O PCP considera que a reforma da
política de defesa e das Forças Armadas anunciada pelo Governo representa o
prosseguimento das medidas de padronização das nossas Forças Armadas com o
modelo que predomina no quadro da NATO, assente numa cada vez mais estrita
concepção do seu emprego em missões externas e aprofundando a sua
governamentalização.
As Forças Armadas e a Defesa Nacional
Conferencia de Imprensa com Rui Fernandes, da Comissão Política do PCP
A governamentalização das Forças
Armadas
O Governo anunciou aquela que considera
ser a mais profunda reforma da política de defesa e das Forças Armadas, com a
criação do Comando Operacional Conjunto. Descontando o auto-elogio
governamental, o PCP não pode deixar de considerar tal decisão como o
prosseguimento das medidas de padronização das nossas Forças Armadas com o
modelo que predomina no quadro da NATO e assente numa cada vez mais estrita
concepção de emprego das forças armadas em missões externas. Por outro lado,
aprofunda a governamentalização das Forças Armadas, com o reforço das competências
do Ministério da Defesa em detrimento do papel dos diferentes Ramos.
Nas Forças Armadas
têm vindo a aprofundar-se um vasto conjunto de problemas, alguns dos quais
subsistem há muitos anos, mas nenhum deles tem resposta nesta anunciada
reforma. Pelo contrário, esta reforma tende a introduzir novos elementos de
perturbação na Instituição.
O quadro constitucional português
continua a definir como um pilar estratégico da política de Defesa Nacional a
doutrina que circunscreve defesa nacional e segurança interna como realidades
diferentes.
Entretanto, nos
últimos anos, sustentada em compromissos externos, nomeadamente no Conceito
Estratégico da NATO e na política de militarização da Europa através das
medidas de carácter político-militar já tomadas pela UE e de outras já
previstas, adensou-se o enfoque tendente à criação de um conceito de segurança
nacional, subvertendo o quadro constitucional, numa continuada e persistente
tentativa de, misturando os conceitos de defesa nacional e segurança interna,
misturar os usos das respectivas forças.
As Forças Armadas são cada vez mais força armada e as Forças de
Segurança são cada vez mais forças da ordem,
desenvolvendo-se tendências quanto ao uso das Forças Armadas como
coadjuvantes das forças de segurança em missões de natureza interna e ignorando
o estipulado nos regimes de estado de sítio e de estado de emergência.
O PCP opõe-se a tal caminho e considera
que este processo converge com um mais vasto conjunto de opções governamentais
que tendem ao desfiguramento do regime democrático e à alteração da estrutura
do Estado no sentido da sua governamentalização.
Saúde
e assistência social
Para o PCP, devia o Governo dar
resposta urgente à grave situação existente no âmbito da assistência na doença
aos militares (ADM) e suas famílias e a tudo o que rodeia a grave e humilhante
situação vivida hoje por muitos militares na reforma para obterem uma consulta,
bem como, sobre o problema da passagem dos comprovativos para efeito de IRS.
Devia explicar mais detalhadamente o real alcance das fusões nos hospitais
militares, dado que a simples justificação da racionalização é muito curta
tendo em conta a experiência havida com a fusão das ADM´s e a enorme e
justificada desconfiança que invade os militares e suas famílias face às
medidas governamentais.
A este propósito, considera-se
extraordinariamente penalizante a proposta de só virem existir dois pólos
hospitalares - Lisboa e Porto. Ao mesmo
tempo que não dá resposta a estas e outras questões, ligadas com a assistência
na doença, desenvolveram-se novas iniciativas, como seja a dos cônjuges terem
sido obrigados a optar por um dos sistemas de saúde, sob pena de verem
suspensos os seus direitos, sem saberem quais as vantagens ou desvantagens da
respectiva opção. Para o PCP, tais atitudes e métodos só contribuem para o
aumento do clima de desmotivação e instabilidade.
A propósito da Lei 25/2000 -
complementos de pensão de reforma - relativamente à qual o Governo agora
adoptou uma resolução e que terá de ser objecto de discussão na Assembleia da
República, o PCP alerta para a existência de um Parecer (76/2002) do Conselho
Consultivo da Procuradoria Geral da República favorável à aplicação da lei e
torna desde já claro que não aceita que a irresponsabilidade do PS, do PSD e do
CDS/PP, recaia duplamente sobre os militares que durante anos viram a lei
suspensa, não usufruindo dos benefícios da mesma e que, agora, se confrontam
com a sua alteração em prejuízo das suas legitimas expectativas.
