenta ao equilíbrio das contas públicas, rompa com o espartilho do PEC promova o investimento público, dinamize o investimento privado e desenvolva as políticas sociais e os serviços públicos na saúde, ensino e segurança social.

Que é possível e exequível concretizar soluções e orientações para a valorização da produção e de defesa e modernização do aparelho produtivo nacional, o combate aos défices externos. 

Que é possível dar resposta aos crescentes desequilíbrios no desenvolvimento que aponte as medidas de combate às assimetrias regionais e assegure a efectiva descentralização e a regionalização das políticas de desenvolvimento regional.

Que é possível pôr de pé uma política que assume a defesa da soberania nacional como questão central e estratégica para a defesa dos interesses nacionais e para a construção de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos.

Que é possível uma nova política em ruptura com o actual modelo de políticas económicas e sociais e capaz de tirar o país da estagnação, da prolongada divergência e do atraso que o prende à cauda da Europa.