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Apreciação do Decreto-Lei n.º 160/2005, de 21 de Setembro, que regula o cultivo de variedades geneticamente modificadas,
Intervenção de Miguel Tiago
Sexta, 09 Dezembro 2005

Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados:

Estamos hoje perante mais uma oportunidade, provavelmente uma das últimas, no que toca ao Decreto-Lei em causa, para que esta Assembleia possa tomar uma posição que vá ao encontro das necessidades e características fundamentais da agricultura portuguesa, por um lado, e salvaguarde a saúde alimentar da população e a sua liberdade de escolha, por outro.

Se existe, efectivamente, a liberdade de cultivar produtos agrícolas transgénicos, é ainda mais imperioso proteger e garantir a liberdade de não os cultivar e de não os consumir. Com efeito, o Governo, através da legislação actual proposta por ele próprio, protege a liberdade dos primeiros em detrimento da dos segundos, num claro favorecimento às multinacionais que vendem estas sementes, acabando por dar um contributo para a descaracterização da agricultura tradicional, seja convencional ou biológica. Como no passado, como no momento em que se debateu a proposta do Partido Ecologista «Os Verdes » de suspender a vigência do Decreto-Lei n.º 160/2005, o Partido Comunista Português manterá a sua posição sobre esta matéria. Olhamos para a biotecnologia e o seu progresso com a confiança de que um dia será mais uma grande mais-valia para o desenvolvimento da sociedade. No entanto, há que avançar com a necessária precaução. Quando determinada tecnologia e os seus impactos não estão suficientemente estudados nem são suficientemente conhecidos, deve ser tido todo o cuidado na abertura de mercado para a sua distribuição. Não vinga aqui o argumento do desenvolvimento tecnológico. Não é, certamente, por Portugal aceitar cultivar e consumir organismos geneticamente modificados ou produtos deles advenientes que vai dar um salto tecnológico, nem será isso que nos vai colocar no pelotão dianteiro da biotecnologia.

Consideramos que a escolha correcta será a de levar a cabo um efectivo esforço no desenvolvimento do conhecimento, quer sobre os OGM, quer sobre o seu consumo e cultivo, que, alertamos, não pode estar sujeito às mesmas regras em países de características significativamente diversas, como o Governo pretende.

Não defendemos a abertura deste mercado, que, neste formato, atenta contra a própria agricultura tradicional, acentuando também nessa área a dependência nacional do estrangeiro. Não defendemos esta abertura, dizia, enquanto não estiver absolutamente garantido o direito a cultivar organismos não modificados e o direito a não consumir organismos geneticamente modificados. Para o PCP, prevalece, portanto, o direito à preservação da agricultura portuguesa e o direito à precaução no que toca à saúde alimentar.

Não conhecemos, porque não existem, os estudos em torno dos organismos geneticamente modificados e das características da agricultura nacional que sustentam as limitações e as condicionantes à coexistência entre culturas que são fixadas pelo Decreto-Lei. Para além de tudo isto, são ainda muitas as lacunas na legislação, nomeadamente no que toca ao direito de declaração de zonas livres de transgénicos por parte de regiões do País, bem como à constituição dos fundos necessários para a eventual indemnização de agricultores.

Foi com consciência em torno de todas estas insuficiências da lei, muitas delas já identificadas na intervenção do Partido Ecologista «Os Verdes», que apoiámos a apreciação parlamentar que levamos agora a cabo. Será, portanto, com consciência dos problemas que se levantam que nos empenharemos no novo processo de discussão das propostas de alteração ao Decreto-Lei que advirá desta discussão.

Importa, pois, que hoje fique claro se o Governo e a maioria que o sustenta estão do lado do desenvolvimento da agricultura nacional ou se, pelo contrário, prosseguirão o caminho da afronta, à semelhança do que têm feito com as políticas ineficientes de combate à seca e aos fogos florestais e com a aprovação de uma lei da água que pune os pequenos e médios agricultores. Será que desta vez irão dar um contributo positivo, mostrando a necessária abertura para discutir a formulação do Decreto-Lei n.º 160/2005? Também da que for a atitude de hoje do Governo e da maioria do PS se concluirá se ficará ou não marcada a sua actuação pela afronta aos interesses da agricultura portuguesa.

(…)

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Começaria por dizer que se o PS não tem uma posição «religiosa» sobre esta matéria — não iria tão longe — parece-me óbvio que há uma escolha clara do PS e do Governo pelo lado em que se colocam. Basta ler o Decreto-Lei para perceber que estão bastante mais salvaguardados os direitos à produção de OGM do que o direito a não consumir e a não ser contaminado pelas produções vizinhas de OGM.

O simples facto de não ter havido o cuidado de incluir no Decreto-Lei a possibilidade da declaração de zonas livres denota bem que tipo de prioridades foram aceites, que tipo de prioridades serviram de pressuposto.

Gostava, pois, de saber por que é que o Governo dá uma tal ênfase à cultura de OGM e não precavê o direito do consumidor.

Diz o Sr. Secretário de Estado que cabe ao cidadão decidir se quer ou não consumir OGM, considerando que estão actualmente garantidas as condições para que um cidadão possa dizer «eu não consumo OGM». Mais: considera o Sr. Secretário de Estado que existem todas as condições, sem que isso signifique um acréscimo de custos, para que um agricultor tradicional diga «na minha cultura não entra a contaminação de organismos geneticamente modificados».

Sendo assim, assumindo o Governo isso em plena consciência, quando houver contaminações veremos o que é que dirá nessa altura e de que forma colmatará os problemas daí advenientes!

Relativamente ao estudo que, segundo o Sr. Secretário de Estado, foi tão amplamente divulgado— já agora, gostaria de saudar a sua elaboração —, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: esse estudo sustentou o Decreto-Lei ou foi o Decreto-Lei que sustentou o estudo?

O estudo saiu antes ou depois da publicação do Decreto-Lei? Esse estudo sustentou as medidas políticas do Governo ou veio, meramente, legitimá-las, fazendo simples alusões à ciência, que tantas vezes são utilizadas?

Por último, já não está aqui em causa, julgo eu, a questão de proibir ou não as culturas de OGM nem de demonizar os organismos geneticamente modificados. O que está em causa, no momento da apreciação deste Decreto-Lei é, tão simplesmente, a cautela, a precaução, a minimização dos danos que poderão advir da utilização dos OGM. É disso que estamos a falar! Neste momento, não está em cima da mesa nenhuma proposta que proíba o cultivo de organismos geneticamente modificados.

A terminar, relativamente às questões do avanço biotecnológico e de Portugal ser ou não um país vanguardista cientificamente, gostava de dizer que não é certamente por vendermos televisões, telemóveis, ou seja o que for que somos um País que está na vanguarda da investigação electrónica. E não será certamente por subjugarmos a agricultura portuguesa à dependência das grandes multinacionais — que vendem as sementes, muitas delas estéreis, para já não falar dos produtos acessórios à agricultura, que muitas vezes só são adequados se forem de uma certa multinacional — que fará com que os nossos laboratórios e os nossos investigadores passem, de um momento para o outro, a representar a vanguarda da biotecnologia a nível mundial.

 

 

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