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Sobre a Política Energética
Terça, 22 Maio 2007
Imagem: Jerónimo de SousaNa Sessão Pública sobre Política Energética, realizada no conjunto de iniciativas que o PCP está a levar a cabo no âmbito da preparação da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais de Novembro próximo, Jerónimo de Sousa elencou algumas das propostas do PCP e sublinhou que também nesta matéria, como noutras, a Conferência Nacional «tornará evidente que o caminho que a política de direita impõe não é único e que há outras soluções capazes de resolver os problemas nacionais, garantir o desenvolvimento do país e a melhoria das condições de vidas aos portugueses».

 

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Sessão Pública sobre a Política Energética

A Sessão Pública sobre política energética que aqui decorre insere-se no conjunto de iniciativas de carácter central, sectorial e regional que o PCP está a levar a cabo no âmbito da preparação da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais que iremos realizar em Novembro próximo.

Embora partindo, como já foi antes detalhadamente explicado na intervenção de abertura da nossa Conferência, de um vasto trabalho anterior, designadamente do último seminário sobre questões energéticas que teve lugar em 2003, e que cujas teses e conclusões se encontram, em boa medida actualizadas, o trabalho que aqui hoje desenvolvemos vai enriquecer e apurar muitas dessas nossas análises e propostas.

Na verdade, o PCP, desde há muito que acompanha com grande atenção as questões energéticas, seja na perspectiva da oferta – aprovisionamento, produção, distribuição – seja na perspectiva dos diferentes tipos de procuras de diversas energias finais. Acompanhamento que tem contado com contribuições e opiniões de especialistas exteriores ao Partido e que connosco colaboram.

Acompanhamento que se tem traduzido também, em múltiplas iniciativas públicas e se reflectido no trabalho da frente parlamentar, em múltiplas intervenções, debates, requerimentos e importantes propostas legislativas. Recordamos que o PCP apresentou na AR, em 2006, um conjunto de iniciativas legislativas neste domínio, nomeadamente: o Protocolo do esgotamento (de combustíveis fósseis); o Projecto de proposta de Lei sobre a instalação de postos de abastecimento de GNV e o Projecto de proposta de Lei sobre as tarifas eléctricas.

É consensual que a energia assume cada vez mais um carácter profundamente estratégico nas sociedades modernas, apresentando-se como um factor de produção insubstituível que varre todas as áreas e sectores de actividade: agricultura, pescas, indústrias extractiva e transformadora, transportes, habitação, serviços, gestão de infra-estruturas logísticas e até a própria produção de energia, embora muito concentrado em três delas.

Sem energia, nos níveis de quantidade e disponibilidade que hoje temos, sobretudo nas sociedades mais desenvolvidas, quase todas as actividades parariam com um cortejo de consequências inevitáveis.

A questão energética é, assim, a par do monstruoso e galopante défice da balança corrente – de que ela própria é um elemento importante - e do desemprego, uma das ameaças mais preocupantes que pendem sobre a economia portuguesa e o nível de vida futuro dos portugueses bem como do exercício da soberania e independência nacionais.

O nosso país não pode continuar com o nível nem com a estrutura de consumos energéticos que actualmente apresenta. Esta questão é tanto mais preocupante, quanto a disponibilidade de energia constitui uma condição básica para o desenvolvimento.

Neste debate que está em curso destaca-se a muito preocupante questão do pico petrolífero, ou seja, a da perspectiva segura do esgotamento das reservas de petróleo num prazo de poucas dezenas de anos e a do gás natural com um atraso de algumas décadas relativamente a este. Tal como a questão da farsa que está a ser desenvolvida em torno dos biocombustíveis e da sua eventual capacidade de substituição do petróleo e que como já foi sublinhado, trata-se de um caminho que não deverá ser trilhado pelo nosso país.

