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Ordenamento do Território e Habitação
Segunda, 12 Novembro 2007

A questão da habitação, quanto às necesidades, insuficiências e políticas que visem corrigir injustiças na garantia de acesso a tal factor essencial da vida humana, não pode deixar de ter em consideração o território, quer quanto aos seus factores físicos intrínsecos, quer quanto a outros, económicos,sociais e culturais, resultantes da actividade humana.


Efectivamente, a necessidade de habitação é motivada pela opção de fixação num dado local, e comporta sempre um juízo de viabilidade de alcançar melhores condições de vida. Assim, o ser humano procura condições de segurança e vida saudável, mas, como necessidade vital, tem que estar no sítio que onde tenha condições de garantir a subsistência. A garantia da subsistência da condição humana está inevitavelmente associada ao trabalho, ainda que, na sociedade contemporânea, o modelo neo-liberal dominante, tenda a reabilitar e estimular socialmente aqueles cuja ocupação fundamental é apropriarem-se das mais-valias do trabalho alheio. No entanto, não é no seio das classes sociais dominantes  que a questão da habitação merece abordagem e relevo, embora os seus privilégios sirvam tantas vezes para ocultar as carências da maioria da população neste domínio.

A localização da habitação e do emprego
No nosso a relação habitação/emprego não se revela pela positiva, mas pelos sintomas de crise ou disfunção, em fenómenos de crescimento do parque habitacional devoluto, das áreas habitacionais degradadas convencionais ou informais, dos fogos sobreocupados partilhados e mesmo do crescimento dos sem-abrigo.


Associadas territorialmente a tais fenómenos está a falência do sector primário e do sector secundário da economia no nosso país.
O crescimento da habitação devoluta ocorre no meio rural do interior, atingindo por vezes a completa desertificação e inviabilização de aldeias tradicionais, cuja economia estava ancorada nas explorações agro-rurais hoje abandonadas, algumas vezes acompanhada pela falência e encerramento de unidades industriais, onde estas já haviam surgido e absorvido recursos humanos à agricultura.
O crescimento da habitação devoluta nos centros das maiores cidades, se serve de instrumento à especulação imobiliária, forma-se a partir da crescente extinção do emprego compatível com o nível de formação escolar e profissional de largas camadas da população urbana, que obriga à sua inevitável migração em busca de lugar em que possam assegurar os necesários meios de subsistência.
Contraditoriamente, afluem às cidades novos imigrantes, presentemente, obrigados a procurar longe os meios de subsistência, que se vêem condenados à residência precária ou partilhada, alternativa habitacional inerente à situação igualmente precária do seu emprego e dos seus direitos.


Por outro lado, verificam-se quotidianamente as inconsistências da habitação dita social, quando a mesma não está associada à satisfação das necesidades básicas por via do emprego e menos ainda às necesidades de educativas e culturais.

Os sistemas de transportes
No nosso país, a falta de correspondência entre a localização da habitação e do emprego, exigiria ainda mais eficiência dos sistema de transportes, de forma a que, de modo acessível e fiável esbatesse a distância casa/trabalho, pelo alargamento da oferta de carreiras e encurtamento do tempo de deslocação.
No entanto, tal não se verifica e, pelo contrário, se investimento existe nos sistemas de transporte, ele é substancialmente virado para o aumento incessante de vias rodoviárias, a maior parte servindo menos o transporte público e mais o transporte privado individual e sistematicamente prejudicando a mobilidade pedonal, suporte universalmente imprescindível e complementar a todos os meios de transporte.
Entretanto, as redes de transporte público, hoje predominantemente privatizadas, vão reduzindo a capacidade de acesso e o nível de oferta em função da sua estrita rentabilidade económica.


É também a dominante económica neo-liberal que é responsável pela predominância do modo de transporte rodoviário, sistematicamente associado a motricidades mais poluentes, em detrimento do transporte em ferro-carril, seja nas ligações intra ou inter-urbanas. A lógica de tal evolução está associada ao retorno financeiro do investimento, naturalmente privilegiado pela apropriação privada dos meios de transporte. Nesta condição, a libertação do material circulante de uma infra-estrutura específica (via – fonte energética), responde melhor à evolução incerta da base territorial do tecido económico (origem/destino de passageiros e mercadorias), como beneficia das responsabilidades do Estado na construção e conservação da rede viária.
 
Papel do Estado
As carências habitacionais, resultantes da injusta repartição dos recursos existentes no nosso país neste domínio, a par, como atrás se constata, das políticas de emprego de matriz neo-liberal e das crescentes restrições no acesso e prestação dos transportes públicos, agravam diariamente o déficit das obrigações do Estado com a população, e não com Bruxelas, como os sucessivos governos têm norteado as suas políticas contra a revolução de Abril nos últimos 30 anos.


A Constituição da República Portuguesa (CRP), ao considerar a habitação como direito fundamental, atribui ao Estado um vasto papel na garantia de tal direito, quer na suficiência da oferta, em condições adequadas de dimensão, higiene, conforto, intimidade e privacidade familiar, quer nas condições de acesso.


Para a sustentação das políticas adequadas, conta o Estado, de entre as suas tarefas fundamentais, constitucionalmente atribuídas, as faculdades de “proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território” (alínea e) do artigo 9º), bem como “promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional.


