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Aspectos dominantes da questão da habitação em Portugal - Intervenção de Fernando Sequeira
Segunda, 12 Novembro 2007

A habitação, a par da alimentação, corresponde a uma das mais básicas necessidades humanas, encontrando-se portanto sempre na base de qualquer escala de necessidades, qualquer que ela seja.Necessidade tão básica e tão importante, que levou os constituintes de 1975 a dela cuidarem e a transformarem-na num direito constitucional. Neste sentido, a constituição da República Portuguesa, no seu artigo 65 º, ponto 1., proclama que "...todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar [.......].


A construção e disponibilização de habitação, constitui um processo multifacetado e com múltiplas e diversificadas implicações e correlações, designadamente nos planos social, económico, financeiro, fiscal, urbanístico e naturalmente também político.

A habitação constitui o bem de consumo duradouro que mais pesa, nas actuais condições socio-económicas do nosso país, nos encargos das famílias portuguesas, correspondendo a cerca de 80 % das dívidas destas ao sistema financeiro.
Ao mesmo tempo, transformou-se, embora com carácter conjuntural, num dos grandes negócios do grande capital na transição do século XX para o século XXI.
 O seu carácter de necessidade básica e as condições políticas, económicas, financeiras e sociais dos últimos anos, transformaram-na numa importante área de intervenção estratégica para o grande capital nacional ( mas não só ) no quadro do desenvolvimento do processo de acumulação, concentração e centralização de capital que tem tido lugar de forma incessante no nosso país nos últimos 30 anos.

De facto, as chamadas actividades imobiliárias tiveram um grande e anormal desenvolvimento, particularmente a partir de meados da década de 90, devido, no fundamental, à nova focalização estratégica dos grupos económicos nacionais e das multinacionais, que aproveitando o profundo abaixamento das taxas de juro e a existência de benefícios fiscais diversos, levaram a ainda levam a cabo continuadas e sistemáticas campanhas de pressão junto da opinião pública, com vista à aquisição de habitação própria, ao mesmo tempo que o mercado de arrendamento era bloqueado, por razões muito diversas mas todas elas convergentes.

A promoção imobiliária, deve ser entendida como uma actividade eminentemente financeira, pois que, no fundamental, gere a aplicação de capitais, subcontratando, na generalidade das situações, todas ou quase todas as valências necessárias à promoção da habitação, escritórios, espaços comerciais, etc.
A enorme rendibilidade alcançada no sector é traduzida pelo facto de as actividades imobiliárias corresponderem a 7,5 % do produto e somente a 0,36 % do emprego ( valores de 2004 ).
De facto, dos grandes grupos económicos nacionais - Sonae, Amorim, Espiríto Santo, Mellos, Teixeira Duarte, etc.- quase todos, a partir do início da década de 90 do século passado, começaram a investir fortemente na área do imobiliário, seja na componente habitação, seja também, e em muitas situações, sobretudo na promoção de escritórios e espaços comerciais.
Torna-se evidente, e a vida demonstrou-o, que esta intervenção do grande capital nacional e estrangeiro na área da habitação, não foi, nem é levada a cabo, para resolver os grandes problemas que ainda subsistem na área da habitação, mas, outrossim, para explorarem mais uma nova e grande vaca leiteira que lhes apareceu pela frente.
Pensamos que, face à completa saturação do mercado, é expectável que a prazo não muito longo, os grandes grupos económicos comecem a abandonar esta área da actividade económica, concentrando a sua acção noutras de maior interesse para os seus objectivos de acumulação, em muitas das quais já actuam, como a saúde, as comunicações, etc., etc..
A actividade imobiliária, é também uma actividade muito protegida sob o ponto de vista da concorrência internacional, que é muito escassa, não tendo simultaneamente qualquer efeito positivo sobre a balança corrente, dado não colocar no mercado bens transaccionáveis.
Estas razões também ajudam a explicar o interesse estratégico do grande capital por esta actividade.

