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O mar e os recursos naturais na economia nacional
Sábado, 17 Novembro 2007
thumb_cartaz-cnqes-pq No Debate sobre «O mar e os recursos naturais como factor de desenvolvimento económico e social», Jerónimo de Sousa sublinhou que «não basta continuar a afirmar que “o oceano é um factor diferenciador e uma oportunidade para colocar Portugal no centro de uma rede económica de criação de valor associado ao mar” são necessárias políticas efectivas que olhem o mar a partir da nossa realidade e do interesse das nossas populações com os pés assentes no nosso território». As nossas mais cordiais saudações a todos os presentes e os nossos agradecimentos pelo vosso contributo e presença neste debate que teve como pano de fundo o “ O Mar e os Recursos Naturais como Factor de Desenvolvimento Económico e Social”.

Esta é uma das últimas iniciativas de preparação da nossa Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais que se realizará já no próximo fim-de-semana, nos dias 24 e 25 de Novembro e que, pelo vasto conjunto de iniciativas que temos vindo a desenvolver quer no plano sectorial, quer no plano regional, nos permite concluir que vamos concretizar com êxito (o que não fazíamos há anos) o nosso objectivo de realizar um abordagem global e integrada dos problemas económicos e sociais do país e apresentar uma política económica e social alternativa às soluções da política de direita, afirmando com convicção que os problemas com que o povo português e Portugal se confrontam têm solução.

A pertinência da nossa Conferência está bem patente na diversidade dos problemas que permanecem sem resposta e que o conjunto das intervenções que aqui vieram tornaram evidente em domínios que, embora não esgotem as diversas dimensões da política que têm o mar como referência, são essenciais para a defesa dos interesses nacionais e das populações como são as pescas e industria conserveira, a indústria naval, actividade portuária, mas também o turismo, a defesa e valorização dos recursos naturais. 

Ninguém como o PCP se tem batido pela concretização efectiva de uma estratégia nacional para o mar e pelo aproveitamento dos seus recursos de forma sustentável a favor das populações e do interesse nacional.

A direita e o PS em mais de 30 anos de governos, apesar das bonitas palavras que sempre dispensaram aos assuntos do mar e dos renovados propósitos de definir o mar como um “projecto nacional”, o que concretizaram em todos estes anos foi uma política de desmantelamento e destruição das principais actividades ligadas ao mar.

Foi uma política de desvalorização das actividades e das populações que do mar viviam.

São os mesmos que afirmam que Portugal se deve assumir como um “país marítimo da Europa” e que deixaram destruir a nossa marinha mercante, a nossa indústria naval, as nossas pescas, que deixaram degradar o nosso rico património natural, nomeadamente o nosso património marinho, inviabilizaram e desvalorizaram a investigação e o conhecimento dos nossos mares e o ordenamento do território.

Reafirmam ciclicamente que Portugal precisa de uma estratégia para o mar e de políticas que a concretizem, mas em vez de iniciativas e medidas que afirmem os interesses e a soberania nacional sobre o nosso mar e os nossos recursos o que se prepara são novas cedências, novas entregas de competências ao poder supranacional da União Europeia.

São os mesmos que reconhecem que Portugal dispõe de uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) da Europa e, por isso, tem uma posição privilegiada no domínio da valorização do mar, dos seus recursos e actividades, que admitem e aprovam no novo Tratado, dito “Reformador”, como fazem PS e PSD, que a gestão dos recursos biológicos marinhos passem a ser competência exclusiva da União Europeia.

São esses mesmos, como o actual governo do PS que, em vez de trabalhar para concretizar uma política nacional, sem rejeitar a necessária cooperação com outros Estados, previamente definida, salvaguardando e mantendo as competências do país relativamente à gestão do seu território, nomeadamente das suas águas e zona económica exclusiva, continuam expectantes a aguardar a criação de uma “política marítima europeia” com novas transferências de competências centrais dos Estados-membros para o nível europeu.

A actual paralisia e vazio governativo na concretização de uma política nacional integrada, dirigida ao mar é o resultado de uma visão que deixou de colocar no centro das suas preocupações os interesses nacionais nas suas diferentes dimensões, seja na exploração dos recursos, nos transportes, na investigação, na segurança, no ambiente, nas actividades económicas, com relevo para a pesca.

