A energia, é um
factor de produção que vem assumindo, particularmente a partir de meados do
século XX, um protagonismo crescente nas sociedades modernas., devido a uma
procura exponencial, dominantemente relacionada, mas não só, com a satisfação
das crescentes necessidades humanas, seja em termos da qualidade de vida, seja
para responder ao crescimento demográfico.
São crescentes
as necessidades de energia na produção industrial, nos transportes, nos
serviços e no quotidiano das famílias, fazendo com que a procura de energias
finais venha crescendo a ritmos acelerados, embora o seu peso no produto
interno, devido a melhorias significativas nos rendimentos energéticos de
múltiplos tipos de equipamentos e dispositivos, esteja, em muitos países, a
decrescer.
A satisfação das
necessidades energéticas é feita actualmente, através, fundamentalmente, da
utilização das seguintes energias finais: combustíveis líquidos, gás natural e
electricidade, obtidas dominantemente a partir dos combustíveis fósseis
petróleo, gás natural e carvão e, em menor escala, de combustíveis nucleares e
de energias renováveis.
Ao mesmo tempo
que a procura continua a crescer, avizinham-se enormes ameaças e incertezas
sobre a sustentabilidade do aprovisionamento, com destaque para a escassez
crescente e mesmo o total esgotamento das reservas de petróleo, num horizonte
de duas gerações, e, com o atraso de algumas décadas, também do gás natural.
Portugal possui
em termos relativos, muito significativas potencialidades relativamente a
algumas energias primárias, particularmente as renováveis - a hidroeléctrica, a
solar, a eólica, a biomassa, as relacionadas com o mar e a geotérmica -
aproveitadas ainda, com excepção da hidroeléctrica e da eólica, a uma escala
muito reduzida, e que só uma política ao serviço dos trabalhadores, do povo e
do país poderá potenciar de forma racional. Trata-se indiscutivelmente de um
objectivo estratégico do nosso desenvolvimento.
A gestão da
energia, seja no que respeita à procura de energias finais, seja no que
concerne à sua oferta, assume um carácter profunda e crescentemente
estratégico, sendo um dos mais importantes pilares da sustentabilidade das
sociedades desenvolvidas como actualmente as conhecemos, carácter estratégico
que se acentua face à perspectiva de crescentes desequilíbrios entre a oferta e
a procura, e que, portanto, deveria e deverá obrigar a uma cada vez mais
profunda intervenção dos Estados, no quadro do exercício das suas soberanias e
independências, embora bem saibamos, quanto pesado e excessivo é nos dias de
hoje, o protagonismo do grande capital neste domínio, seja a nível
internacional, seja nacional.
Portugal está há
quase duas décadas sem política energética. Em vez de tão importante instrumento,
esta foi sendo, no fundamental, paulatinamente substituída por uma política de
privatizações, pelo comando dos índices bolsistas sobre a gestão das empresas e
pelas jogadas do grande capital nacional e internacional, utilizando tão
importante sector para os seus negócios e objectivos particulares, sempre no
quadro de uma brutal concentração e acumulação do capital.
Contudo, este
paradigma neoliberal, é total e completamente incompatível com o
desenvolvimento sustentado.
No plano
nacional, a intervenção do Estado deve começar pela definição e execução clara
de uma autêntica política energética ao serviço do povo e do país e portanto do
desenvolvimento, o que significa, desde logo, a criação ou reanimação dos
instrumentos e dos meios para a executar, como sejam a recriação do Gabinete do
Plano Energético Nacional e da actualização deste, enquanto matriz de uma
política energética, com orientações precisas e seguras sobre as políticas de
oferta e de procura.
Neste quadro, a
intervenção do Estado português, deve ser profunda e multifacetada, seja
relativamente à modelação das políticas de procura, seja relativamente às políticas de oferta, com vista a assegurar um
desenvolvimento sustentável, com respeito pelo equilíbrio das contas externas e
da envolvente ambiental.
É preciso tornar
muito claro, que existe uma total incompatibilidade entre o carácter
crescentemente estratégico da gestão da energia, ainda por cima no quadro das
profundas ameaças já anteriormente referidas, e que, num horizonte de uma a
duas décadas, as potencialidades da C&T só permitirão atenuar, e o carácter
privado dos circuitos económicos ligados à energia - pesquisa, exploração,
aprovisionamento, armazenagem, produção e comercialização.
Observemos
seguidamente alguns aspectos da ausência, ou da incorrecta intervenção do
Estado na gestão do sistema energético português, designadamente nas suas
correlações com outros sectores e sistemas.