Até meados da década de 80, início da década de 90, a promoção de habitação para o mercado não constituía em Portugal uma actividade em grande escala.
Até aí, a promoção imobiliária, era levada a cabo por pequenos e médios capitalistas privados que actuavam normalmente em pequena escala, e que em muitas e muitas  das vezes associavam a actividade de construtores civis à de promotores imobiliários.
Exceptuando as intervenções do FFH no domínio da habitação social ou da habitação a custos controlados, em regime de arrendamento ou em propriedade resolúvel, intervenções que não se identificavam propriamente com o mercado imobiliário, temos somente o exemplo da EPUL - Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, EP, que desde o início da década de 70, foi o único grande promotor imobiliário em Portugal, ainda por cima público, promovendo desde aí uma importante intervenção reguladora do mercado no concelho de Lisboa.

A promoção de habitação, mas também de outro tipo de edifícios – escritórios, equipamentos públicos, edifícios industriais, etc. – assume um significativo papel na economia, nomeadamente em termos de emprego muito diversificado, de valor acrescentado e de múltiplos e diversificados efeitos multiplicadores a montante e a jusante.
Directamente associados a esta área, e no quadro de uma vasta e diversificada cadeia de valor, aparecem as actividades de projecto – urbanismo, arquitectura, especialidades de engenharia – correspondendo a cerca de ¾ % do valor da construção, de controlo e fiscalização de obras, correspondendo a cerca de ½ % do valor da construção, de construção civil propriamente dita, com toda uma multiplicidade de valências, da mediação imobiliária valorizada em cerca de ¾ % do valor das vendas, de financiamentos à aquisição de casa própria (a mais importante) e à construção, para só falarmos das mais importantes e significativas.

A construção e promoção de habitação em Portugal, constituiu e ainda constitui uma das mais florescentes actividades produtivas dos últimos 20 anos, embora apresentando contradições e subversões notáveis e nítidas, transformando-se durante mais de uma década, numa actividade economicamente anómala que se desenvolveu em regime de sobreprodução.
Por exemplo, entre 1995 e 2006, foram construídos mais de um milhão de fogos novos, a que corresponde um investimento com o espantoso valor de pelo menos 90 mil milhões de euros.
Com o prestimoso apoio dos sucessivos governos, entre 1995 e 2003, o peso médio da habitação na FBCF foi de cerca de 20 % desta, com um máximo de 20,8 % em 1996 e um mínimo de 17,8 % em 2003.
Relativamente ao peso da FBCF da habitação no PIB, esta apresentou para o mesmo período o valor médio de cerca de 5 %, o máximo de 5,6 % em 2000 e o mínimo de 4,1 % em 2003.
Trata-se claramente de um dos mais nítidos sintomas da falta de qualidade, do já de si muito insuficiente investimento, realizado nos últimos 20 anos.


A problemática da habitação em Portugal é bem o espelho das contradições, perversões e lógicas egoístas e predatórias do capitalismo e das políticas de direita que lhe estão associadas.
Em simultâneo, ocorreram e ainda ocorrem neste domínio, fenómenos contraditórios e profundamente preocupantes, embora organicamente interligados, de que julgamos ser de destacar:
    - uma claramente excessiva produção de habitação nova, muito para além das necessidades do país;
    - a existência de um número elevadíssimo de habitações vagas/devolutas;
    - a existência de um número muito elevado de alojamentos sazonais;
    - uma muito reduzida taxa de reabilitação de habitação – mas não só – antiga ou mesmo com carácter histórico;
    - simultaneamente com estes fenómenos, a existência de enormes carências  qualitativas no domínio da habitação.

Vejamos cada um destes aspectos com algum pormenor.