Não basta continuar a afirmar que “o oceano é um factor diferenciador e uma oportunidade para colocar Portugal no centro de uma rede económica de criação de valor associado ao mar” são necessárias políticas efectivas que olhem o mar a partir da nossa realidade e do interesse das nossas populações com os pés assentes no nosso território.

Políticas efectivas que não contraponham novas actividades às actividades tradicionais que se desvalorizam, mas que ambas se dinamizem e compatibilizem, que não contraponham e valorizem a aquacultura em detrimento das pescas ou a dimensão ambiental desligada da vida das populações.

Políticas efectivas que em primeiro lugar defendam e valorizem os sectores produtivos que garantem o modo de vida das diversas comunidades.

Vieram aqui os problemas desses sectores e avançaram-se propostas de solução para alguns dos seus problemas.

Permitam-me, em primeiro lugar, algumas notas sobre as Pescas que mantêm um valor estratégico para Portugal.

Colocaram-se os seus problemas e a situação de crise que se instalou no sector e que se agudizou com a entrada de Portugal na CEE, em 1986. Crise, que em grande medida é o resultado das políticas seguidas que levaram à progressiva degradação e desmantelamento das frotas, nas diversas artes, a uma acrescida dependência do país em relação ao exterior, à deterioração das condições materiais de existências das comunidades ligadas à pesca e à desvalorização do seu trabalho que provocou o contínuo afastamento e desinteresse das camadas mais jovens dessas comunidades.

Não foram apenas as comunidades ribeirinhas que perderam e perdem com tal política, foi também o país. O saldo negativo da balança comercial de produtos de pesca atingiu em 2006, cerca de 800 milhões de euros. Esse saldo era de 30 milhões em 1985.

Pescado desembarcado, frota e pescadores matriculados, ficaram reduzidos a metade entre estes dois períodos. Em 1985 a produção nacional correspondia a 70% do consumo, enquanto em 2006, a produção nacional correspondia apenas a 23%.

A capacidade de produção da indústria conserveira reflectia esta drástica redução, com a sua capacidade instalada a reduzir-se em cerca de 60% nos últimos dez anos.

A crescente dependência do país em relação ao exterior tem aqui um bom exemplo e as suas consequências reflectem-se também no contínuo crescimento da nossa preocupante e galopante dívida externa.

O peso e o valor das pescas para o governo do PS de José Sócrates, no quadro da sua tão propalada estratégia nacional para o mar, está bem patente nas suas propostas de Orçamento de Estado para 2008 e no conteúdo dos programas com fundos comunitários e nacionais dirigidos às activadas de produção de pescado.

No Orçamento para 2008, cerca de 50% do PIDDAC das pescas é dirigido ao fomento da aquicultura, numa clara opção pela multinacional Pescanova e contra a pequena pesca costeira. O Programa Operacional Nacional PESCAS – MARE tem um valor global de 60,6 milhões de Euros, dos quais 44,7 milhões vão para a aquicultura, 3 milhões para a construção e modernização de embarcações, 5,4 milhões é para equipamentos de Portos de Pesca, 3,8 milhões para a transformação e comercialização de pescado e apenas 11 mil euros para a Pequena Pesca costeira. Está tudo dito.

É esta política de secundarização das pescas que leva também à desvalorização do IPIMAR e com ele ao menosprezo das actividades de investigação. Instituição que de reestruturação em reestruturação corre o risco da sua liquidação. Tal como leva ao processo de privatização da Doca Pesca, já em curso pela mão do governo do PS e que a concretizar-se acentuará os actuais problemas da depreciação do valor do pescado na primeira venda, em prejuízo da produção.

A defesa e manutenção deste importante sector exige uma política de pesca que se oriente prioritariamente para a alimentação das populações, para o emprego pleno e melhoria das condições sociais dos pescadores e das condições de rentabilidade das pequenas e médias empresas armadoras, tal como da conservação do meio ambiente e dos recursos pesqueiros.

No vasto conjunto de propostas alternativas que temos avançado destinadas à dinamização e defesa das pescas e conservas nacionais, no actual quadro assumem uma particular importância para a imediata recuperação do sector três medidas e que não seriam uma novidade na sua aplicação em termos europeus.