Exemplos
avulsos, mas que ilustram de forma categórica as políticas seguidas pelo PS e o
PSD, há mais de 20 anos, nestas esferas e que são paradigmáticos sobre a
incorrecta intervenção do Estado, no domínio da procura de energia. São eles:
- o da evolução do preço dos
transportes públicos
- o da utilização do potencial de
energia solar
- o da política do transporte
rodoviário
Observemos o
primeiro exemplo: O actual governo, na senda dos anteriores, tem um discurso,
em que aparentemente privilegia o transporte colectivo face ao transporte
individual, mas tem uma prática política que contraria completamente tal
propósito, ao indexar, de forma
sistemática, o preço dos transportes colectivos, ao do preço dos
combustíveis.
Generalizando
esta orientação, chega ao ponto de aplicar os mesmos critérios aos transportes
públicos de tracção eléctrica.
Trata-se de uma
política suicida, pois que conduz as pessoas a não optarem pelo transporte
público. Se, ao contrário, mantivessem,
ou mesmo baixassem os preços dos diversos modos de transporte público,
porventura com o pagamento de indemnizações compensatórias às transportadoras,
a procura destes aumentaria inevitavelmente, e o país teria imensos benefícios,
designadamente na balança energética, no tempo não perdido em transportes,
ambientais e nas responsabilidades internacionais relativamente a Quioto.
Relativamente ao
segundo exemplo, ou seja, o da instalação do solar térmico em edifícios novos,
ampliados ou reconstruídos, sendo Portugal o país europeu com mais horas de Sol
por ano, e sendo os consumos domésticos com aquecimento de águas e ambiente
muito elevados, a promoção efectiva, desta tecnologia simples e estabilizada,
permitiria poupar uma parte muito significativa dos actuais consumos de gás
natural e electricidade. Para tanto, bastava que projectos e intenções bem
antigas, já tivessem sido de há muito concretizadas.
Novamente na
área dos transportes, a opção pelo transporte rodoviário de passageiros e
mercadorias, em desfavor do transporte sobre carris electricamente accionado,
constitui uma opção profundamente incorrecta, opção em que os governos tem uma
dupla responsabilidade, a saber: por um lado, devido à total privatização do
sector dos transportes rodoviários de passageiros e por outro, devido às
políticas de investimento público que privilegiam a rodovia sobre os carris-
veja-se a triste evolução dos caminhos-de-ferro, claramente o grande transporte
de futuro para as pequenas e médias distâncias, a enorme lentidão com que
avança a claramente estratégica expansão do metropolitano de Lisboa e o quase
nulo investimento em eléctricos em cidades médias do país.
É fácil de ver,
só por estes três exemplos, como do lado da procura de energias, a
responsabilidade dos governos é imensa e o Estado deveria ter um muito maior
protagonismo.
Do lado da
oferta, a questão mais preocupante, foi e é, o processo de privatizações,
através do qual, foi retirado ao Estado a posse e a gestão de importantes
activos estratégicos em empresas energéticas, bem assim como, as políticas
empresariais privadas seguidas em sequência, políticas quase sempre lesivas do
interesse nacional, impossibilitando a consecução de qualquer política
energética e transformando o aprovisionamento energético, num enorme negócio do
grande capital.
Por todas estas
razões, o processo de privatizações na área energética, iniciado em Junho de
1992, com a privatização de 25 % da Galp, e que neste momento está a ter os
seus desenvolvimentos finais, com a alienação das últimas participações que o
Estado ainda detém nas empresas do sector, é um processo que atinge
profundamente os interesses nacionais, seja em termos de segurança, seja em
termos da competitividade da economia, particularmente do vasto tecido das
micro e pequenas empresas, seja do desenvolvimento sustentável, seja finalmente
em termos do exercício da soberania, mesmo entendido no quadro da integração na
EU, pois que os egoístas interesses de curto prazo do grande capital privado e
da pressão bolsista que lhe está associada, chocam-se permanentemente com os
interesses colectivos, particularmente na perspectiva das gerações vindouras.
Isto é, podemos afirmar sem margens para dúvida, que com a vertente da oferta
do sector energético nas mãos do grande capital, não poderá haver
desenvolvimento sustentável, pois que o Estado perde a sua capacidade de
actuação, tendo a Administração, designadamente a Autoridade Energética - ERSE
- de facto um papel marginal e insignificante na gestão do sistema energético.
De uma outra
maneira, podemos dizer que a política energética nacional foi e é a política de
privatizações, instrumento fundamental do grande capital no processo de
reconstituição monopolista.
Vejamos em
breves traços, alguns dos crimes mais recentes.
Na produção,
transporte, distribuição e comercialização de energia eléctrica, após as
primeiras fases do processo de privatização da EDP iniciadas há mais de dez
anos, é suspensa a construção de grandes centrais hidroeléctricas ( sendo o
potencial ainda por aproveitar em termos de potência, de cerca de 2500/3000 MW,
o que constitui um valor ainda muito elevado ) construção que potenciaria o
próprio parque eólico que está a ser instalado.