Por outro lado, neste nosso encontro e no debate que estamos a realizar têm merecido particular importância, entre outros aspectos, as nefastas políticas governamentais na área energética, com destaque para a continuação da política de privatizações. Entendemos politicamente importante analisar nesta ocasião, mesmo que seja em traços muito breves, aquilo que tem sido a postura do governo neste domínio.

O actual governo do PS, na continuidade de anteriores governos do PSD e CDS-PP e já antes do próprio PS, tem tido, no domínio da gestão energética, uma política desastrosa para o país.

Podemos afirmar com muita segurança, que, ao contrário de uma política energética que sirva os interesses do povo e do país, o governo tem conduzido, quase que exclusivamente, uma política que serve dominantemente os interesses do grande capital nacional e internacional.

Desde logo, pelo obsessivo e criminoso prosseguimento do processo de privatizações e desagregação das grandes empresas da área energética, ligadas à oferta de diferentes energias finais, retirando ao Estado preciosas alavancas de comando, no domínio da oferta, de uma política energética que sirva os interesses nacionais.

Depois, porque não reanima nem actualiza o Plano Energético Nacional nem sequer dá nenhum sinal nesse sentido, bem como as infra-estruturas organizacionais e humanas que lhe podem dar suporte, condição indispensável para o desenho e a aplicação de uma política energética.

O governo PS, a par do PSD, tem responsabilidades enormes pela criminosa paragem do programa de construção de médias e grandes hidroeléctricas, dado o ainda enorme potencial existente por aproveitar, uma das condições de base para a melhoria da nossa autonomia na produção de electricidade.

Esta paragem, que teve lugar há já quase 15 anos, é clara e inequívoca consequência do processo de privatização da EDP e dos interesses imediatos dos accionistas desta empresa.

Tem ainda pesadas responsabilidades ao conceder licenças para instalação de inúmeras centrais térmicas de ciclo combinado a gás natural, para produção de electricidade, quando o país necessita é de utilizar energias renováveis, limpas e existentes em território nacional.

Ao fazê-lo, está simultaneamente a aumentar brutalmente o consumo da rica matéria-prima que é o gás natural, está a aumentar a dependência energética e está também a aumentar a produção de gases com efeito de estufa.

Tem o governo do PS, também, responsabilidades relativamente ao processo de formação dos preços da electricidade, ao permitir contratos milionários com as produtoras do sistema vinculado e ao valorizar brutalmente o preço da electricidade produzida por via eólica (quase mais 60 % do que a média da UE) e pela co-geração (1,5 vezes mais cara que a produção clássica), transformando aquilo que deveriam ser exclusivamente estratégicos investimentos do país, em negócios do grande capital, designadamente o capital financeiro.

É ainda responsável pelo facto do preço do mesmo gás natural – pois a origem geográfica e geológica é a mesma – ser em Portugal superior, entre 6,0 % e 29,4 % conforme os escalões de consumo, ao que é em Espanha.

Estes são alguns dos exemplos da chamada "estratégia energética" do governo do PS, pelo que podemos concluir, em síntese, que a "política energética" do governo PS é, no fundamental, a gestão do pacote de negócios do grande capital, o qual encontrou no sector energético a sua última vaca leiteira, depois do imobiliário e da saúde.

Dado o carácter crescentemente estratégico da gestão da energia nas sociedades modernas, designadamente em Portugal em que, face às ameaças que se colocam no horizonte, poderemos considerar que o reforço do papel do Estado na questão energética é insubstituível e inadiável. Insubstituível e inadiável, desde logo, na concepção e aplicação consequente de uma adequada política energética que tenha em conta os interesses nacionais.

Política energética que deve actuar, quer do lado da oferta de energias finais compatíveis com um desenvolvimento sustentável e o exercício pleno da soberania, designadamente em termos de segurança.

Política energética que deverá exigir uma posição determinante do Estado, em termos de capital social e de gestão das empresas ligadas ao aprovisionamento, armazenagem, produção, transporte e distribuição de energias finais: combustíveis líquidos e gasosos e electricidade.