Trata-se de garantir com muita urgência o acesso a combustíveis a custo reduzido para todos os segmentos da frota, de medidas de exoneração de encargos sociais e a instituição de um rendimento mínimo para os pescadores, fundamental para garantir também com justiça social uma política de defesa dos recursos.

Mas outro sector assume um particular relevo neste distrito de Setúbal – a construção e reparação naval – que tem sido outro sector vítima de um sistemático e continuado ataque e cuja situação actual é o resultado por um lado, de um deliberado abandono de uma estratégia de promoção de uma economia marítima e, por outro, da política de submissão às políticas europeias que conduziram ao seu desmantelamento. O desprezo a que sucessivos governos votaram o sector e os interesses dos seus trabalhadores tem sido visível nas posições tomadas em relação à Lisnave.

Os sucessivos governos não têm acompanhado o plano de viabilização da empresa assinado entre o Grupo Mello e o Estado português em 1997, com a vigência de 10 anos, e não têm exigido à Lisnave o cumprimento integral das suas responsabilidades e compromissos em relação aos trabalhadores, nomeadamente ao reconhecimento do seu direito ao trabalho. Compromissos nos quais se incluía a manutenção de um quadro permanente de mais de 1300 trabalhadores naquela empresa e que hoje tem apenas 400.

Um verdadeiro projecto de desenvolvimento das actividades do mar exige uma nova consideração das potencialidades que Portugal e esta região encerram para o desenvolvimento da indústria de construção e reparação naval.

Afirmou-se aqui que este é um sector com futuro e que alguns países lhe estão a dedicar um especial interesse. Portugal tem das melhores condições para afirmar e desenvolver este importante sector tirando partido da sua localização geográfica, plataforma de importantes rotas comerciais ao mesmo tempo que tem, particularmente neste distrito, dos mais qualificados trabalhadores nesta área.

O país não pode continuar a desbaratar os seus recursos humanos e materiais como os que apresenta Setúbal e a sua região. Setúbal é bem o exemplo de uma região cujas potencialidades económicas estão longe, muito longe, de serem totalmente aproveitadas e que se o fossem poderiam dar um importante contributo para o desenvolvimento do país e resolver o grave problema de desemprego que é hoje superior à média nacional.

A Península de Setúbal na sua vertente ligada ao mar e à água tem, como aqui foi evidenciado, enormes recursos e potencialidades excepcionais para o desenvolvimento de um conjunto de actividades económicas e turísticas que, se devidamente valorizadas, dariam um importante contributo para o desenvolvimento da região e do país.

Temos referenciado, nomeadamente no âmbito da nossa proposta de criação de um Plano Integrado da Península de Setúbal, a importância de dar corpo a um Programa de valorização do Potencial Oceânico e Estuarino, a pensar naturalmente no estuário do Sado e num Programa de Desenvolvimento Turístico que afirmasse a Costa Azul como um destino de excelência e ao mesmo tempo tirasse todo o partido das potencialidades que o Estuário do Sado encerra, não apenas para o desenvolvimento do turismo sustentável, mas também para o desenvolvimento de outras actividades sócio-económicas.

Vieram aqui exemplos de tais possibilidades, tal como vieram as preocupações acerca das opções do Plano de Ordenamento para a Reserva Natural do Estuário do Sado que não tem em conta a visão de desenvolvimento local e os interesses das populações.

É o mesmo poder que impõe a co-inceneração com os impactos negativos conhecidos no Parque Natural da Arrábida, que é incapaz de promover e conciliar as medidas necessárias para a protecção do património natural com o indispensável desenvolvimento turístico e económico da região.

É a mesma visão centralista que quer impor uma solução para as Regiões de Turismo que põe em causa a identidade das regiões, como a Costa Azul, para impor o seu controlo sobre as Comissões de Turismo, à margem e contra o poder local e da afirmação das identidades patrimoniais e culturais locais com a liquidação da marca construída e afirmada por anos de trabalho.

Também nesta matéria temos alternativa. Uma alternativa que respeita a natureza das Comissões de Turismo como emanação local, com o reforço do seu papel e com a densificação do quadro das suas competências. Esse é o sentido da nossa proposta de Lei já presente na Assembleia da República.  

Este debate revela que há outros caminhos, outras soluções para o desenvolvimento do país e das regiões, para o aumento da criação de riqueza e do emprego, para o desenvolvimento sustentado do país.