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A Agricultura Portuguesa Hoje - 20 Anos de profundas alterações-(Notas e Propostas do PCP)
Sábado, 09 Junho 2007


 

A Agricultura Portuguesa Hoje

20 Anos de profundas alterações

(Notas e Propostas do PCP)

 

 

I

Estrutura Agrária, Processo Produtivo e População Activa

 

As explorações agrícolas

No período de 1989 - 2006 desapareceram mais de 250 mil explorações e a área média das explorações passou de 7,0 para 12,0 hectares.

Cresceu a concentração da terra, verificando-se que a Superfície Agrícola Útil (SAU) das explorações com mais de 100 hectares cresceu 12%, a SAU das explorações entre 50 e 100 hectares aumentou 25%, a SAU das explorações com menos de 50 hectares diminuiu 34%.

A superfície irrigável diminuiu 30%, tendo passado de cerca de 870 mil hectares para 610 mil e a área actualmente regada representa 70% da área irrigável, cerca de 450 mil hectares.

A agricultura familiar continua a constituir o tipo de estrutura produtiva predominante, representando cerca de 95% do total das explorações, correspondendo a mais de 50% da SAU, ocupando cerca de 85% das unidades de trabalho agrícola (UTA) e contribuindo com mais de 60% para a margem bruta standard (MBS) agrícola. Acentuou-se a diferenciação das explorações familiares, com reflexos na sua função social predominante e na sua relação com a produção e as políticas agrícolas:

  • as explorações em que o rendimento familiar dos agricultores é oriundo predominantemente da exploração (100% ou mais de 50%) representam 34% das explorações, ocupam 38% da SAU, têm uma área média de 9,2 hectares, contribuem com cerca de 45% para a MBS agrícola, são local de residência para 36% da população activa agrícola (PAA). São explorações com uma clara função de produção agrícola;
  • as explorações em que o rendimento da família dos agricultores é oriundo predominantemente de actividades exteriores à exploração representam 62% das explorações, ocupam 22% da SAU, têm uma área média de 2,8 hectares, contribuem com menos de 30% para a MBS agrícola, são local de residência de mais de 60% da PAA. São explorações com uma marcada função residencial e uma actividade agrícola complementar, em que as opções e decisões produtivas radicam sobretudo em critérios de preservação dos equilíbrios da economia familiar, para a qual são determinantes os rendimentos exteriores à exploração agrícola.

 

A superfície cultivada

Diminuiu a superfície cultivada, tendo as culturas temporárias passado de cerca de um milhão e 300 mil hectares para cerca de 850 mil (-37%), salientando-se em particular a queda dos cereais. As culturas permanentes passaram de cerca de 780 mil hectares para 640 mil (-17%).

As pastagens permanentes passaram de cerca de 750 mil hectares para cerca de 1 milhão e 660 mil (+120%), devido sobretudo ao crescimento da área das pastagens espontâneas.

A ocupação cultural da SAU tem sido fortemente condicionada pelas situações de pluriactividade e pluri-rendimento, e pela relação das ajudas monetárias totais (directas e suporte de preços) com o rendimento líquido total, como evidencia um recente trabalho de investigação.

Apenas em cerca de 38% da SAU, nas situações em que a relação das ajudas totais com o rendimento líquido total das explorações é inferior a 50%, as opções culturais e decisões de produção são assumidas em função do mercado; acresce, no entanto, que em cerca de 13% da SAU tais opções e decisões em função do mercado estão subordinadas a actividades e rendimentos exteriores.

Em cerca de 62% da SAU, nas situações em que a relação das ajudas totais com o rendimento líquido total é superior a 50%, as opções culturais e decisões de produção pautam-se fundamentalmente por critérios de obtenção de subsídios. Nas situações em que a relação da componente ajudas directas com as ajudas totais é superior a 50%, o que se verifica em 45% da SAU, as decisões de produção pautam-se apenas pelo objectivo de maximização dos subsídios, e não por quaisquer critérios económicos. Com efeito, nestas situações, a actividade produtiva apenas precisa de ser simulada, pois o montante das ajudas não depende da produção obtida, mas apenas da área e do efectivo pecuário existente.