Questões
sócio-profissionais
O Governo tarda em dar resposta às
graves distorções existentes nas carreiras, bem como no adoptar medidas para o
preenchimento das necessidades no que respeita ao número de praças,
salvaguardando os necessários padrões de exigência e não cedendo à perigosa
tentação de baixar esses níveis para conseguir satisfazer as necessidades. A
realidade actualmente existente, evidencia a grande dificuldade das Forças
Armadas preencherem as necessidades de pessoal, mesmo numa situação de grande
desemprego, confirmando as razões dos que se opuseram a este caminho,
exclusivamente assente no voluntariado.
A este propósito, e relacionado com o
problema da falta de pilotos, assiste-se a um discurso repetitivo fugindo
sucessivamente às questões de fundo que, para além da degradação remuneratória
e das condições sócio-profissionais, se prendem com a reestruturação de quadros
e carreiras. Não serão medidas avulsas, de natureza proibitiva ou de aumento do
suplemento de serviço aéreo, que resolverão o problema.
Devia também o Governo dar resposta à
situação do pessoal do Instituto de Socorros a Náufragos, sem estatuto
profissional, sem horário de trabalho e sem um quadro definido, ficando assim à
mercê das vontades de cada momento.
Devia igualmente o Governo, cumprir e
fazer cumprir a Lei que consagra o associativismo militar em toda a sua
plenitude, dinamizando o diálogo com as associações militares tendo em conta as
suas opiniões e propostas para a resolução dos imensos problemas que invadem a
Instituição, recusando visões paternalistas ou de pseudo diálogo que não servem
os interesses dos militares, da Instituição e de umas Forças Armadas do futuro.
Programação
Militar
Relativamente ao
reequipamento, devia também o Governo dar resposta aos atrasos existentes e
clarificar a situação de alguns desses programas que aparecem envoltos em
inúmeras peripécias. É o caso, por exemplo,
do nebuloso negócio que envolve a aquisição e manutenção dos
helicópteros. Estranhamente, quando do processo de aquisição dos helicópteros
EH101 à Augusta-Westland, este não contemplava a manutenção dos mesmos.
Entretanto, o Governo alimentou publicamente a possibilidade de escolha das
OGMA, quando já tinha no bolso um dispendioso contrato com a Augusta-Westland,
com a criação da "Augusta Portugal", empresa que ficará a fazer a manutenção
dos EH, mas que também se instalará em Beja para fazer a manutenção dos novos
helicópteros que irão substituir os Allouettes. O que levou o Governo a
prescindir da OGMA?
A verdade, como é do domínio público, é
que a débil situação operacional dos novos helicópteros, incluindo já processos
de canibalização dos mesmos, leva a que os velhos Puma, já desactivados, possam
de novo vir a operar. O PCP responsabiliza o Ministério da Defesa por esta
situação, considera inaceitável que um equipamento tão caro e com tão pouco
tempo de existência apresente tal quadro e, nesse sentido, exige que o Governo
explique todo este problema, as medidas para a sua rápida resolução e que, de
imediato, accione os mecanismos necessários no sentido da Augusta-Westland
ressarcir o Estado dos prejuízos que esta situação acarreta.
Exige-se,
igualmente, que o Governo clarifique a construção dos Patrulhões nos Estaleiros
de Viana do Castelo, quando continuamos a assistir a anúncios quanto à sua conclusão
que não são cumpridos e diga com objectividade quando arranca a construção das
restantes unidades previstas já que, a este ritmo, quando os últimos estiverem
construídos, já os primeiros caminham para o abate, o que será inaceitável.
Importa igualmente que o Governo
clarifique detalhadamente qual é a real situação dos submarinos e como se
efectuará o seu pagamento, tendo em conta o relatório do Tribunal de Contas de
2006, que critica as opções leasing pelos elevados custos que tal implica para
o país e sugere que as justificações então apresentadas para alguns dos
contratos, não são suficientemente credíveis. Ou seja, opta o Governo pelo
sistema leasing, privilegiando os lucros da banca e penalizando enormemente o
erário público ou opta por outro sistema? Existem ou não contrapartidas e quais
são? Existe ou não contrato de manutenção e qual o valor desse contrato?
O PCP, que se opôs desde o princípio às
opções leasing, considera que existem outras soluções e que é tempo de o
Governo deixar de dar meias respostas, de passar ao lado nas justificações no
quadro dos compromissos que unem PS, PSD e CDS-PP e de passar a dar respostas
completas.