Primeiro aspecto: Como já vimos anteriormente, entre 1995 e 2006 construíram-se cerca de um milhão de fogos, o que nos dá um média de 85 mil fogos/ano, quando as necessidades de novos fogos, a chamada procura natural - simultaneamente para substituição daqueles sem condições de reabilitação ou recuperação, bem como para dar resposta ao crescimento demográfico qualquer que seja a sua origem, ou ao aparecimento de novas estruturas familiares - deveria oscilar entre os 35 mil e os 45 mil fogos/ano.
Porém, se analisarmos o período de maior sobreprodução, que ocorreu durante seis anos, entre 1998 e 2003, observamos que aquela média anual sobe para 104 mil fogos/ano, com um pico de produção de 122 mil fogos em 2002.
Tais valores construtivos, correspondem a cerca de 19,6 % da média da FBCF relativamente ao PIB, para o período.
Simultaneamente, o acréscimo do parque habitacional em Portugal na década de 90, é muito superior ao dos restantes países europeus, o dobro da situação espanhola e francesa e o triplo da italiana, o que nos dá a ideia da gravidade do fenómeno, pois nalguns destes países – caso da Espanha – também há franca sobreprodução de habitação.

Segundo aspecto: Em consequência do fenómeno anterior, mas não só, não cessa de crescer o número de fogos vagos/devolutos.
As situações destes fogos são muito diversas: fogos novos por vender, fogos antigos abandonados, fogos antigos não vendidos por razões especulativas, entre outras.
Não havendo valores seguros, estima-se que estes oscilarão entre 550 mil e 650 mil, o que significa um investimento expectante e sem qualquer utilidade para o país, bem ao contrário, de cerca de 60 mil milhões de euros. Trata-se de um valor astronómico que se aplicado em investimento produtivo criaria seguramente muito emprego e riqueza.
Por outro lado, se atendermos a que entre 2002 e 2006 se construíram mais cerca de 400 mil fogos (80 mil fogos/ano), teremos, supondo que pelo menos metade não foi vendida, quase 800 mil fogos devolutos.
Trata-se de números aterradores, retrato de uma política contra os interesses do povo, dos trabalhadores e da economia nacional.
De facto, um dos traços que caracteriza a situação do mercado imobiliário é o enorme excesso de oferta.
Uma questão relativamente à qual desde já nos devemos interrogar, é se estamos exclusivamente perante um erro de cálculo dos promotores imobiliários, ou se estamos também perante a ponta do iceberg de ilicitudes diversas, que permitem ter tantos fogos expectantes.
A actividade imobiliária, em algumas das suas fases – particularmente as de construção e venda – constitui, como é sabido, um campo fértil para a prática do branqueamento de dinheiro originário de actividades ilícitas e criminosas.

Terceiro aspecto: O número de alojamentos com ocupação sazonal atinge actualmente o valor de quase um milhão.
Embora se trate de um aspecto qualitativamente muito diferente dos anteriores, não deixa também de constituir um problema em termos da qualidade do investimento nacional.

Quarto aspecto: Estimam-se em cerca de 2,25 milhões, os fogos (para não falar nos edifícios de carácter público e ou monumental) que se encontram a necessitar de reparações médias, grandes ou muito grandes, situando-se uma parte muito significativa deles nas grandes cidades como Lisboa, Porto, Coimbra e mesmo noutras cidades de menor dimensão, particularmente nas zonas históricas dos cascos antigos ou em zonas construídas no século XIX e até meados do século XX.
Trata-se de um fenómeno muito preocupante, com enormes repercussões nos planos urbano, social e económico.
Ao mesmo tempo que ocorre o fenómeno da sobreconstrução de habitação nova, a reabilitação de edifícios degradados mantém-se a níveis muito baixos, havendo até nos últimos tempos uma regressão nas taxas de reabilitação.
Enquanto a média europeia do investimento em reabilitação corresponde a cerca de 45/50 % do total do investimento em habitação, em Portugal, tal indicador, não chega aos 10 %, sendo os restantes 90 % habitação nova.
Estamos pois perante mais um dos muitos crimes da política de direita.

