Partido Comunista Portugu�s
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Protocolo do Estado - Intervenção de António Filipe na AR
Sexta, 23 Junho 2006

Lei do Protocolo do Estado

Sr. Presidente e Srs. Deputados:

Com todo o respeito para com os autores das iniciativas legislativas que estão hoje em discussão, relativizamos a importância desta matéria.

Pensamos que aquilo que preocupa os portugueses no momento presente não é a questão das precedências ou do protocolo de Estado.

Há problemas muito mais importantes no País. E esses, sim, ocupam verdadeiramente a mente dos portugueses.

E não nos parece que tenha havido grandes problemas ao longo destes anos que temos de democracia relativamente ao respeito pelo protocolo de Estado e pelas precedências. Há, de vez em quando, alguns mal-entendidos. Creio que todos concordarão que o Parlamento, em muitas ocasiões, é desvalorizado, esignadamente por titulares de altos cargos da Administração Pública, normalmente de nomeação governamental, que, como dizia há pouco o Sr. Deputado Mota Amaral, quando organizam as cerimónias arrogam para si um estatuto que manifestamente não têm no Estado democrático e que por vezes desvaloriza os órgãos electivos.

Relativizando a importância desta matéria, vamos obviamente tratar espeitosamente as iniciativas — não seria de esperar outra coisa — e dar a nossa opinião sobre elas, contribuindo assim para esta discussão.

Começaria por dizer que há alguns princípios constantes dos projectos de lei com os quais concordamos.

Obviamente que há acertos que é preciso fazer. As propostas têm algumas diferenças e, portanto, haverá que encontrar soluções adequadas, mas creio que isso será fácil.

Concordamos com o princípio de que devem ser valorizados relativamente os órgãos electivos, os órgãos de eleição. Quer parecer-nos que isso não é levado às consequências a que deveria ser levado, designadamente em relação aos titulares de órgãos de poder local. Valia a pena ver se os titulares de órgãos de poder local — presidentes de câmara, presidentes de assembleias municipais, presidentes de juntas e de assembleias de freguesia — estão bem colocados em termos de precedências. Mas é uma questão que se poderá ver.

Quer parecer-nos que há alguns aspectos que não estão bem equacionados.

Penso que a utilização da expressão «poder militar» no projecto de lei do Partido Socialista não é adequada. Creio que não é assim.

Creio que as Forças Armadas têm o seu estatuto devidamente enquadrado do ponto de vista legal e constitucional e, portanto, não há, em Portugal, um poder militar que se possa contrapor ao poder civil. Portanto, essa expressão não devia ser utilizada.

E, em todo o caso, devia ser visto se as entidades militares estão bem colocadas em termos de precedências. Quer parecer-nos que há alguma desvalorização dessas entidades, designadamente das chefias militares.

Há, no entanto, dois problemas que nos parecem mais relevantes.

Um deles tem que ver com o problema das organizações internacionais. A regra que se propõe é a de que tenham o mesmo estatuto que os representantes de Estados estrangeiros e de organizações internacionais, que têm o estatuto dos seus homólogos. Só que acontece que, em relação a muitas organizações internacionais, não há homólogos. Se vier a Portugal o Secretário-Geral das Nações Unidas, quem é o seu homólogo em Portugal? Relativamente, por exemplo, aos comissários europeus, quem são os seus homólogos?

E por aí fora.

Ou seja, em relação às organizações internacionais, teria de se prever qual é o seu estatuto na ordem de precedências, porque, de facto, não há homólogos. Se em relação a presidentes da república estrangeiros, a chefes de Estado estrangeiros, a primeiros-ministros estrangeiros há homólogos, em relação às organizações internacionais, na maior parte dos casos não haverá. Portanto, tem de se encontrar outra regra, porque esta não nos parece que sirva.

Há aqui uma questão que é a do estatuto que é atribuído ao líder do maior partido da oposição, relativamente ao que há dois problemas, um dos quais tem que ver com a igualdade constitucional entre os partidos.

Isto é, o facto de um partido ter mais votos ou mais Deputados do que um outro não lhe atribui um estatuto qualitativamente diferente.