O PCP não
compreende a razão porque o Ministro da Defesa não torna claras quais as reais
opções para os Estaleiros do Arsenal do Alfeite. Nesta matéria, desafiamos o
Governo a não só tornar claras as suas opções, como a explicar se considera que
um Arsenal do Alfeite retalhado defende melhor o interesse nacional e os
interesses da Marinha.
Ensino
Militar
O Governo anunciou a reforma do Ensino
Superior Público Militar, adiantando que tal reforma terá como finalidade a
promoção da formação conjunta dos oficiais das Forças Armadas. O PCP alerta
para o facto de intentos nesse sentido terem sido postos em marcha por anteriores
governos, tendo sido condenados ao fracasso. Tal experiência deverá ser tida em
conta no processo agora desencadeado, desde logo acautelando o papel de cada um
dos Ramos e as suas respectivas especificidades. Por outro lado, deverá ser
clara a distinção entre processo de equivalências dos cursos militares com os
do conjunto da sociedade, aspecto que há muitos anos devia estar consagrado e
não está no que respeita a algumas formações e, por outro lado, garantir que
tal reforma não vai significar abaixamento do grau de preparação dos militares,
neste caso dos oficiais.
É fundamental ter presente que a
formação militar, com acrescida importância no caso dos oficiais, não é somente
um problema de competências técnicas.
A formação dos militares, não tem e não
pode ser vista na lógica inerente ao processo de Bolonha, ou seja, na lógica do
mercado europeu de educação. Neste sentido, e porque a formação inicial não é
dissociável da carreira, o PCP considera indispensável que o Governo faça
acompanhar as medidas no plano do Ensino Superior Público Militar das propostas
que tenha sobre as carreiras, permitindo assim uma visão integral desta
matéria, incluindo aquilo que pensa sobre a carreira de sargentos e de praças.
Para o PCP, só com base nesta visão global é possível clarificar posições e
analisar aquilo que realmente é concebido relativamente ao futuro.
Política
Externa de Defesa
Num momento em que está em curso o
processo tendente à ratificação do Tratado Europeu, recusando o PS e o PSD o
referendo, é necessário dizer que o mesmo consagra a comunitarização das nossas
águas e a riqueza imensa que constituem os seus recursos marinhos e que,
paralelamente, está em construção a Guarda Costeira Europeia com forte
incidência no papel desempenhado até hoje pela Marinha portuguesa.
É assim que surge a alteração da
denominação das missões de interesse público para missões particulares. Esta
alteração é, em si, portadora de um grande significado e contém uma forte carga
conceptual. Analisando o conjunto de medidas em curso, no plano nacional e no
plano da União Europeia, somos levados a concluir que se estabelecem novas
prioridades, em que têm lugar cimeiro as missões externas, seguidas das que
decorrem do processo de construção da política externa segurança e defesa, bem
como das que estão em construção no quadro da Agência Marítima de Segurança
Europeia e do FRONTEX e, por fim, as consideradas menores, as que ficarem de
fora deste processo supranacional, e que passam a ser missões particulares.
Tal desenvolvimento constitui um ataque
à soberania nacional e, como tal, não serve Portugal e os seus interesses.
Paralelamente, o PCP não pode também de
deixar de manifestar a sua preocupação com a base das Lajes, nomeadamente a
intenção do seu uso por parte dos EUA para treino de um novo sistema de armas e
para rectaguarda logística do seu novo Comando para África.
Tal preocupação
ganha maior expressão quando, num curto espaço de tempo, passámos do desmentido
formal do Ministério da Defesa quanto a essas intenções - ao mesmo tempo que um
responsável da Embaixada dos EUA dizia existirem auscultações nesse sentido -
para noticias que dão conta de uma proposta ao Governo português, por parte da
administração norte-americana. Importa referir que esta não é uma matéria de
hoje e que, pelo menos desde 2006, tais intenções existem por parte dos EUA.
O PCP coloca a exigência de que não
sejam assumidos compromissos nas costas do povo português, pondo em causa a
soberania nacional e podendo afectar as relações de Portugal com África,
nomeadamente com os países de Língua Oficial Portuguesa.
O PCP reafirma que Portugal não precisa
de umas forças armadas para operarem como piquete intervencionista ao serviço
dos interesses da NATO e de uma Europa cada vez mais transformada em bloco
político-militar.
Portugal precisa
de uma Forças Armadas alicerçadas nos princípios e valores constitucionais,
reforçadas na ligação ao povo de onde emanam, dignificadas e valorizadas.
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