Quinto aspecto: Ao mesmo tempo que ocorrem os fenómenos apresentados nos pontos anteriores, em sentido inverso, e de acordo com o “Plano Estratégico Nacional para uma Política de Habitação: 2007-2013” de Abril do corrente ano, produzido pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, faltam em Portugal cerca de 180 mil habitações, para responder às insuficiências qualitativas de habitação, designadamente os chamados alojamentos não clássicos (barracas), a coabitação, a sobreocupação, a degradação, etc..
Ao mesmo tempo que se diagnosticam esta faltas, estão, como já vimos, vagos cerca de 550 mil alojamentos (valores de 2001), dos quais só estarão porventura disponíveis no mercado cerca de 200 mil, dos quais, mais de 70 % são fogos usados.
É exemplar o caso do Alentejo, em que os excedentes de habitação existentes, segundo alguns especialistas do imobiliário, levarão mais de 60 anos a serem absorvidos pelo mercado.

O investimento no imobiliário por parte do grande capital -  processo que associou o sistema bancário e as grandes empresas de construção civil que constituem parte integrante e cruzada dos grupos económicos nacionais, mas também estrangeiros, cavalgando a descida e manutenção em valores historicamente muito baixos das taxas de juro activas a partir da adesão de Portugal à UEM e à zona euro, a par da existência de  benefícios diversos ( no domínio fiscal e do crédito ), aparentemente concedidos às famílias pelo Estado, com o apoio efectivo e continuado dos diferentes e sucessivos governos - é um fenómeno novo, com efeitos que poderão ser devastadores sobre a economia e a sociedade, a  curto, médio e longo prazos.
São de destacar alguns dos principais aspectos desta política, a saber:
    - a transferência, numa primeira fase para os grupos financeiros, e, numa segunda fase, também para os promotores imobiliários e as grandes empresas de construção civil, de significativas verbas públicas, concedidos no quadro das diversas modalidades de crédito à habitação, servindo as famílias unicamente como intermediários; assim, a política de habitação do Estado, foi, efectivamente, nos últimos 15/20 anos uma política de crédito ao serviço do grande capital;
    - o crédito às famílias começou a crescer de forma galopante, ultrapassando em vários anos o próprio crédito às empresas; em 1979, somente 7,9% do total do crédito concedido o era a particulares, enquanto que em 2006 já atingia o valor de 46,2 % do crédito total, e deste, cerca de 80% destinava-se à compra de habitação; é importante e legítimo recordar aqui, que actualmente o nível de endividamento das famílias é de cerca de 124 % do seu rendimento; os empréstimos em dívida respeitantes a habitação, no valor de 81,4 mil milhões de euros correspondem a 55 % do PIB e 77 % do rendimento disponível das famílias;
    - o desvio, durante anos a fio, de importantes verbas, que em circunstâncias normais de funcionamento da economia, deveriam em princípio ser destinadas ao investimento produtivo – na agricultura, nas pescas, na indústria, nalguns serviços - e não à construção de habitação e escritórios aos níveis a que teve lugar; só a parte correspondente aos empréstimos concedidos pelas instituições financeiras às empresas de construção e de actividades imobiliárias, foi em 2006, 41,3 % do total dos empréstimos concedidos às empresas.
    - finalmente, o mercado imobiliário, em algumas das fases da sua cadeia de valor, começa a sofrer uma forte penetração do capital estrangeiro, seja na componente de promoção, seja também na intermediação imobiliária, com a apropriação e a exportação de elevadas mais-valias.

