Partido Comunista Português
A União Europeia e a Presidência Portuguesa - Intervenção de Ilda Figueiredo
Sexta, 29 Junho 2007
É importante realizar estas jornadas em vésperas do início da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia para o qual se anuncia um salto qualitativo importante no processo de integração capitalista, militarista e federalista.

São claros os objectivos e a linha de conduta dos responsáveis da União. Desde 2004 que sonhavam com o Tratado Constitucional ou a impropriamente dita constituição. Não o conseguiram, graças às lutas dos povos, sobretudo da França e da Holanda, que lhes colocaram um enorme pedregulho na auto-estrada onde seguiam a grande velocidade os interesses do grande capital europeu, cada vez mais transnacional.

Mas as potências europeias continuam com o seu objectivo de conseguir maior poder económico e político, o que exige uma grande concentração de poderes institucionais, cada vez menos democráticos e cada vez mais opacos, o reforço do militarismo e dos mecanismos repressivos para mais facilmente se impor onde for necessário, na Europa ou no mundo, reforçando a sua aliança com a NATO e o imperialismo americano.

Até um dos estrategas da dita constituição europeia, António Vitorino, veio dizer que o mandato da CIG, que querem acelerar, retoma 80% do Tratado Constitucional rejeitado. É certo que foram as lutas dos povos e as contradições entre alguns poderosos que obrigaram a alguns cortes, designadamente do título, e ao adiamento, para 2017, da aplicação do sistema de votação por dupla maioria no Conselho. Mas é grave que a base de trabalho continue a ser o projecto de Tratado Constitucional rejeitado, e que deveria ter sido completamente abandonado.

Apesar da velocidade que querem imprimir ao processo, com o anúncio, pelo primeiro-ministro José Sócrates, do início da CIG para 23 de Julho, teremos algum tempo para verificar como vão resolver as várias contradições e exigências, embora, à partida, se saiba que alguns ganhos obtiveram a Polónia, o Reino Unido e a Holanda. Como aconteceu, anteriormente, por exemplo, com a Dinamarca, cujo povo, em referendo, recusou o euro. Até hoje. Por isso, querem fugir a novos referendos, por medo das suas consequências, fugindo a eventuais novas paragens no processo de integração. Ou então, como aparecem outros a propor, se não for possível fugir a um referendo, que se faça no mesmo dia nos 27 Estados-membros para evitar que o eventual ganho do NÃO num país não influencie os outros, como aconteceu em 2005. São posições inadmissíveis que demonstram o medo que as elites do poder têm do esclarecimento pluralista e do voto dos cidadãos.

Mas, entretanto, foram avançando com o que foi possível, tendo por base o actual Tratado, já suficientemente liberal, sobretudo após Maastricht e Amesterdão.     Nesse caminho de constantes pequenos passos, a que Durão Barrosos chamou a Europa dos resultados, e que tem caracterizado a integração europeia, merecem destaque algumas medidas em curso ou já anunciadas e que, no plano económico e social, se ancoram em cinco instrumentos essenciais: o Pacto de Estabilidade, o Banco Central Europeu, a Estratégia de Lisboa, a PAC e a PCP, a que se adiciona a repartição injusta e classista das cada vez mais insuficientes verbas do orçamento comunitário.

Assim, já para a Cimeira Informal de Ministros da área social, a realizar em 5 e 6 de Julho, em Guimarães, estarão em debate, fundamentalmente, as questões ligadas à aplicação do método aberto de coordenação integrado, que surgiu após a revisão da Estratégia de Lisboa, em 2005, e teve a sua primeira aplicação nos programas nacionais de reforma, de 2006, sobre estratégias de inclusão social, pensões, cuidados de saúde e cuidados de longa duração a juntar às liberalizações dos sectores onde já há directivas. A liberalização em curso dos serviços postais e da energia, que deve estar completada até Julho de 2007, a par da implementação da directiva dos serviços, são pacotes que medem o grau da ofensiva contra os serviços públicos.

Agora, querem incluir a flexigurança neste processo, como é notório no documento entregue esta semana pela Comissão Europeia. Ou seja, querem encontrar forma de controlar o que se passa em cada Estado-Membro na destruição das conquistas laborais dos últimos cem anos, para fragilizar ainda mais as relações contratuais e os vínculos laborais, alterar o tempo e a organização do tempo de trabalho, facilitar despedimentos individuais e sem justa causa, acabar por nivelar por baixo direitos e salários e enfraquecer a organização dos trabalhadores.

Com o pretexto da globalização e do envelhecimento da população, pretendem que o dumping social acabe, não através da melhoria das condições laborais nos países de direitos mais frágeis, mas pela destruição dos direitos mais seguros nos países onde as conquistas dos trabalhadores foram mais longe. E fica melhor explicado o empenhamento das elites portuguesas do poder económico e político em todo este processo de destruição de direitos, que, aliás, em muitos casos, são candeias que vão à frente, como está a acontecer neste processo da flexigurança.

