Partido Comunista Portugu�s
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Avalia??o dos laborat?rios do Estado - Um processo viciado
A Comiss?o para as Quest?es da Ci?ncia e da Tecnologia
Quarta, 23 Abril 1997

Em Dezembro de 1995 o Conselho de Ministrosincumbiu o Ministro da Ci?ncia e da Tecnologia de"desencadear (...) as ac??es necess?rias a umaaprofundada e independente avalia??o do sector p?blico deinvestiga??o", e, em seguida, de obter "propostas dasreformas institucionais e org?nicas que melhor se adequem ?srecomenda??es" resultantes daquela avalia??o. O processoculminaria na apresenta??o, no prazo m?ximo de um ano, das"medidas program?ticas, legislativas, regulamentares efinanceiras necess?rias ? realiza??o da reforma dosector(...)". A metodologia a seguir ? definida peloMinistro da Ci?ncia e Tecnologia, em despacho de 2 de Janeiro de1996, de que s? passado mais de um ano ? dado conhecimentop?blico. Nesse despacho, o Ministro da Ci?ncia e Tecnologiadetermina a constitui??o de um Comit? Internacional deAconselhamento e de sete "grupos internacionais deavalia??o", compostos exclusivamente por "peritosestrangeiros", e, ainda, de sete "comiss?esportuguesas de acompanhamento". Ao longo de 1996 o Ministrofoi despachando a composi??o desses grupos e comiss?es, mass? em finais de Janeiro deste ano, entendeu oportunopublic?-la, embora os processos de avalia??o de v?riasinstitui??es j? viessem de facto, a decorrer, h? algunsmeses.

Passados 15 meses sobre o in?cio de um processo atabalhoado suscept?vel de ter repercuss?es muito negativas sobre o Sistema Cient?fico e Tecnol?gico nacional, importa analisar alguns dos seus aspectos mais significativos, fazendo ao mesmo tempo o ponto poss?vel da situa??o.

Avalia??o duvidosa

Sem p?r em causa a necessidadede proceder a uma reorganiza??o dos laborat?rios que tenha emconta a sua import?ncia estrat?gica e os revitalize - o quen?o ? de todo poss?vel sem o consider?vel refor?o dosrecursos humanos e materiais ? sua disposi??o - importa dizerque o presente processo de avalia??o cont?m aspectosdiscut?veis e que t?m sido contestados: os seus objectivos s?omal definidos, a metodologia ? incorrecta, a participa??o dosinvestigadores e t?cnicos directamente interessados, e queconhecem bem as institui??es, ? marginal. A pr?pria utilidadeda avalia??o, tal como est? a ser conduzida, ? duvidosa.

Em primeiro lugar, ametodologia fixada est? longe de ser pac?fica. ? discut?vel oaparente protagonismo em todo o processo, de especialistasestrangeiros, naturalmente, desconhecedores da realidadenacional. Por outro lado, e ao mesmo tempo que explicitamente sedetermina a divulga??o nas institui??es avaliadas dosrelat?rios dos grupos internacionais, mant?m-se em segredo,at? ? conclus?o do processo, os pareceres que sobre essesrelat?rios as comiss?es portuguesas s?o chamadas a elaborar, eas recomenda??es que entenderem fazer, parecendo recear-se oju?zo que sobre eles e os seus autores poder? fazer acomunidade cient?fica directamente interessada, e interessada,concretamente, numa real independ?ncia da avalia??o.

O papel do Comit?Internacional de Aconselhamento ?, no m?nimo, pouco claro. Comefeito, atribui-se-lhe a compet?ncia para "aprovar osrelat?rios redigidos pelos grupos internacionais deavalia??o", sobre os quais ter?o entretanto reca?do oscoment?rios (por vezes acentuadamente negativos),"individuais ou colectivos", nascidos no interior dasinstitui??es avaliadas e expressamente solicitados peloMinistro, dos quais se ignora que destino ter?o. Outra fun??oeminente do referido Comit?, consistiria em assegurar acoer?ncia da avalia??o, coisa que a simples leitura dosrelat?rios produzidos mostra n?o ter sido conseguido, desdelogo em aspectos t?o essenciais como o de saber que crit?riosde avalia??o deveriam ser usados. ? tamb?m estranho que o"despacho metodol?gico" do Ministro da Ci?ncia e daTecnologia n?o determine que os pareceres e as recomenda??esproduzidos pelas comiss?es portuguesas de acompanhamento sejamnecessariamente dados a conhecer aos grupos internacionais deavalia??o "acompanhados".