Tecnologia e economia

No período de 1989 - 2005 o número médio de hectares de SAU / UTA cresceu de 4,1 hectares para 11,0, salientando-se a passagem de 50,4 hectares / UTA para 77 hectares, no escalão de área entre 50 e 100 hectares, mas na UE o valor médio daquele indicador é de 18,0 hectares.

Aumentou o processo de externalização das explorações (recurso a equipamentos e serviços exteriores à exploração) através do aluguer de máquinas, da utilização de equipamentos de ordenha, da vinificação, de serviços de gestão e contabilidade, de elaboração de projectos, dos serviços de sanidade animal.

Aprofundou-se a investigação genética vegetal e animal, emerge a genética molecular e acentuou-se a difusão de variedades vegetais e espécies animais melhoradas. Acentua-se a difusão de tecnologias de protecção ambiental e conservação da natureza: tecnologias agro-biológicas, protecção integrada, produção integrada.

Cresceu a produtividade, mas a agricultura portuguesa, no início desta década, estava ainda longe da agricultura da União Europeia. Dois indicadores relativos ao triénio de 1998 - 99 - 00 são significativos: o rendimento das explorações era de cerca de 32% relativamente à média da UE / 15 e a competitividade de cerca de 35%, verificando-se porém situações diversificadas regionalmente.

Não obstante, a taxa de cobertura do conjunto das importações agro-alimentares (da União Europeia e dos países terceiros) subiu, entre 1995 e 2005, de 37% para 45%.

 

A questão ambiental

É na década de 90 que as questões do ambiente, da preservação e conservação da natureza, chegam aos agricultores e à opinião pública em Portugal, não obstante já há muito estivessem presentes no meio técnico e científico. Dois factores foram decisivos:

  • O aparecimento, com significativo impacto nos consumidores e na opinião pública em geral, de patologias animais e diversas ocorrências consideradas como desastres ecológicos - extinção de espécies animais e vegetais, degradação dos recursos biológicos e da biodiversidade, da qualidade da água e do solo, desflorestação e monocultura florestal, acumulação de toxicidades na cadeia alimentar;
  • A reforma da Política Agrícola Comum (PAC) de 1992, em resultado da inflexão da PAC, que tinha como eixos essenciais o apoio ao investimento, a garantia de preços e do escoamento interno e externo da produção agrícola. O êxito desta política resolveu a questão alimentar europeia e tornou a União Europeia uma região continental exportadora de alimentos. Mas no plano técnico levou à promoção de um modelo produtivista, com as consequências negativas que se conhecem na degradação da natureza e da qualidade alimentar. No plano económico e financeiro, à acumulação até limites inimagináveis de excedentes alimentares, e à absorção pela PAC de mais de 50% do orçamento comunitário. No plano social, à concentração de apoios e ajudas financeiras numa minoria de agricultores e nos países do Centro e Norte da Europa.

É neste quadro, em que às razões de natureza ambiental se associam razões de natureza económica e financeira e o alargamento da União aos países do Leste europeu, que a reforma de 1992, posteriormente prosseguida pela Agenda 2000, que a PAC começa a dar grande ênfase às políticas agro-ambientais e assume a preocupação com a defesa e preservação do ambiente.

No momento actual, consolida-se a opinião de que a natureza deixou de ser um terreno a conquistar e a dominar, mas um campo a utilizar, a preservar e a defender, e que a agricultura tem de assumir a necessidade de conciliar a tecnologia e as decisões de produção com a natureza e os equilíbrios ambientais.

 

A População Activa Agrícola

De acordo com os Recenseamentos Agrícolas de 1989 e 1999 (publicado pelo INE em 2001), a População Activa Agrícola (PAA) diminui neste período 30%, passando o seu total de 1550974 parar 1089341 indivíduos, perdendo 461633 activos.