Claro que há uma regra que é óbvia, a de que os partidos devem ser agrupados pela sua representatividade. É evidente que um secretário-geral ou um presidente de um partido com mais representatividade não vai ficar atrás do de um outro que tem menos. Mas apenas isso. Portanto, não é sequer constitucional atribuir um estatuto qualitativamente diferente ao representante de um partido só porque este último teve mais votos do que outro.

Mas, depois, há um outro problema que é o do estatuto do líder do maior partido da oposição.

Ora, acontece que não é constitucionalmente obrigatório que o líder do partido da maioria seja primeiro-ministro.

Inclusivamente, todos nos recordamos de que, ainda não há muito tempo, parece que houve quem ponderasse a hipótese de nomear primeiro-ministro alguém que não o líder do partido da maioria…!

Assim, segundo estas regras aqui propostas, pergunto: se o líder do maior partido português não fosse primeiro-ministro, onde é que se sentaria?

Seguramente, não ao colo do maior partido da oposição!

Portanto, esta regra de atribuir um estatuto protocolar específico ao líder do maior partido tem muito que se lhe diga. Quanto a nós, é mais do que discutível do ponto de vista constitucional e, de facto, pode criar problemas.

Os partidos devem ser agrupados de acordo com a sua representatividade, mas não se pode atribuir a uns um estatuto qualitativamente diferente do que é atribuído a outros.

Há duas outras questões sobre as quais se torna obrigatório que nos pronunciemos. Uma diz respeito à Igreja Católica e outra aos herdeiros da família real.

Quer-nos parecer que é equilibrada a solução encontrada pelo Partido Socialista relativamente à Igreja Católica.

Consideramos que a Igreja não deve ter um estatuto protocolar que o Estado laico não lhe permite ter, mas não se deve fazer da lei do Protocolo do Estado uma arma de arremesso contra a Igreja Católica. Isso não faz qualquer sentido. Não estamos em 1911, não há um conflito que divida os portugueses sobre uma
questão religiosa. Neste ano 2006, no nosso Estado democrático, não há qualquer questão religiosa.

Embora o discurso do Sr. Deputado Nuno Melo parecesse estar a ser feito em 1911, num púlpito, contra algumas medidas preconizadas por Afonso Costa, na verdade, foi como que uma revisitação histórica que nada tem que ver com o mundo em que vivemos.

Repito, pois, que nos parece adequada a solução proposta pelo Partido Socialista. Aliás, tal como até agora, quando, em Portugal, se organizam cerimónias em que devam estar presentes a Igreja Católica e as outras igrejas, seguramente continuará a encontrar-se o lugar digno e adequado para a sua inserção em tais cerimónias.

Quanto à família real, para nós, essa não é uma questão.

Não há razão alguma para que tenham um estatuto protocolar os herdeiros de uma família que foi detentora do trono português no tempo da monarquia que terminou em 1910, com a Revolução de 5 de Outubro. Não devem nem podem tê-lo. Essas pessoas são merecedoras do nosso respeito, como é evidente, mas isso não lhes atribui um estatuto protocolar que não podem ter.

O CDS, no seu projecto de lei, coloca os herdeiros da Coroa imediatamente a seguir aos antigos Presidentes da República porque não teve «lata» para colocá-los antes, pois essa era, de facto, a vontade que tinha! Mas os senhores tenham paciência!…

Perante o discurso do Sr. Deputado Nuno de Melo, verificámos que, pelos vistos, o CDS ainda não «digeriu» o 5 de Outubro. Apesar de já estarmos na proximidade da comemoração do centenário da República, o CDS, passados quase 100 anos, ainda não «digeriu» o 5 de Outubro, mas tem de «digerir» porque vivemos num Estado republicano, democrático e, portanto, é óbvio que os representantes da família real não têm um estatuto protocolar.

Sei que há países democráticos onde existe monarquia. Não é o nosso caso.

Em Portugal, temos a História que temos. Os senhores falaram do respeito pela História. Então, respeitam-na! Respeitem a História! Fazê-lo é, obviamente, respeitar as instituições republicanas.

Portanto, esta questão nem deveria ter lugar neste debate. É uma questão deslocada que não tem que ver com o Protocolo do Estado, tem que ver com a vossa falta de «digestão» relativamente à República Portuguesa.