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«Sim à despenalização-Fim do aborto clandestino e dos julgamentos» - Fernanda Mateus, CP do PCP
Quinta, 16 Novembro 2006

«Sim à despenalização -Fim do aborto clandestino e dos julgamentos» - Iniciativa Pública do PCP
Intervenção de Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do PCP


Sim à despenalização – pondo fim ao aborto clandestino, aos julgamentos e à condenação de mulheres pela sua prática – marca, na actualidade, um novo e exigente processo de luta, com a previsível realização de um novo referendo cujo desfecho final é marcado pela incerteza. 

E, no entanto, já vai tão longa esta luta em Portugal para que a despenalização do aborto tenha êxito! É uma penalização que põe em evidência a face mais oculta e desumana das lacunas e fragilidades que continuam a pesar negativamente na saúde sexual e reprodutiva das mulheres, cuja expressão extrema se encontra na sujeição de gerações e gerações de mulheres aos circuitos clandestinos e inseguros e nas perigosas e gritantes consequências que tais condições comportam para a sua saúde reprodutiva – as complicações por aborto que continuam a chegar aos hospitais e, tantas vezes, a morte. 

Ontem, como hoje, continuam a ser as mulheres e as jovens das classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas as presas mais fáceis desta teia social que, ao mesmo tempo, alimenta o negócio em torno do aborto clandestino.

A perpetuação desta realidade social em pleno século XXI, é uma clara manifestação de atraso que compromete a garantia de condições de segurança aquando da realização de uma interrupção voluntária da gravidez – como recomendam várias instâncias internacional – e que compromete, igualmente, o exercício dos direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva.  

Não obstante as diferenças entre a deliberada e chocante opção política pela clandestinidade do aborto e o positivo quadro legal e de valores que estão plasmados nas leis relativas ao planeamento familiar, ao direito à contracepção e à educação sexual nas escolas, não pode passar em branco que tais diferenças têm origem nos mesmos progenitores: o profundo fosso entre a lei e a vida (no que se refere ao planeamento familiar e à educação sexual) e a vida e a lei (de que é exemplo o aborto clandestino).


A manutenção do actual Código Penal, que trata as mulheres que praticam um aborto como criminosas, sujeita a queixas, a investigações e a julgamentos mulheres e familiares (como os que ainda estão na nossa memória: Maia, Aveiro, Setúbal, Lisboa, e tantos outros que sempre têm tido lugar ao longo de anos mas que se perdem no decorrer dos tempos), e as condenações de mulheres mostram, com muita clareza, a responsabilidade dos que não reconhecem, na prática, a capacidade e legitimidade das mulheres em decidirem os seus destinos, em terem a capacidade de decisão, tanto na esfera privada como na esfera pública.

E numa época em que tanto se fala da importância de dar a palavra as mulheres no plano do poder político (objectivo necessário, sem dúvida!), bom seria que dessem às mulheres o direito à última palavra, sem penalizações penais, políticas e de saúde, numa matéria em que elas querem ter, sempre tiveram e terão a última palavra. Mas pela qual pagam um elevado preço: a determinação em função da sua própria consciência e de acordo com a avaliação das condições que têm, ou não, para levar por diante uma gravidez. Porque a manutenção do aborto clandestino é indissociável  das contradições, dos avanços e dos obstáculos que são impostos às mulheres portuguesas, especialmente às trabalhadoras, e que impedem, na prática, o exercício pleno dos seus direitos – no plano laboral, social, político e cultural – e que impedem que a igualdade de direitos e de oportunidades seja uma realidade.

A despenalização do aborto até às 10 semanas (como refere a pergunta do referendo), ou 12 semanas (como o PCP defende), não tem como pressuposto o direito ao aborto, ou o «direito à barriga», como algumas vozes radicais, «pseudo» de esquerda e «pseudo» feministas, colocam e que os movimentos do Não logo aproveitam em prol do seu argumentário.

O direito da mulher a salvaguardar – e que é um bem civilizacional (para o qual a  investigação médica deu um contributo inestimável) – é a possibilidade da mulher controlar a sua fecundidade, e (através do uso da contracepção) decidir sobre o número de filhos que pode e deseja  ter,  o que deu corpo a um novo e importante direito: o direito a ser mãe, como um acto livre e responsável e não como uma fatalidade biológica ou um destino. Há uma nova dimensão civilizacional neste direito da mulher, mas também do homem: ser mãe e ser pai, não como uma imposição mas como um factor de enriquecimento pessoal e afectivo. O aborto realizado em condições de segurança é um último recurso que a mulher tem direito a tomar.

O expoente máximo da hipócrita teia social e política que envolve o desrespeito pelo direito da maternidade-paternidade e a ausência de uma adequada protecção desta importante função social encontra-se na natureza das políticas de classe que são realizadas e que impedem que as mulheres e os casais decidam em liberdade o número de filhos e o momento de os ter. Agravam-se as tradicionais discriminações das trabalhadoras em função da maternidade (na obtenção do primeiro emprego, na profissão, na progressão da carreira, no salário); aumentam as situações de violação dos deveres das entidades patronais para com a necessária renovação das gerações, designadamente cumprindo os direitos dos trabalhadores que são pais. Acresce a desigualdade crescente na distribuição do rendimento nacional em detrimento dos salários e dos salários das mulheres, o desemprego e a precariedade.

Estas são causas objectivas para que milhares de mulheres e de casais não tenham o direito a decidir o momento e o número de filhos. Esta realidade é a causa que leva muitas mulheres a recorrer ao aborto. Mas não venham, agora, os que assumem quota parte de responsabilidade nesta situação evocá-la para obstaculizar a mudança da lei!

Ontem, como hoje, a luta pela existência de uma lei que ponha fim ao aborto cladenstino é parte integrante da luta em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e indissociável do reconhecimento, na lei e na vida, da capacidade das mulheres tomarem decisões responsáveis e da criação das condições que permitam a melhoria das suas condições de vida e de trabalho. É parte integrante da luta das mulheres pelo exercício dos seus direitos económicos, sociais políticos e culturais.


Porque o que continua a estar em causa até aos dias de hoje é o reconhecimento, na lei e na vida, de novas dimensões da vida humana e de novas dimensões dos direitos das mulheres e dos homens marcadas pela  igualdade, pela justiça social e pelo direito de realização pessoal, afectiva e social. 







 

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