As sucessivas políticas de direita têm mantido uma linha de desinvestimento progressivo neste domínio, traduzido:
•    Na degradação do parque edificado, por falta de atendimento na sua manutenção e conservação;
•    Na expansão da especulação imobiliária, responsável pela precipitação da degradação deliberada dos edifícios das áreas urbanas centrais, com ruptura das condições de habitabilidade e ameaça aos locatários respectivos;
•    Nos baixas taxas de reabilitação do tecido urbano consolidado, face ao imparável e insustentável alargamento dos perímetros urbanos, consumindo recursos, com nova construção, ao mesmo tempo que aumenta o número de edifícios e fogos devolutos nas zonas urbanas consolidadas;
•    Na alienação de responsabilidades na gestão do parque habitacional do Estado, para as autarquias locais ou para os próprios moradores, sem que, em ambas as situações estejam garantidas as capacidades necesárias para o efeito;
•    Na alienação de responsabilidades na execução dos programas de realojamento para os municípios, privilegiando os resultados quantitativos em detrimento dos qualitativos e, mesmo assim reportados aos fogos, com desprezo pela localização, infra-estruturas urbanísticas e equipamentos, e acompanhamento à reinserção das famílias;
•    No protelamento da elaboração de instrumentos de gestão territorial da responsabilidade do Estado, capazes de clarificar as condições e recursos disponíveis a mobilizar nos planos municipais de ordenamento do território, assegurando a sua aplicação à generalidade da população.



Papel das Autarquias
Após a revisão constitucional de 1997, são incontornáveis as responsabilidades dos Municípios, no domínio da habitação, embora partilhadas com o Estado central no que respeita à construção e à cativação dos solos necessários para o efeito, para além das competências de planeamento do território já anteriormente atribuídas.


No entanto, a pluralidade das políticas autárquicas municipais, não tem revelado experiências que, com êxito, proporcionem o exercício do protagonismo que lhes é legalmente atribuído, no domínio da habitação e do urbanismo, em oposição às crescentes injustiças sociais da sociedade portuguesa.
O papel dos Municípios, tem-se reservado predominantemente ao licenciamento aleatório da iniciativa particular, que, apoiada na propriedade do solo, tem tido sempre a última palavra no modo de transformação do território, e tem comandado o perfil da oferta de habitação, de acordo com a melhor capacidade de retorno do investimento, sistematicamente incoincidente com as necessidades da população.


O papel dos Municípios no ordenamento do território, apesar de relevante relativamente ao Estado central (elaboração dos PDM), tem-se mantido assinalavelmente atrofiado, pela ineficácia e inconsequência  dos instrumentos de gestão teritorial da sua competência – os autarcas não acreditam no planeamento urbanístico como forma de exercício das suas responsabilidades de gestão do território.
São factores demonstrativos das limitações municipais nos domínios da habitação:
•    A incapacidade de inverter o crescimento dos perímetros urbanos a par da degadação das áreas centrais urbanas, priorizando a reabilitação urbana das áreas consolidadas, como forma de atendimento à degradação das condições de vida dos moradores e contenção da sua expulsão;
•    Fragilidade de recursos disponíveis para sustentar consequentemente a afirmação e gestão activa de instrumentos de planeamento urbanístico, nomeadamente, planos de urbanização e planos de pormenor;
•    Ausência de recursos adequados ao exercício das responsabilidades municipais nos processos de intervenção coerciva em obras de reparação e conservação de edifícios;
•    O ruinoso endividamento dos Municípios com maiores necessidades de realojamento da população, para responder à execução do Programa Especial de Realojamento (PER), sacrificando requisitos qualitativos e ultrapassando, ainda assim as metas da sua programação.

Os PDM e a habitação
Se é certo que os PDM, permitiram garantir maior contenção das operações de loteamento urbano promovidas pelos particulares, não impediram que estas continuassem a ser o suporte dos modelos urbanísticos dominantes que caracterizam a cidade contemporânea, onde edifícios e espaços públicos deixam de ser referentes marcantes, diluindo-se arquitectonicamente da morfologia urbana.


Neste quadro, a promoção privada é responsável por conjuntos edificados que, ainda que inseridos no meio urbano, se fecham numa espécie de reservas, de que os condomínios privados são evolução natural. Invariavelmente, apostam sobretudo em atrair população que desenraizada dos sítios, e adquirem contornos de tipologia e valor de comercialização ou arrendamento (menos) inacessível à população local.
A razão original das cooperativas de habitação, enquanto arma de combate das populações mais carenciadas está hoje geralmente subvertida. Muitas cooperativas são hoje, dominadas por estratos da população com capacidade económica, que buscam no enquadramento cooperativo vantagens de rentabilização do seu investimento. A alteração social da maioria dos cooperantes acaba por determinar que, hoje, não se diferenciem os resultados da promoção cooperativa, da vulgar promoção de mercado.
A fragilidade dos recursos humanos, técnicos e financeiros dos Municípios que tem protelado a completa reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), hoje com um perfil social dominante completamente diferente, em que grande parte da população carenciada deu lugar à pequena especulação e à exploração de um mercado paralelo de arrendamento urbano sem quaisquer regras e garantias. 
A aposta de políticas municipais de esquerda, em consagrar, nos PDM, disposições que permitissem, equilibrar a promoção imobiliária norteada pelo mercado, com quotas de oferta de habitação a custos ou preços controlados, acabou por não produzir efeitos significativos, quer por falta de cobertura legal dos procedimentos inerentes ao accionamento de tais dispositivos, quer pela fragilidade dos recursos financeiros municipais.


Relativamente à cativação programada de solos, com aptidão urbanística, com vista a satisfazer as necessidades de habitação não cobertas pela promoção privada, os PDM ainda se mostraram mais constrangedores da capacidade dos Municípios alcançarem esse objectivo constante da velha Lei de Solos de 1976 e que se mantém no texto constitucional vigente.