Senhor Presidente Senhoras Deputadas, Senhores Deputados Há um ano, Lisboa despedia-se de Amália, transportando de S. Bento à Estrela e aos Prazeres, quer pelo silêncio, quer pelo poema cantado a emoção, o afecto e naturalmente a dor de quem perdia, por morte não anunciada, parte de um todo que a todos pertencia. Homens e Mulheres de um povo que anónimo se identificava, ria e chorava, lembrando acordes de guitarra que à DOR INÚMERAS VEZES MATARAM A SEDE. Amália GOSTAVA DE SER QUEM ERA. Filha de uma família pobre e numerosa que um dia parte para Lisboa à procura de melhores dias. Mas as expectativas não se concretizam e ei-los que partem e Amália fica. Aprende a língua portuguesa a cantar para O POVO QUE LAVA(S) NO RIO, para as vizinhas que lavam a roupa na selha e os aplausos ecoam pelas ruas apertadas do bairro lisboeta, quando não tinha, sequer, meia dúzia de anos. Não conhece brinquedos mas sabe algumas cantigas. No bairro, pedem-lhe que cante e em troca, enchem-lhe as algibeiras do bibe com rebuçados e moedas. Não longe desta casa, na Escola Primária da Tapada da Ajuda, menina ainda, ela ouve, pela primeira vez, as palmas de um público mais vasto, que a escuta, adivinhando a prazo talento e sucesso. Mas a escolaridade acabou cedo. Foi necessário aumentar os parcos recursos da família com o seu próprio labor. Parece fado de gente pobre. Grandes e pequenos garantem o sustento da casa. E ela parte para o Cais da Rocha, em Alcântara, vendendo fruta e cantando alegrias e tristezas de um povo que então, parcas razões tinha para cantar o presente, porque distante ainda estava a MADRUGADA DA LIBERDADE. ESTRANHA FORMA DE VIDA, não por ser desconhecida mas diferente diria o poeta de Bárbara Escrava, a Negra Cativa, e talvez, em rodapé, acrescentasse, igual a tantas outras. António José Saraiva diz que o fado é a expressão mais popular deste "gosto de ser triste: é um lamento entrecortado de soluços". Amália interpretou este sentir, apreendeu este ser e estar português, cantou e recriou o fado. Ela explica o seu engenho e arte com uma simples e natural metáfora: "Nem sei como hei-de chamar a isto. Talvez eu não seja criadora, mas quando canto estou a inventar. E, para inventar, preciso de música. O fado, quando comecei, era amarrado como se tivesse só uma divisão e a minha maneira de cantar deu-lhe mais duas casas." No Teatro de Revista, nas Operetas, no Cinema, nas Casas de Fado a sua voz sofrida ecoa e talvez por isso, ela confesse: "Quando canto escuto-me, e quando me escuto acabo a chorar." O país é então insuficiente para a cantadeira e o mundo abre as suas portas a uma voz que expressa e sente o sofrimento sem precisar de fingir que é dor a dor que deveras sente. Europa, África, América, Ásia rendem-se ao seu fascínio. O mundo conhece e reconhece em Amália, Portugal e os Portugueses. A língua portuguesa, ri e chora, com ela ao som da guitarra. Poetas anónimos, Trovadores medievais, Camões, Ary dos Santos, Mourão-Ferreira, Natália Correia, Vinícius de Morais são apenas e só alguns dos textos fadados pela arte de uma voz prenhe de emoção sensual e musical que "é património vivo da nossa cultura, do nosso país e do nosso povo". Há um século a cantiga, o fado irrompia nos bairros operários de Lisboa; depois cresceu, invadiu o urbano e o rural e hoje ANDA AINDA NA MINHA RUA E O SOL TAMBÉM. Amália canta. Disse. |