Esta política de sobreprodução de habitação e de pressão brutal sobre as famílias, começa já a ter impactos negativos muito profundos nos planos económico, social e financeiro, impactos que terão tendência a gravarem-se com o tempo.
Primeiro, após um artificial, brutal e desordenado crescimento do sector de construção civil e obras públicas – o número de empresas criadas no sector subiu de cerca de 15 mil em 1990, para quase 50 mil em 2002, enquanto o número de trabalhadores cresceu de cerca de 23 mil em 1990 para quase 400 mil em 2002 (quase mais 2700 empresas/ano), ano em que atingiram o seu máximo – começa o inexorável processo de empresas em crise, em processos de falência e com processos de declaração de insolvência pedidas pelos fornecedores.
Convirá recordar que esta previsível crise está a atingir sobretudo as micro e pequenas empresas, pois que as grandes empresas diversificando muito as suas actividades, protegeram-se nos últimos anos. 
Segundo: a continuada crise que atinge a economia, com sequências enormes sobre o desemprego assim como a subida das taxas de juro activas, designadamente as do crédito à habitação, começa a criar múltiplas situações de insolvência das famílias e execução de hipotecas pelos bancos, com efeitos sociais profundos.
Terceiro, o próprio sistema financeiro e a economia como um todo, podem vir a ser profundamente afectados por este quadro de insolvência. A questão da chamada bolha imobiliária, que teve o seu primeiro foco nos EUA, é uma questão muito preocupante, pois que a haver rebentamentos – particularmente nos EUA e em Espanha – pode ter efeitos devastadores sobre toda a economia.
Alguns especialistas afirmam que a crise económica que assola o Japão há vários anos, teve a sua origem numa crise imobiliária que eclodiu em 1991.
Na Europa, segundo relatório da consultora Standard&Poor’s são os mercados da Espanha, França, Irlanda e Grã-Bretanha os mais vulneráveis a uma crise dado que estarão sobrevalorizados em cerca de 30 %.
A prazo, existe a possibilidade de inundação do mercado imobiliário por casas cujas hipotecas venham a ser executadas pelos bancos, o que para além dos seus aspectos profundamente negativos nos planos social – pessoas que perdem as suas casas – e económico – a própria viabilidade dos bancos – pode, inversamente, conduzir a um abaixamento do preço das casas.

Quarto: Parte muito significativa da dívida externa portuguesa tem a ver com a dívida do sistema bancário português ao estrangeiro, onde contraiu avultados empréstimos para arranjar liquidez para a sua política de crédito, sobretudo à habitação, mas também ao investimento português no estrangeiro.
De acordo com o Banco de Portugal, os passivos financeiros das sociedades financeiras, atingiram em 2006, o astronómico valor de 520 mil milhões de euros, ou seja, 337,4 % do PIB desse ano.
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É unânime o diagnóstico de que é excessivo o preço da habitação em Portugal – nova, usada e para aluguer – seja em termos absolutos, seja em termos relativos face ao poder de compra das famílias portuguesas, seja ainda relativamente aos preços praticados noutros países europeus.
Estes preços, radicam, no fundamental, em dois vectores: por um lado, o carácter especulativo da actividade imobiliária, e, por outro, a baixa produtividade dos processos construtivos. Trata-se de uma tendência antiga. De facto, já em 1990, enquanto o preço de mercado dos edifícios em Portugal correspondia a 64,4 % da média europeia, tal valor, expresso em termos de paridade do poder de compra, era exactamente igual à média europeia.
De facto, contribuem para estes preços, designadamente, o preço do solo, os custos burocrático-administrativos e o custo da construção associado aos processos construtivos, para além, naturalmente das enormes margens alcançadas em muitas das situações existentes. Trata-se de uma situação insustentável a que urge pôr termo, pelo menos nos segmentos médio/baixo e médio.