Só há alguns
muito poucos meses, é que, quer o governo do PS, quer alguns partidos da
direita, redescobriram o enorme potencial hidroeléctrico do país e a
necessidade de relançar a construção de grandes hidroeléctricas, mas não só,
depois de serem objectivamente responsáveis por tal não aproveitamento. Seria
interessante sabermos as razões que estão por detrás de tal mudança.
Ao mesmo tempo, o nosso Partido, sem
perturbações estratégicas, sempre defendeu e continua a defender tal
orientação.
O caso do
aproveitamento integrado do Alqueva é paradigmático.
Ao mesmo tempo
que é fomentada pelos governos do PS e do PSD/CDS, a construção de múltiplas
centrais térmicas de ciclo combinado a gás natural, para a EDP e outros grupos económicos, com
reflexos negativos profundos, seja a
nível ambiental, seja do acentuar do desequilíbrio da balança de
mercadorias/energética, seja sobretudo aumentando a nossa dependência face ao
exterior.
Ao mesmo tempo,
no que concerne aos aproveitamentos eólicos, inicialmente previstos para a
pequena produção independente, estes transformaram-se numa frente de negócios
do grande capital, designadamente da área financeira, dadas as tarifas pagas pelo KWh eólico, que só se
justificavam na fase de arranque desta tecnologia, e não numa fase de
maturidade como aquela que já foi alcançada.
Semelhante
situação, é a que se está a viver com o nível elevadíssimo da produção de
electricidade em regime de co-geração, subvertendo o princípio inicial de
aproveitar as potencialidades energéticas de diversas indústrias de processo
que precisam de gerar calor, o qual regime é transformado numa desmesurada
produção de electricidade por via térmica, dado o KWh pago pela REN ser quase
1,5 vezes o KWh do regime vinculado.
A questão do
brutal aumento das tarifas eléctricas, tem
completamente a ver com todos estes factos - ausência de política
energética, acentuar da produção térmica, os preços pagos pela co-geração e
pela produção eólica e, finalmente, os lucros fabulosos e economicamente
inaceitáveis da EDP, mas não só, tudo factos decorrentes do processo de
privatização.
Relativamente à
refinação de petróleo, as incertezas, que de vez em quando aparecem, seja sobre
o futuro da refinaria de Matosinhos, seja sobre o abandono da presença na área
de exploração, assim como a estranha orientação de efectuar diversificações
para fora do núcleo estratégico de negócios - por exemplo produção de
electricidade - são algumas das consequências do processo de privatização. No
ano passado, a escandalosa distribuição de dividendos, num valor superior a
quase mil e duzentos milhões de euros, valor desviado da esfera produtiva,
superior a 1/7 do valor total do investimento das linhas de comboio de alta
velocidade, o que constitui um verdadeiro escândalo nacional, é também uma
óbvia consequência do processo de privatização da Galpenergia.
Constituindo,
quanto a nós, os maiores perigos das privatizações na área energética, a
subversão de uma política energética coerente, devido, no fundamental, ao
desenvolvimento de negócios contrários ao desenvolvimento nacional sustentável,
convirá não esquecer que as novas relações financeiras estabelecidas entre o
Estado e as empresas privatizadas, passam também a ser outro, aspecto
profundamente prejudicial para o país, pela as razões seguintes, a saber: por
um lado, os enormes dividendos que deixam de entrar nos cofres do Fazenda
Pública, por outro, os impostos que diminuem e indirectamente pela incapacidade
do Estado de gerir as tarifas de electricidade, independentemente das fórmulas
tecnicamente intocáveis, que possam existir para o seu cálculo.
Um outro aspecto
que não podemos deixar cair, é o do carácter de serviço público destas
empresas, o qual, paulatinamente vai desaparecendo.
Por todas estas
razões, devem ser urgentemente interrompidos os processos de privatização em
curso nas empresas estratégicas do sector ligadas à produção de energias finais
, e criadas todas as condições para que o Estado possa reassumir uma posição
determinante nas maiores empresas do sector, designadamente na EDP, na REN e na
Galp Energia.
Concluindo,
diremos que só com uma forte e efectiva presença do Estado no sector
energético- enquanto definidor de políticas, enquanto regulador e fiscalizador
e enquanto detentor e gestor de activos empresariais, seja do lado da oferta,
seja da procura- é possível atenuar e resolver a contradição profunda entre a
nossa enorme e insustentável dependência energética e o aproveitamento dos
grandes e diversificados recursos energéticos endógenos.
Para isso é
necessário outro rumo e uma nova política ao serviço do povo e do país.
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