Os produtores autónomos (familiares) foram o grupo social que teve maior diminuição, cerca de 31%; os empresários individuais reduziram-se 22%; as sociedades cresceram 39%, passando de 3964 para 5503; os assalariados permanentes tiveram uma redução de 20%; o trabalho eventual teve uma redução de 26% de UTA;

A composição social da PAA reflecte a predominância da agricultura familiar na agricultura portuguesa: do total de 414811 agricultores 95% são agricultores autónomos (familiares), 4% são empresários individuais, 1,3% são sociedades (produtor colectivo); os trabalhadores familiares totalizam 613367; os trabalhadores assalariados permanentes totalizam 61613 indivíduos; os trabalhadores eventuais não são contabilizados individualmente, sendo o seu trabalho identificado por unidades de trabalho agrícola (UTA: trabalho realizado por uma pessoa em 275 dias do ano a tempo completo - 8 horas diárias), as quais totalizam 46970 UTA.

A situação etária agravou-se: o conjunto da população agrícola familiar (agricultores e trabalhadores familiares) com menos de 25 anos passou de 33% para 24% e com mais de 65 anos cresceu de 17% para 25%; os assalariados permanentes com mais de 65 anos cresceram 49%, tendo o seu peso na respectiva estrutura etária passado de 5% para 9%.

Particularmente significativa é a evolução dos agricultores com menos de 45 anos, cujo peso no conjunto de agricultores baixou de 20% para 16%, enquanto o peso daqueles com mais de 65 anos cresceu de 29% para 38%, evidenciando o fracasso das políticas de rejuvenescimento do tecido social produtivo, e particularmente da instalação de jovens agricultores.

A PAA apresenta um elevado grau de pluriactividade constatando-se que apenas 13% trabalham a tempo completo na agricultura, situação esta que atinge todos os grupos sociais: dos produtores singulares trabalham a tempo completo 16% e 50% utilizam menos de 50% do seu tempo de actividade na exploração; dos trabalhadores familiares trabalham a tempo completo 7% e 74% ocupam menos de 50% do tempo de actividade na exploração; dos trabalhadores permanentes 57% trabalha a tempo completo.

No período em referência, 1989 - 1999, os activos agrícolas a trabalhar a tempo completo tiveram uma redução de 48%, passando de 270235 para 141519 (menos 128716), verificando-se o maior decréscimo nos trabalhadores familiares (65948; menos 62%) e nos produtores singulares (56745; menos 48%).

 

II

Agricultura, Espaço e Sociedade Rurais

 

O êxodo rural nos anos 60, a industrialização e urbanização, a crescente pluriactividade e pluri-rendimento, a previdência do início dos anos 70 e, mais recentemente, as actividades das autarquias após o 25 de Abril, os subsídios e fundos da PAC após 1986, foram factores que contribuíram marcadamente para a significativa evolução do espaço e sociedade rurais, assim como da sua relação com a agricultura.

Evolução desigual, naturalmente, e influenciada pelos diferentes níveis de desenvolvimento económico regional, pelos condicionalismos naturais da produção agrícola e pela estrutura agrária, como se constata em algumas regiões do País.

No Norte Litoral (Litoral a Norte de Lisboa com excepção de quase todo o distrito de Viana do Castelo, cujas características se integram mais no Norte Interior) o rendimento das famílias tem origem principalmente exterior à exploração agrícola.

É uma região muito povoada, em que se verifica o crescimento da população residente e da população activa. A população rural representa 60% da população residente, registando-se porém o declínio da PAA.

Cerca de 25% da população activa não agrícola reside nas explorações agrícolas e a vitalidade e contornos do espaço e da sociedade rurais decorre do entrecruzamento através do mercado de trabalho entre a agricultura e outros sectores económicos.

No Norte Interior (Vila Real, Bragança, Viseu, Guarda e Viana do Castelo) o sector agrícola tem uma presença acentuada no espaço rural.

Tal como a região atrás referida, a estrutura agrária dominante é a exploração familiar, cuja pequena dimensão limita o aproveitamento extensivo da terra, sendo a zona onde se verifica a maior expansão de incultos, quase o dobro da média do continente. Verifica-se também alguma articulação através do mercado de trabalho com outras actividades económicas, porém menos significativas do que no Norte Litoral.

Os subsídios às explorações agrícolas e a previdência têm importância significativa nos rendimentos das famílias dos agricultores, mas são as remessas da emigração que têm maior peso, com reflexos no mercado fundiário e na construção civil.