Só que em Portugal, onde a pobreza é das mais elevadas e onde há maior desigualdade na repartição dos rendimentos, é particularmente grave este desmantelamento anunciado do chamado modelo social europeu e os novos passos anunciados, através da prevista terceira versão da Estratégia de Lisboa, em 2008, provavelmente para criar um processo de sanções idêntico ao existente para o Pacto de Estabilidade, não se ficando apenas pelo aprofundamento das suas orientações liberais da revisão de 2005. Essa poderá ser já uma das conclusões do conselho Social de Guimarães.

Na prática, com este dito novo método de trabalho MAC – método aberto de coordenação integrada, e os tais planos nacionais de reforma, o que se está a assistir é a uma crescente intensificação do desmantelamento de sectores públicos, incluindo da segurança social e da saúde. De facto, visam substituir os princípios da universalidade e da solidariedade por um conceito de “serviço público” prestado por diferentes entidades, com pressão cada vez maior para que possam ser entidades privadas, embora com algum financiamento público (resta saber que papel também vai ser definido para a economia social, designadamente na aplicação da directiva serviços). Ou seja, trata-se de criar novas áreas de negócios para os grupos económicos e financeiros europeus e de colocar crescentemente o próprio orçamento de Estado ao seu serviço, através do financiamento do dito”serviço público” que são autorizados a prestar.

No dito mercado de trabalho, onde, depois da criação, há 10 anos, da “estratégia do emprego” e dos seus conceitos de adaptabilidade e empregabilidade, temos o aumento do trabalho precário e das diferentes formas de trabalho atípicas (trabalho a recibos verde, falso trabalho por conta própria, etc) a atingir, no seu conjunto, mais de 40% dos trabalhadores, e a servir de pretexto para novas reformas da legislação laboral e novos ataques aos direitos laborais.

Durante a Presidência Portuguesa, irão certamente avançar com a definição da flexigurança e a alteração da própria directiva de organização do tempo de trabalho, para novos desregulamentos e seu prolongamento efectivo, incluindo a criação do novo conceito de “tempo inactivo de trabalho”, cujo pagamento poderá variar entre zero e 100%, dependendo da força e da luta dos trabalhadores em cada caso.

Simultaneamente com a desregulamentação dos mercados de serviços, de capitais, de mercadorias e laborais, sempre na defesa da sacrossanta concorrência, poderão multiplicar-se os atropelos aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, intensificar-se os controlos dos imigrantes e aprovar-se medidas cada vez mais repressivas.

Quanto ao Pacto de Estabilidade, sabe-se que está a servir para dar apoio às políticas anti-sociais do Governo português. Actualmente, Portugal é o único país com um procedimento do défice excessivo. Ou seja, estamos numa situação idêntica à de 2001, agora que as grandes potências já voltaram ao défice abaixo dos 3%. Esta situação vai, certamente, continuar a ser a principal justificação, nos próximos anos, para as reformas na saúde, na educação e na administração pública, o que vai continuar a pesar na queda do investimento público.

Por outro lado, teremos a entrada de Malta e Chipre, em 2008, na zona euro, o que terá algum impacto político, sobretudo no domínio simbólico, por passar a contar com maioria dos Estados-membros. O todo poderoso BCE terá cada vez maior margem de manobra para prosseguir a subida das taxas de juro e a valorização do euro, o que são más notícias para famílias portuguesas sobre-endividadas e as empresas com fortes problemas de competitividade. Ora, com a revisão do Tratado, aí está um bom momento para o PSE, que criticou o BCE nas reventes jornadas de estudo em Portugal, alterar os seus objectivos e estatutos.

Quanto à Política Agrícola Comum, saliente-se a apresentação, pela Comissão Europeia, a 4 de Julho, da nova proposta sobre a organização comum do mercado do vinho, assunto que terá particular importância no Conselho informal de Agricultura, a 18 de Setembro, no Porto e, lá para o final do ano, o resultado do estudo que estão a fazer para justificar reduções de quota no leite, que poderão ocorrer ainda antes de 2013, incluídas na avaliação e possível revisão da PAC em 2008.

Ainda durante a Presidência Portuguesa, poderemos ter alguma pressão para a discussão do futuro dos fundos estruturais, cada vez mais ligados ao financiamento da liberal Estratégia de Lisboa e com a tentativa de alterar os critérios de elegibilidade, visando preparar a discussão da revisão intercalar das perspectivas financeiras em 2008/2009, que enquadrará também a revisão dos recursos próprios em 2008. É também a política de coesão que está em causa, num momento em que as disparidades regionais continuam a agravar-se, contribuindo, igualmente, para o aumento das disparidades sociais.