Estranham-se, finalmente, as demoras que emcertos casos se verificaram na realiza??o das visitas dosgrupos internacionais de avalia??o, bem como no envio paraaprecia??o pelos organismos avaliados e pelas comiss?esportuguesas de acompanhamento, dos relat?rios dos avaliadoresestrangeiros.

Esta grande confus?o de processos, de ideias e de compet?ncias, criou uma situa??o prop?cia ?s movimenta??es de interesses restritos instalados ou com acesso ao poder pol?tico, em que ? patente o risco do recurso a especialistas estrangeiros de renome, contrariamente ao prop?sito oficialmente anunciado, acabar por ser utilizado como simples disfarce para a concretiza??o de objectivos pre-determinados por esses interesses.

Relat?rios "preliminares"

Os relat?rios "preliminares" deavalia??o j? produzidos revelam claramente metodologias eobjectivos diversos, al?m de diferente profundidade (ousuperficialidade) de an?lise, o que, desde logo, p?e em causa aconcep??o e a coer?ncia do processo global, bem como o realempenho e a compet?ncia da estrutura de avalia??o criada.

Os v?rios relat?rios convergem, todavia, naverifica??o da exist?ncia de um sistem?tico sub-financiamentodos laborat?rios do Estado, tanto no que respeita aofuncionamento como no que toca ao investimento. Convergem tamb?mno reconhecimento do envelhecimento dos corpos cient?fico et?cnico, resultante do sistem?tico congelamento de admiss?es.

H? recomenda??es comuns aos v?riosrelat?rios, com destaque para as seguintes:

  • mais clara defini??o das miss?es institucionais e das estruturas org?nicas que lhes correspondem;
  • maior autonomia e responsabiliza??o dos laborat?rios e das suas unidades org?nicas;
  • melhor gest?o, controlo de execu??o e acompanhamento de projectos;
  • refor?o da articula??o interna e interdisciplinaridade dos projectos;
  • refor?o de estruturas e mecanismos de articula??o externa e de transfer?ncia para o exterior, de conhecimentos e saber-fazer;
  • maior colabora??o e mobilidade de investigadores e outro pessoal, entre os Laborat?rios, as Universidades e as Empresas;

V?rios relat?rios destacam:

  • a import?ncia do patrim?nio acumulado, humano, documental e instrumental;
  • a import?ncia da actividade desenvolvida e que vem sendo prosseguida, no dom?nio da forma??o avan?ada e especializada.

A par das converg?ncias anteriores quecorrespondem ao reconhecimento de realidades insofism?veis quemarcam todos as institui??es avaliadas, ali?s bem conhecidas erepetidas vezes sublinhadas em textos desta Comiss?o e pelostrabalhadores dos laborat?rios, os v?rios relat?rios divergemem outros aspectos importantes, como sejam:

  • umas vezes ? valorizada e encorajada a participa??o em projectos internacionais (ali?s fonte de financiamento e de motiva??o, de outro modo inexistentes); outras vezes, essa participa??o ? condenada;
  • umas vezes reconhece-se o esfor?o dos Laborat?rios na cria??o de conhecimentos e na transfer?ncia de tecnologia para os diferentes sectores de actividade econ?mica e social, e apontam-se as insufici?ncias de outras estruturas ou das pol?ticas governamentais que deveriam potenciar esse esfor?o; outras vezes atribui-se-lhes a responsabilidade pelos magros resultados alcan?ados neste cap?tulo (como se os laborat?rios pudessem ser responsabilizados por defici?ncias e omiss?es que necessariamente os ultrapassam);
  • umas vezes ? real?ado o valor do potencial humano das institui??es, considerado subaproveitado; outras vezes, prop?e-se, sem pudor, a reforma antecipada dos potencialmente mais competentes e, bem ou mal, mais experientes, como solu??o para repor uma estrutura et?ria distorcida por uma prolongada pol?tica de congelamento de admiss?es !