A densidade populacional é cerca de 50% da média do continente, correspondendo a população rural a cerca de 75% da população residente, sendo que a pequena exploração constitui ainda uma base de enraizamento populacional.

Note-se, porém, que a diminuição da população abriu já manchas onde nem a agricultura nem as remessas de emigração impediram o abandono de casas e terras.

Na região de Lisboa e parte estremenha de Setúbal a componente rural é muito débil, é uma zona vincadamente marcada por estruturas urbanas, correspondendo a população rural a menos de 25%.

Mesmo na componente rural a agricultura tem um peso diminuto, sendo caracterizada pelo abastecimento dos centros urbanos de produtos hortofrutícolas, pela pecuária sem terra e pela mancha vitícola de Torres Vedras. Nesta zona, a agricultura está claramente condicionada pela expansão urbana, a procura de terrenos para a indústria e o mercado de residências secundárias.

O Alentejo é a região menos povoada do País, com uma densidade de 20 habitantes/km2, onde nos últimos anos diminuiu fortemente a população residente e a população activa.

A sociedade rural tem aqui um fácies claramente agrícola, caracterizando-se pela predominância dos grandes domínios fundiários que bloqueiam qualquer possibilidade de enraizamento à terra através de pequenas e médias explorações, com a dimensão adequada às características edafo-climáticas da região.

Com a liquidação da Reforma Agrária, que tinha aberto o caminho que garantia o trabalho, desenvolvia a produção, permitia a fixação da população, nomeadamente num quadro de articulação com outras actividades económicas, predomina de novo o latifúndio, sustentado agora pelos subsídios da PAC, enquanto o proletariado agrícola se esvai por emigração e envelhecimento e cresce a desertificação social.

Após a reforma da PAC de 1992, a situação da região agravou-se com as ajudas directas/subsídios aos rendimentos em função da área. Nas situações em que a relação destas ajudas com as ajudas totais foi superior a 50%, as decisões de produção não se centraram em opções de natureza económica mas, fundamentalmente, em critérios de maximização dos subsídios até ao limite do possível, visando apenas rentabilizar os direitos legais da propriedade, isto é, a captação de uma renda fundiária. Esta reforma constituiu mais um factor de bloqueamento do desenvolvimento agrícola da região e um incentivo ao imobilismo produtivo, perante a passividade de diversos governos, que abdicaram mesmo de utilizar instrumentos previstos na PAC que, de algum modo, podiam atenuar esta situação e, com tal decisão, beneficiar pequenos e médios agricultores.

Num trabalho recentemente publicado refere-se que, na região de Beja, se identificam, após a Reforma Agrária, três grupos de grandes proprietários. «Um dos grupos é o dos antigos proprietários que está, frequentemente, associado à nobreza agrária (...). Não são particularmente inovadores (...); mantêm uma rede fechada, apesar de muitos deles poderem ser considerados literalmente falidos e continuam a ter uma aura de elite. Um segundo grupo consiste nos proprietários empreendedores, na sua maioria jovens, que lutam para conseguir que a sua empresa seja viável e se mantêm em contacto directo com a gestão das explorações e com as inovações agrícolas. O último grupo pode ser descrito como "caçadores de subsídios" ou "subsidiocultores" (...). A sua estratégia é estar a par da política de subsídios da Comunidade Europeia e tirar deles o máximo proveito, ajustando as suas estratégias de gestão agrícola de modo a obter o máximo rendimento possível, despendendo o mínimo esforço».

A inviabilização de qualquer estruturação fundiária pelo Governo do PS, com o apoio dos partidos da direita, mesmo apenas no perímetro de rega de Alqueva, assim como a debilidade produtiva não agrícola, indiciam a continuidade da erosão da sociedade rural e a alternativa dos assalariados é o êxodo definitivo.

Este quadro geral deve ser completado com a multiplicação, nos últimos anos, de áreas intensivas de vinha e olival (em geral regadas), avultando a presença de empresários espanhóis com uma significativa aquisição/arrendamento de terras, inclusive no Perímetro do Regadio de Alqueva.