Quanto à Política marítima e às pescas é preciso também ter em conta as questões de soberania, incluindo na revisão do Tratado.

Por tudo isto, é tempo de exigir que na revisão do Tratado se criem os mecanismos para travar esta ofensiva, para exigir uma ruptura com estas políticas neoliberais e para dar prioridade à promoção da inclusão social, ao combate à pobreza e às desigualdades económicas e sociais, ao emprego com direitos, à educação pública e de qualidade, à formação e cultura, à investigação, ao desenvolvimento científico e tecnológico ao serviço das pessoas e, portanto, do progresso e desenvolvimento social, o que exige a defesa de um sector público forte, dinâmico e eficiente e o apoio à produção, de acordo com as especificidades de cada país.

Assim, insistimos na revogação do Pacto de Estabilidade, no controlo democrático do Banco Central Europeu, na substituição da Estratégia de Lisboa por uma verdadeira Estratégia de Solidariedade e Desenvolvimento Sustentável, que promova o investimento na qualidade do trabalho, na melhoria da protecção e segurança social pública e universal, em mais e melhores serviços públicos, incluindo a saúde e educação, em políticas e equipamentos públicos de apoio às crianças, às famílias, às pessoas portadoras de deficiência e aos imigrantes, na promoção da igualdade efectiva de direitos e oportunidades, em infra-estruturas de apoio aos sectores produtivos, na protecção do ambiente e na investigação.

Por isso, rejeitamos as propostas contidas no Livro Verde sobre a legislação laboral e a dita flexigurança, recusamos as propostas de novas directivas que pretendem mais liberalizações, defendemos políticas públicas de apoio à produção alimentar, garantindo o rendimento dos agricultores e a biodiversidade, e insistimos em medidas que travem as reestruturações e deslocalizações industriais, garantindo às organizações de trabalhadores o direito de intervenção decisiva em todo o processo.

Na Presidência Portuguesa deviam estar topo no da agenda política as questões que se prendem com a criação de riqueza para conseguir uma produtividade acrescida, a redistribuição com a luta contra as desigualdades em matéria de rendimento e a exclusão social, através da luta contra o desemprego, o trabalho precário e mal pago e a as prestações sociais baixas.

No centro das atenções deviam inscrever-se cinco preocupações fundamentais para obter maior coesão económica e social:
  • travar a escalada das taxas de juro do Banco Central Europeu para impedir o agravamento das injustiças sociais, através da alteração dos seus objectivos e estatutos para conseguir o seu controlo democrático;
  • relançar o investimento público para conseguir criar mais empregos com direitos e diminuir a pobreza e a exclusão social, o que deveria implicar a revogação do Pacto de Estabilidade e substitui-lo por um Pacto para o Emprego e Crescimento, para estimular o investimento público, melhorar a sua eficácia e estabelecendo critérios específicos de ordem económica, social e ambiental, adaptados às necessidades particulares de cada país, dando particular atenção  às infra-estruturas básicas e de apoio à indústria e ao ambiente, à investigação pública e à inovação, a fim de garantir os seus benefícios para todos;
  • dar prioridade ao progresso económico e social, aos direitos dos trabalhadores e das populações, o que deveria implicar a substituição da Estratégia de Lisboa por uma “ Estratégia Europeia para a Solidariedade e o Desenvolvimento Sustentável” que desse particular atenção à qualidade do trabalho em todos os seus aspectos, incluindo na luta contra a discriminação salarial das mulheres; à defesa do direito de informação e consulta dos trabalhadores e luta contra as deslocalizações de multinacionais; à protecção social, visando erradicar a pobreza e combater a exclusão social, aos serviços públicos (de propriedade e gestão públicas), para melhorar a sua qualidade e participação democrática de utentes e trabalhadores, seja nas áreas da educação, saúde, segurança social, água e saneamento básico, seja dos transportes, da energia e dos correios e telecomunicações;
  • promover a agricultura e o mundo rural, melhorando os rendimentos da agricultura familiar e dos pequenos e médios agricultores, dando particular atenção à nova proposta da organização comum do mercado do vinho, na defesa da produção portuguesa da vinha e do vinho;
  • promover a participação democrática dos cidadãos na vida política, designadamente na revisão do Tratado, garantindo a existência de referendos nacionais para a sua aprovação.

Naturalmente que também deve ser dada uma prioridade à cooperação e solidariedade com os povos de todo o mundo, e em particular com os PALOP, com África e a América Latina.

A alternativa que defendemos tem também de respeitar o princípio de Estados soberanos e iguais em direitos, a diversidade cultural e o património da língua e cultura portuguesas.