Que pol?tica?

A superficialidade, duvidosa qualidade elimitada relev?ncia de alguns dos relat?rios j? produzidos,comprovam que compet?ncia n?o ? um valor absoluto,independente das circunst?ncias, do tempo e do lugar. Qual seriao desempenho dos avaliadores se trabalhassem nas condi??esadversas com que se defrontam os investigadores portugueses?

A possibilidade de fundamentar neste processode avalia??o, uma reforma coerente e ?til para o Pa?s, dosector p?blico de investiga??o, ?, certamente, muito remota.Pelo contr?rio, h? o perigo de que venham a ser invocados forade contexto aspectos parcelares de uma avalia??o toda ela j?de si descontextualizada do Pa?s real e de um passado decontinuada degrada??o dos laborat?rios, sustentada porpol?ticas que de facto ignoram como se faz e para que serveinvestiga??o e desenvolvimento (I&DE), e fazem prevaleceruma vis?o objectivamente obscurantista, no plano da cultura, eeconomicista de curto prazo, no plano dos recursos e dosbenef?cios materiais. H? o perigo de ver lan?ar novasiniciativas que contribuam para prosseguir a degrada??o dascondi??es de trabalho que se verifica desde h? mais de dezanos.

A inten??o de avaliar e de reformar o sectorp?blico de investiga??o e desenvolvimento experimental surgeassim como um projecto de resultados cada vez maisproblem?ticos. Justifica-se e ? eficaz centrar a observa??o ea cr?tica nos laborat?rios p?blicos, sem que, antes, o Governoclarifique as suas pol?ticas sectoriais de desenvolvimentosocio-econ?mico e, fundamentadamente, identifique parceiros eafecte os recursos para tal necess?rios ? ? justo e eficazcentrar a aten??o e a cr?tica nos laborat?rios, ignorando oucamuflando a actua??o e a parte de responsabilidade dos agentesecon?micos e das autoridades pol?tico-administrativas ?Pretende-se esconder que o capital privado n?o participa noesfor?o de inova??o tecnol?gica de base nacional ?Pretende-se fazer esquecer que os Governos mant?m congelados osrecrutamentos, bloqueiam a revis?o dos quadros de pessoal dosLaborat?rios e continuam persistentemente a subfinanciar ainvestiga??o cient?fica e tecnol?gica ? Ou que o Or?amentode Estado para os Laborat?rios decresceu quase 8%, em termosreais, entre 1996 e 1997, e que o esfor?o nacional em I&DEse queda ainda ao n?vel de 0,7% do PIB ?

Recorde-se que os ?ltimos governos, com oapoio de fundos do I e II Quadros Comunit?rios de Apoio,promoveram o investimento de muitas dezenas de milh?es de contosna cria??o e refor?o de infraestruturas C&T, em muitoscasos, de algum modo associadas a laborat?rios do Estado, semque os destinos dessas aplica??es de fundos tenham sidocompletamente divulgados nem avaliados os efeitos estruturantesdos investimentos feitos. ? necess?rio tornar inteiramenteclaras essas situa??es e que as correspondentesresponsabilidades pol?ticas e administrativas sejam assumidasperante o pa?s e a comunidade cient?fica em particular.

N?o ser? justo nem eficaz p?r em causa oslaborat?rios do Estado e n?o cuidar de outras institui??escom as quais a actividade daqueles necessariamente se articula eatrav?s das quais se projectam na sociedade. ? urgente analisarmiss?es, condi??es de funcionamento e desempenho deDirec??es Regionais, Servi?os de Extens?o, Infraestruturas eCentros Tecnol?gicos; do Instituto Portugu?s de Qualidade e dosLaborat?rios de Metrologia; do Instituto da Coopera??oPortuguesa, etc. etc. etc.

N?o ?, na verdade, relevante, actuar apenas ao n?vel dos laborat?rios sectoriais sem actuar concertadamente junto dos agentes socio-econ?micos; sem dispor de uma pol?tica de I&DE que forme com as demais pol?ticas sectoriais um todo consistente, no sentido de promover a intensifica??o tecnol?gica, a requalifica??o da for?a de trabalho e o aumento da efic?cia dos servi?os prestados e da produtividade dos operadores econ?micos e sociais, a come?ar pelos pr?prios organismos do Estado.