 

III

Relação da Agricultura com a Economia e a Sociedade

 

A agricultura perdeu peso na economia e no emprego, tendo nas últimas décadas o seu peso na economia passado de 15% para 4%, e no emprego de 31% para 5%.

Perdeu peso no próprio espaço rural onde hoje a população agrícola já não coincide com a população rural e a «agricultura já não unifica o espaço rural».

A capacidade produtiva agrícola cresceu significativamente, mas a agricultura retirou-se de grandes manchas do território e desenham-se outros destinos para a terra agrícola. Em muitas regiões, os residentes no meio rural já não se identificam com as profissões agrícolas.

Os incultos, que em meados do século XX foram considerados extintos, surgem de novo, «mas agora não são já uma fronteira de expansão da actividade agrícola, mas manchas que marcam os limites, ainda em retracção, do aproveitamento agrícola do território».

Atenua-se o peso da terra na estruturação das relações sociais.

Até há umas décadas atrás a questão central que se colocava à agricultura era o crescimento da produção para satisfazer as necessidades das populações. Hoje, nos países desenvolvidos, e no quadro de um mercado aberto, a situação inverteu-se e a questão que crescentemente se coloca aos agricultores é a capacidade de a agricultura dar resposta às exigências do consumo, tanto no preço como na qualidade dos produtos.

A evolução da agricultura portuguesa não se afasta da tendência geral das alterações da posição relativa da agricultura face aos outros sectores económicos, e à economia no seu conjunto, dos países desenvolvidos. Mas o seu impacto tem gradações distintas de país para país, sendo particularmente gravoso quando ocorre num quadro geral de crise económica e social e das políticas agrícolas de direita, como ocorre em Portugal.

 

IV

As Políticas Agrícolas de Direita

 

A situação da agricultura não resulta apenas da PAC, do peso predominante que os sectores produtivos do Centro e Norte da Europa têm nas políticas comunitárias, face aos sectores produtivos característicos da agricultura mediterrânica. Nem até das pressões da globalização capitalista e da Organização Mundial do Comércio, sem prejuízo dos condicionalismos e restrições que esta vem crescentemente a impor às agriculturas nacionais.

Na situação actual da agricultura tiveram um peso essencial as políticas agrícolas nacionais dos governos do PS, PSD, CD/PP, sozinhos ou em coligação, quer no que respeita à defesa dos interesses nacionais, à regulação do processo evolutivo da agricultura e atenuação dos impactos negativos da adesão no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC), quer relativamente às políticas prosseguidas no âmbito da sua própria esfera de competências.

Estes últimos 20 anos, caracterizados por duas reformas e orientações contraditórias da PAC, foram perpassados por uma política agrícola nacional pautada, fundamentalmente, por três vectores essenciais:

  • A submissão em geral às orientações da PAC, chegando, em diversas situações, a assumir posições da abdicação de instrumentos de salvaguarda da agricultura do País e de defesa da sua especificidade;
  • A não definição de uma estratégia de desenvolvimento da agricultura que permitisse adequar o perfil produtivo às condições naturais e às exigências competitivas de um mercado aberto e dos equilíbrios agro-ambientais;
  • Uma afectação de recursos financeiros marcadamente de classe, socialmente distorcida, centrada nos sectores produtivos predominantes na região do latifúndio, rejeitando mesmo quaisquer medidas de modulação (previstas, aliás, na PAC), designadamente em matéria de ajudas directas, as quais, sobretudo no Sul, constituíram um incentivo ao imobilismo produtivo na região.

As consequências destas políticas estão à vista.

Não obstante o período de adesão ter sido, certamente, aquele em que a agricultura dispôs de maior volume de meios financeiros da sua história, a situação do sector continua a evidenciar uma significativa distância das agriculturas da União Europeia, nos planos técnico-económico e social.

 

V

Uma Nova Política Agrícola

 

Porém, o País não está condenado a ver reduzida a sua agricultura a uma situação residual. Apesar desta evolução, a agricultura continua a ter um papel significativo no aprovisionamento alimentar, na satisfação de bens e serviços e na oferta de matéria-prima para a indústria agro-alimentar. Acresce, ainda, o papel crescentemente relevante que os agricultores são chamados a desempenhar na defesa do ambiente e da conservação da natureza, hoje manifestamente valorizados pela sociedade.

