Lançamento do livro «Encontro do PCP sobre os direitos das mulheres» - Intervenção de Manuel Gusmão, Membro do CC do PCP
Quinta, 30 Outubro 2008
Este livro editado pelas edições Avante! é, como
outros aliás que tem publicado, um livro de várias formas curioso e que merece
que atentemos um pouco nas suas particularidades. Algumas obervações que correm
o risco de parecerem excessivamente formais, mas que o são menos do que
parecem.
Comcemos pela capa e pelos dizeres que nela se
inscrevem. Em cima e centrado o logotipo da editora. Em baixo, igualmente
centradas, e formando uma espécie de caixa, três linhas de texto de igual
extensão, mas com um tamanho de letra
diferente em cada linha
ENCONTRO DO PCP SOBRE OS
D I R E I T O S D A S
M
U L H E R E S
Este texto, corrido, dá-nos nas letras maiores o
tema do livro - OS DIREITOS DAS MULHERES - e indica-nos desde a sua primeira
linha a sua autoria - o PCP, ou mais rigorosamente, um Encontro do PCP. Temos
assim um texto que junta graficamente duas indicações correntes em livros: nome
de autor e título. Se normalmente essas duas indicações ocorrem separadamente
no espaço da página, há também aqueles
casos, como os das Actas de um seminário ou Congresso, onde elas podem
juntar-se como aqui, mesmo se nem sempre. De qualquer forma o que este grafismo
nos mostra é que este livro é de autoria colectiva. O caracter partidário desse
colectivo é sublinhado pelo facto do nome do partido PCP vir inscrito a preto e
não aberto a branco no fundo vermelho da págima. Tal com acontece, aliás, com a
maiúscula inicial da palavra "Mulheres", que tem a particularidade de vir num outro
tipo de letra, que imita o recorte ou o
contorno de um M manuscrito.
Só lendo o índice e o livro nos aperceberemos
contudo da verdadeira dimensão e significado desta autoria colectiva. É sabido
que nós no PCP, falamos e valorizamos muito o trabalho colectivo, o princípio
da direcção colectiva, a ponto de nos referirmos ao Partido, como o grande colectivo
partidário.
Este colectivo não é uma entidade abstrata, nem uma espécie de corpo místico
que dissolveria a singularidade concreta de cada indivíduo humano. É um
colectivo concreto, formado por homens e mulheres que trazem consigo marcas da
sua origem e situação de classe, portadores de experiências de vida e do mundo
diferenciadas que se constituem em sujeitos livres, unidos por
um ideal e uma ideologia emancipadora e crítica, herdeiros de uma história de
resistência e de luta que abre o futuro à sua acção no presente.
Este Encontro é uma instância concreta do trabalho
colectivo. Os materiais do encontro, que agora se editam, são a esse título elucidativos. Reúnem-se neste livro os documentos e
intervenções apresentadas ao Encontro. O trabalho que condensam desenvolve-se em vários planos. Por um lado,
há o trabalho da Comissão junto do CC para a Luta e o Movimento das mulheres e
a intervenção individual de vários dos seus membros. Esse
trabalho integra o de outros para a produção do Documento de Apoio, com
Anexos Estatísticos, que expressamente não é encarado, afirma-o Fernanda
Mateus, membro da comissão Política do CC do PCP, como "um ponto de chegada mas
[como] um ponto de partida para uma
reflexão que tem que neessariamente
continuar e intensificar-se no âmbito do trabalho preparatório do XVIII Congresso
do Partido [... Por isso, se pretende que esse documento que não será posto à
votação, ] seja melhorado e harmonizado, em virtude dos contributos e inrtervenções que sejam feitas neste
Encontro, aprofundando a identificação dos problemas nos diversos distritos e
sectores". E aqui entra em cena uma outra instância colectiva que se exprime pela
participação de cerca de 300 delegados, por um pouco mais de 30 intervenções e
pela aprovação de um outro documento, o Apelo, "Com o PCP, dar mais força à
luta das Mulheres".
Uma observação final neste preâmbulo que já
vai longo.
Pelos nomes dos "autores" das várias intervenções
percebemos que os participantes não são apenas mulheres, mas há também homens e
homens que não têm como responsabilidade directa no trabalho partidário a
protecção e a promoção dos direitos das mulheres.