Afirma o PCP

Os laborat?rios do Estado, constituem umaparte muito importante e insubstitu?vel do conjunto de recursos,humanos e materiais, afectos a actividades de investiga??o edesenvolvimento. Aos laborat?rios do Estado cabe, em primeiralinha, realizar trabalho de investiga??o aplicada,desenvolvimento experimental, e demonstra??o de novos produtose processos; assegurar a presta??o ou o suporte ? presta??o,de servi?os especializados de elevado conte?docient?fico-t?cnico (servi?os de sa?de; protec??o do meioambiente; previs?o do tempo; telecomunica??es - para citaralguns exemplos), e, ainda, promover, a extens?o do conhecimentot?cnico a utilizadores, individuais e colectivos, a quem esseconhecimento interessa directamente para a execu??o de tarefasprodutivas. Por outro lado, os laborat?rios podem e devem serchamados a desempenhar uma importante fun??o de consultoria,nomeadamente, junto dos ?rg?os de soberania, Parlamento eGoverno, e da Administra??o P?blica em geral. Trata-se de umafun??o indispens?vel ao estabelecimento e acompanhamento daexecu??o de pol?ticas sectoriais; ? elabora??o outransposi??o para o ordenamento jur?dico nacional, de normas eregulamentos; e, no plano internacional, ? coopera??o e ?negocia??o de tratados e conv?nios, nos mais diversosdom?nios. Fun??o indispens?vel num Estado moderno, e,naturalmente, de import?ncia tanto maior, quanto mais relevantefor a componente t?cnico-cient?fica dessas actividades.

No decurso dos ?ltimos dez anos, a situa??odos laborat?rios do Estado, considerada no seu conjunto,agravou-se significativamente. No entender da Comiss?o para asquest?es da Ci?ncia e da Tecnologia do PCP a situa??o exige,em primeiro lugar, o lan?amento de um pacote de medidas deemerg?ncia para suster a degrada??o dos laborat?rios; eem segundo lugar, a organiza??o de um amplo debate nacionalsobre o papel do sector p?blico de investiga??o na sociedadeportuguesa, um dos pilares em que deve assentar o sistemacient?fico e tecnol?gico nacional, e sobre as linhas da suareforma democr?tica. Quanto ?s medidas de emerg?ncia,elas devem incluir o recrutamento imediato de pessoalinvestigador e t?cnico, para sectores, grupos e infraestruturas,amea?ados de extin??o a curto prazo, por car?ncia de meioshumanos; e injec??es localizadas de capital, para permitir odesenvolvimento de actividades, que se arrastam, ano ap?s ano,em penosa letargia, v?timas de sub-financiamento cr?nico, eassegurar a renova??o de equipamentos e instala??es emsitua??o de ruptura. Medidas a acertar, naturalmente, com oslaborat?rios, e passando necessariamente por um verdadeirodi?logo com os que neles trabalham.

Quanto ao debate nacional, que ?urgente, ele dever? envolver todos os parceiros sociaisinteressados, em particular, parceiros do sector produtivo e dosservi?os, e a pr?pria Assembleia da Rep?blica.

Sem transpar?ncia e sem di?logo, sem a efectiva participa??o dos trabalhadores do sector, investigadores e t?cnicos, n?o ? poss?vel revitalizar o sector p?blico da investiga??o. Hoje e no futuro, o desenvolvimento do Pa?s, a constru??o de uma vida melhor para os portugueses, depende da capacidade colectiva de dominar e aplicar novos conhecimentos cient?ficos e t?cnicos, e de os p?r ao servi?o da comunidade. Para estimular essa capacidade, h? que investir, em primeiro lugar, na educa??o e na forma??o profissional, mas h? que investir tamb?m, e decididamente, na consolida??o e no desenvolvimento das infraestruturas nacionais de I&DE, vocacionadas para uma interven??o econ?mica e social, que s?o os laborat?rios do Estado.