É necessária uma nova política agrícola que enraíze na realidade existente, tenha em conta o contexto actual dos mercados comunitário e mundial, e que a tendência actualmente dominante na União Europeia aponta para a retracção do orçamento agrícola. Mas uma política agrícola que não se conforme com as imposições e limitações a que a União Europeia e a PAC pretendem reduzir a agricultura do País.

Uma política que tenha como objectivos centrais:

§       Melhoria dos rendimentos, condições de vida e de trabalho dos agricultores e trabalhadores agrícolas, e defesa da pequena e média agricultura.

§       Desenvolvimento integrado da agricultura nas suas dimensões agro-produtiva, agro-ambiental e agro-rural, tendo em conta a inter-relação das situações de pluriactividade e pluri-rendimento com a economia das explorações.

§       Assegurar níveis adequados de satisfação das necessidades do consumo (soberania alimentar) e de segurança da qualidade alimentar do país, invertendo o rumo até agora seguido.

§       Contribuir para a atenuação das assimetrias regionais, estabelecimento de equilíbrios territoriais, denominadamente demográficos e etários, do espaço rural.

 

Para a concretização destes objectivos, o PCP propõe as seguintes orientações e medidas:

§       Definição de uma estratégia agro-produtiva que tenha em conta as vantagens comparativas naturais e a necessidade de crescimento dos níveis de produtividade e produção, quantitativa e qualitativa, da agricultura portuguesa; reconversão dos sistemas produtivos privilegiando-se as produções adequadas às condições edafo-climáticas e às características mediterrânicas do país, evitando monoculturas, diminuindo a burocracia e o tempo de espera para a introdução de novas culturas.

§       Desenvolvimento da floresta nacional, assegurando um ordenamento florestal com base na diversificação das espécies, que tenha em conta a revitalização e preservação da floresta mediterrânica; protecção dos ecossistemas florestais (montados e dunas) e medidas efectivas de defesa e combate aos fogos florestais, com efectiva prioridade para a sua prevenção; assente na consideração das diferentes realidades sociais e racionalidades de gestão e económicas, nomeadamente o sector comunitário dos baldios, o que impõe a plena regulamentação e execução da Lei de Bases da Política Florestal, designadamente quanto à definição dos mecanismos financeiros e fiscais e à concretização no terreno dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) e dos Planos de Gestão Florestal (PGF).

§         O fomento tecnológico, tendo como referências a valorização das áreas regadas, as tecnologias agro-ambientais, a qualidade alimentar, a preservação da natureza;

§       Fomento dos recursos hídricos, o que exige a identificação dos sistemas culturais adequados e que, no respeitante ao empreendimento hidro-agrícola de Alqueva, implica também a democratização do acesso à terra e a reestruturação fundiária do perímetro de rega.

§       Fomento dos sectores agro-alimentares da transformação e comercialização e valorização comercial dos produtos, dando particular relevo ao reforço do associativismo e cooperativismo agrícolas, e defesa do mercado interno, designadamente no que respeita às medidas de controlo da qualidade das importações, factor da maior relevância para produtores e consumidores; apoios financeiros para o desenvolvimento dos mercados locais e regionais.

§       Inserção das políticas de formação profissional agrária no quadro de uma estratégia produtiva nacional, quer através da assunção pelo Estado das suas responsabilidades nesta matéria, quer do reforço da sua intervenção no controlo e aprovação das candidaturas apresentadas pelas entidades promotoras, tendo em conta tanto a relação das acções com as actividades produtivas regionais em que se inserem, como a sua qualidade técnico-pedagógica e os critérios de selecção dos formandos.

§       Desenvolvimento da investigação agrária e fomento de uma política integrada de articulação da trilogia investigação - formação - extensão, elemento fundamental da qualificação da força de trabalho.

§       Apoio e valorização das políticas de desenvolvimento rural, defesa da natureza e preservação da biodiversidade e fomento da produção agro-ambiental e das tecnologias não poluentes da produção e protecção integradas; promoção do agroturismo como fonte de rendimento dos agricultores e valorização do mundo rural e não como transferência de fundos públicos para os proprietários de grossos patrimónios fundiários e edificações rurais abandonadas.

