Partido Comunista Portugu�s
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"Importância estratégica das pescas"
Ilda Figueiredo no "Semanário"
Quarta, 24 Dezembro 2003

A polémica nas pescas está para dar e durar. As recentes decisões sobre os totais admissíveis de capturas (TAC) e quotas para o próximo ano voltaram a criar novas preocupações no sector.

É que, se é certo que não passaram as posições maximalistas da Comissão Europeia, que, numa primeira fase, chegou a propor reduções que iam de 80% para o lagostim e o tamboril e de 61% para a pescada, acabaram por vingar algumas reduções que tratam de igual modo os países que já reduziram muito a sua frota e esforço de pesca, como Portugal, e países que praticamente não reduziram ou até aumentaram, como a França e a Holanda.

É uma política sem princípios aquela que a Comissão Europeia desenvolve na área das pescas. Que privilegia sempre quem prevarica e não cumpre as determinações europeias. Embora vá criticando severamente a Espanha e o Reino Unido pelo não cumprimento das regulamentações, pelo menosprezo das recomendações dos cientistas, pelas falsificações das estatísticas comerciais, pelo abuso de capturas não declaradas (incluindo capturas clandestinas em porões falsos), acaba a exigir a países, como Portugal, cada vez maiores sacrifícios.

Veja-se como recentemente pressionou Portugal para a abertura da nossa ZEE às frotas comunitárias, abrindo caminho a um novo acordo de Portugal com a Espanha, que claramente favorece a frota espanhola.

Sabe-se que a liberalização das águas põe em causa a defesa dos recursos pesqueiros e dificulta a gestão das pescas por cada país, esquecendo que a defesa dos recursos pesqueiros só é possível com uma gestão assegurada por cada Estado-membro, em que participem as associações de pescadores e de armadores, os cientistas e técnicos do sector das pescas, sem esquecer a indústria das conservas e a própria aquicultura, o que a Comissão teima em não aceitar.

Ora, é preciso não esquecer que durante a década de 90, as capturas portuguesas baixaram cerca de 40%, enquanto a Espanha aumentou 10%, a Irlanda 23% e a França estagnou.

A dimensão da frota de pesca portuguesa, que ainda integra quase 10 mil embarcações, foi reduzida em 36%, mas no conjunto da União Europeia a baixa foi de apenas 4%. Nesse mesmo período, a França, Irlanda, Dinamarca, Países Baixos e Reino Unido conseguiram aumentar as suas capacidades instaladas entre 12% e 37%.

No entanto, em termos de consumo «per capita», somos o terceiro maior consumidor mundial de pescado, com 60 kg/ano, só superado pelo Japão e pela Islândia, enquanto a média na UE é de cerca de 23 kg, sendo de 40 kg em Espanha.

Mas, actualmente, bem mais de 80% do pescado consumido em Portugal é importado de dezenas de países, comunitários e não-comunitários, onde a Noruega e a Espanha assumem lugar preponderante. Esta enorme dependência do exterior é muito superior à actual média da União Europeia e tem vindo a aumentar desde 1986, ano da integração de Portugal, em que era de cerca de 50%.

O défice comercial português em produtos da pesca em geral (pescado e conservas de peixe no essencial) excedeu os 750 milhões de euros em 2001, o que representa um acréscimo superior a 100% durante a última década e constitui o maior agravamento registado, nesse período, em toda a União Europeia.

Entretanto, a produção de conservas de peixe em Portugal está com crescentes dificuldades, ainda mais agravadas pela falta de barcos de pesca industrial para captura de atuns, segmento onde França e Espanha apostaram de forma estratégica. Só nos últimos seis anos registou-se uma quebra na produção de conservas, em Portugal, superior a 25%.

A frota de pesca portuguesa já sofreu um processo acelerado de ajustamento e as unidades produtivas e empresas melhor estruturadas, que conseguiram subsistir nesse processo, têm agora de ser razoavelmente protegidas e não sujeitas a custos de contexto insuportáveis. A sua função estratégica e de interesse nacional exige que o governo defenda o «mínimo vital» de segurança e auto-suficiência, apoiando pescadores e armadores no período de defeso e paragens biológicas e exigindo para o nosso país especiais atenções, dada a quebra sucessiva nas pescas nacionais.

Daí que não se devesse aceitar para Portugal reduções superiores a 15%, como, aliás, defendemos na Comissão de Pescas do Parlamento Europeu, o que apenas acabou por acontecer para a pescada. Lamentavelmente, para outras espécies, o Governo português aceitou maiores reduções, o que é injusto para os pescadores e armadores portugueses. Impõe-se, pois, que se exijam apoios para suportar tais reduções e se procurem alternativas de pesca.