O regime de propriedade da residência principal mudou profundamente em Portugal nos últimos decénios, com o arrendamento a ter um protagonismo cada vez menor, sendo substituído de forma contínua e segura pela propriedade/pela aquisição do alojamento devido a muitas das razões que já atrás aduzimos.
Assim, enquanto em 1981, 39 % das situações correspondiam a arrendamento e 52 % a propriedade, em 2006 tais valores já eram respectivamente de 20 % e 76 %.
Embora este fenómeno de aquisição de casa própria, esteja a ter lugar um pouco por toda a Europa, só a Espanha nos ultrapassa, com mais de 80 % das situações em regime de propriedade, enquanto a média da EU oscilava pelos 60 %.
Em Portugal, este fenómeno, tem dominantemente a ver com as orientações de política económica e de investimento já atrás referidas.
A questão da dinamização do mercado de aluguer é uma questão de enorme importância social, urbanística e económica, área em que o Estado a diferentes níveis deverá ter um muito maior protagonismo, designadamente no que concerne às necessidades das camadas mais jovens da população.
É de realçar, que a solução arrendamento, se criteriosamente gerida, é aquela que mais optimiza o investimento em habitação, na perspectiva da comunidade, pois que permite obter mais elevadas taxas de ocupação.


São enormes as implicações fiscais da habitação. Sobre a habitação incide uma vasta panóplia de impostos, de que destacamos: IMT, IMI, taxas de esgotos, IRS predial para além obviamente do IVA.
Embora não constituído de forma alguma, o cerne do problema, a obtenção de receitas fiscais numa perspectiva de curto prazo, contribui também, para que os municípios, particularmente os das grandes áreas metropolitanas ajudassem no processo de sobreprodução de habitação.
Parece tratar-se, contudo, de um processo ilusório, pois que a médio e longo prazo, o balanço financeiro das operações imobiliárias privadas, para os municípios, poderá ser porventura reduzido, nulo ou mesmo negativo.
As receitas resultantes dos impostos incidindo sobre a habitação (no essencial IMI e IMT) , terão atingido em 2005 o valor de 1599 milhões de euros.
Trata-se de uma área onde existem graves problemas, distorções e injustiças, os quais resolvidos ou atenuados podem ajudar a dar resposta a alguns dos problemas que atingem o sector.


A questão da intervenção directa do Estado, em alguns dos segmentos de mercado de habitação, constitui uma questão de grande relevância política e de enormes repercussões práticas.
Tanto assim é, que a Constituição afirma (artigo 65º, ponto 2), que, " ...Para assegurar o direito à habitação incumbe ao Estado:
a)    Programar e executar uma política de habitação [.....]
b)    Promover, em colaboração com as Regiões autónomas e as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais.
c)     Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral [.....]".
Exceptuando o importante impulso dado ao sector após o 25 de Abril, mas logo quase de seguida estancado, com o início do processo contra-revolucionário, a intervenção do Estado nos anos mais recentes só se tem atido na promoção de habitação social para camadas carenciadas ou mesmo insolventes da população – caso do PER.
A sua importante intervenção como efectivo regulador de mercado em muitos segmentos habitacionais é quase nula.
Portugal, é um dos países onde o Estado tem uma menor intervenção a nível da promoção de habitação, designadamente através da vertente arrendamento.
Vários países da EU apresentam taxas de arrendamento público em torno dos 20 % do total de arrendamentos – casos da Dinamarca, Áustria, RU, Suécia – em torno dos 17/18 % - casos da França e da Finlândia – chegando mesmo a Holanda a atingir os 35 %, valores que significam uma clara marca pública no mercado de habitação.
Ao mesmo tempo, Portugal quedou-se nuns modestos 3 %, correspondentes, no essencial, a habitação social.
Não deixa de não ser muito interessante cotejar o quadro devastador que atrás denunciámos, com os preceitos constitucionais apresentados, designadamente a alínea c) do ponto 2. do artigo 65º, onde se diz que o Estado  deve “…estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral…”.
Bem ao invés, com esta política e estes governos, o interesse geral foi clara e inequivocamente transformado no interesse particular do grande capital.
Finalmente, poderemos afirmar que em Portugal não existe qualquer política de habitação, como inequivocamente propõe a Constituição da República ( artigo 65º, ponto 2., alínea a)).
O que existe, é tão somente uma política de crédito ao serviço do enriquecimento dos bancos e das grandes construtoras.