§       Realização de uma profunda reforma da estrutura agrária nos campos do Sul, de acordo com a Constituição da República e no quadro da realidade política, económica e social actual, enquanto factor essencial do desenvolvimento da produção agrícola, e de contribuição para a revitalização do mundo rural e fixação das populações; considerar como possível instrumento dessa reforma a criação de um banco de terras que, além de terras adquiridas no perímetro do Alqueva, tenha em conta os milhares de hectares do Estado, que facilite o acesso à terra de jovens agricultores e pequenos agricultores; racionalização fundiária pelo livre associativismo no Norte e Centro.

§       Alteração do Seguro Agrícola transformando-o num verdadeiro seguro de exploração construído na óptica não dos interesses das seguradoras mas dos agricultores e tendo em conta a natureza específica da actividade agrícola. O Seguro de Exploração deve ser um instrumento de ordenamento da produção e as indemnizações aos agricultores não devem estar dependente do calendário dos acidentes climatéricos mas serem pagas em função do estado vegetativo das plantas.

§       Segurança Social justa para os agricultores e que, no quadro da defesa do sistema público de segurança social, tenha em conta a especificidade da actividade agrícola.

§       Aproveitamento dos recursos cinegéticos numa óptica de ordenamento dos recursos, de valorização do associativismo e de não discriminação na prática do exercício da caça.

§         O desenvolvimento do mundo rural no quadro de políticas públicas de desenvolvimento regional e local onde, em articulação com outras políticas sectoriais, se insira também a política agrícola.

§       Defesa de uma reforma da PAC que tenha como grande eixo orientador a contenção do produtivismo gerador da concentração regional da produção; da exclusão de países e regiões da produção; do desaparecimento acelerado da pequena e média agricultura; do declínio do mundo rural em muitas regiões e da desertificação; da destruição massiva de produções por ausência de condições sanitárias de consumo; de sérios riscos para a saúde pública; da instabilidade de sectores produtivos devida a oscilações do consumo; do estrangulamento de economias agrícolas de países terceiros em que a agricultura e a actividade agrícola são elementos essenciais da sua economia e que assim são remetidos para o âmbito de um mercado de exportação dos excedentes dos países desenvolvidos.

§     Uma reforma da PAC assente nos seguintes princípios determinantes:

-      Reconhecimento das funções agro-produtiva, agro-ambiental e agro-rural que a agricultura assume;

-      renegociação dos acordos de integração da agricultura na Organização Mundial do Comércio, tendo em conta as especificidades da produção agrícola, enquanto sector de produção alimentar, de elemento estruturante dos equilíbrios territoriais, de preservação ambiental e de salvaguarda de níveis adequados, quantitativa e qualitativamente, de segurança alimentar;

-      defesa dos patamares de garantia do direito a produzir adquiridos que as quotas de produção representam;

-      reconhecimento das heterogeneidades nacionais e regionais das agriculturas europeias, nos planos económico, social, agrológico e rural;

-      critérios de fixação de preços agrícolas que assegurem rendimentos compensadores da actividade agrícola num quadro integrado de reconhecimento das heterogeneidades das agriculturas e das funções que assume, não pautados exclusiva e determinantemente pelos objectivos de crescimento sem limites da competitividade que o produtivismo impõe;

-      defesa dos apoios ligados à produção, devidamente modulados nos planos nacional, regional e sectorial, e fixação de limites máximos de atribuição, enquanto instrumento de coesão económica e social e de contenção da lógica produtivista, em limites a fixar em função da sua relação com os rendimentos da actividade produtiva, de modo a evitar a perversão de se transformarem num factor de bloqueio da evolução de sistemas produtivos e assumirem o carácter parasitário de renda fundiária;

-      reforço efectivo dos incentivos às funções agro-ambiental e agro-rural, em função do seu impacto face às realidades locais e regionais, nomeadamente à preservação do tecido social agro-rural, à fixação e manutenção de populações nos seus territórios e à conservação de ecossistemas de particular relevância ambiental e paisagística.