Política energética, que na vertente procura, deverá intervir fortemente em áreas como o ordenamento do território e o urbanismo, os transportes, os edifícios e as indústrias, com vista a uma necessária e urgente utilização muito mais racional da energia.

Mas uma política energética ao serviço do país exige também a concretização de um conjunto de propostas, tais como:

- a interrupção dos processos de privatização em curso, nas empresas estratégicas do sector como a EDP, a REN e a Galp Energia, assim como, na criação de condições para que o Estado reassuma maiorias determinantes no capital social dessas empresas. É inseparável desta proposta o respeito pelos direitos dos trabalhadores do sector como condição essencial para o seu empenhamento e participação no desenvolvimento;

- o prosseguimento dos estudos, prospecção e cartografia dos recursos energéticos em território nacional, incluindo também a extensão da plataforma continental;

- o total aproveitamento dos recursos hidroeléctricos, através de um programa ambicioso de investimentos, particularmente em grandes e médias hídricas;

- a criação de condições institucionais, legislativas, administrativas e financeiras para que os objectivos de aproveitamento de energias renováveis de novas tecnologias – eólica, solar, biomassa, geotérmica e do mar – sejam efectivamente alcançados nos prazos previstos;

- dar especial importância no aproveitamento da biomassa à produção de biogás, designadamente a partir da biomassa de origem urbana e, ao contrário, não apoiar a produção de biocombustíveis, designadamente bioalcóois e biodieseis, particularmente quando isso implique produções agro-energéticas dedicadas e não como aproveitamento de excedentes em território nacional, face aos problemas que trazem à actividade agrícola;

- incrementar a Utilização Racional de Energia (URE), particularmente nos sistemas energéticos da indústria transformadora e dos edifícios;

- proceder decididamente ao ordenamento e reforço da rede de transportes intermodal de passageiros, de forma a oferecer transportes colectivos rápidos e eficientes, particularmente no modo de sobre carris electricamente accionado, em efectiva alternativa em muitas situações ao transporte individual ou colectivo propulsionado a combustíveis líquidos derivados do petróleo;

- promover a generalização dos veículos a gás natural comprimido e hídricos;

- promover o estudo detalhado do ciclo do carbono em território nacional e gerir as emissões de carbono a nível nacional no interesse do país;

- travar os processos de concessão e instalação de novas centrais de ciclo combinado a gás natural;

- promover programas de investigação científica e desenvolvimento tecnológico e de demonstração, dirigidos à criação, assimilação, difusão de tecnologias e procedimentos que promovam a utilização racional de energia;

- recuperar e manter as competências humanas e infraestruturais em domínios tecnológicos de interesse base para o aprovisionamento presente e futuro de energia, particularmente no plano da Administração, designadamente no que concerne à energia hidroeléctrica, à energia nuclear para fins pacíficos, à energia da biomassa, à energia eólica, à energia geotérmica e à energia oceânica;

- criar e aplicar uma adequada política de preços para os diversos vectores energéticos finais;

Estas são algumas das propostas do PCP para uma política energética para o Século XXI para Portugal e que, até à realização da nossa Conferência Nacional, teremos oportunidade de aprofundar e melhorar. Temos consciência que ainda não respondemos a todas as questões que uma política energética ao serviço do desenvolvimento sustentável exige, mas é para nós evidente que este conjunto de propostas e orientações não só significariam uma mudança substancial em relação às desastrosas políticas que nesta área têm sido seguidas, como dariam resposta aos mais prementes e centrais problemas que o país enfrenta neste domínio.

Nesta matéria, como noutras, a nossa Conferência Nacional sobre questões Económicas e Sociais tornará evidente que o caminho que a política de direita impõe não é único e que há outras soluções capazes de resolver os problemas nacionais, garantir o desenvolvimento do país e a melhoria das condições de vidas aos portugueses.