As intervenções das cerca de três dezenas de
participantes aprofundam temas tratados
no documento de apoio; exemplificam experiências de discriminação e de luta
(numa só empresa, como na Nordigal); informam sobre a situação e a luta das
mulheres em difrentes regiões do país (do Alentejo à Madeira); em vários
sectores de actividade ( cortiça, banca, comércio e grandes superfíces, media,
desporto); sobre a participção em movimentos
sociais (desde o movimento sindical, ao movimento associativo e popular,
MDM); referem políticas do governo para
várias áreas de interesse nacional e caracterizam os efeitos que a desresponsabilização social do Estado, que
elas praticam, provoca no aumento das desigualdades sociais e na discriminação
das mulheres (Educação e Ensino, Saúde, políticas salariais, o Código de
trabalho de Sócrates), prestam conta do trabalho de entidades, como o Grupo
parlamentar do PCP, em defesa dos
direitos das mulheres; tratam de vários ângulos de abordagem a ligação entre os
direitos das mulheres, a liberdade e a demoracia; analisam o combate ideológico
que se trava em torno desses direitos, e discutem as maneiras de enfrentar a
violência ou as violências sobre as mulheres.
Mas como entender esse facto? Por um lado, ele
decorre da própria concepção estatutária de um Encontro ou de uma Conferência
do PCP e da experiência prática de realização desse tipo de reuniões
partidárias. Por exemplo, o Encontro Nacional do PCP sobre Cultura, realizado
em Maio de 2007, não reuniu apenas escritores e artistas, nem mesmo apenas
trabalhadores intelectuais, mas militantes que, independentemente das suas
qualificações académicas, lidam com questões da cultura em autarquias,
sindicatos ou colectividades. Duas razões: por um lado, o nosso entendimento de
que a cultura não é a coisa exclusiva do
seus criadores específicos ou dos intelectuais embora eles tenham sobre ela um
olhar especialmente responsável; por outro o entendimento de que a importância
da democratização cultural, para o exercício da liberdade, para a transformação
da vida e a emancipação social, é de tal ordem que ela interessa ao conjunto
dos trabalhadores, logo, tem de interessar ao seu partido.
Outro exemplo: a Conferência Nacional do PCP sobre
questões económicas e sociais, realizada em Novembro de 2007, não reuniu apenas
economistas, sociólogos e outros trabalhadores científicos dessas áreas, mas
também militantes desde a base ao topo, passando pelos diferentes
níveis de responsabilidade na organização partidária. Neste caso, a
razão é se possível ainda mais óbvia : É que as questões aí tratadas são,
para um partido como o nosso, grande
parte do conteúdo político da nossa acção.
No caso deste Encontro sobre os direitos das
mulheres este tipo de amplitude na participação é, por sua vez, a manifestação
de uma tese fundamental que o próprio encontro reafirma. A tese de que a
emancipação feminina é inseparável da luta de todos os trabalhadores pela sua
emancipação, e é por isso do interesse não apenas das mulheres mas de todos os
trabalhadores, sejam eles homens ou
mulheres. Esta tese não é apenas uma
dedução teórica do princípio da luta de classes como princípio de análise
histórica das diferentes configurações concretas das sociedades humanas: ela
radica numa apreciação da já longa experiência histórica das lutas dos
diferentes movimentos de mulheres e da sua proximidade ou distância em relação
ao movimento operário, em Portugal ou no mundo. Os trabalhadores não conseguirão emancipar-se plenamente
enquanto não realizarem a emancipação das mulheres que, por seu turno, só
conseguirão a sua emancipação pelo movimento de integração da sua luta no
processo de emancipação social geral dos trabalhadores e de todos os oprimidos.
Podemos por isso dizer que a emancipação
feminina de todas as formas de exploração e opressão é, ao mesmo tempo, factor
e função da emancipação de todos os trabalhadores.
Ora se esta tese é correcta, ela gera especiais
responsabilidades para um partido como o PCP que se define como "o partido
político do proletariado, o partido da classe operária e de todos os
trabalhadores portugueses". Se ela é correcta, ela deve ser assumida não apenas
pelas mulheres comunistas mas por todo o partido. É neste quadro, que adquire o seu pleno
sentido a participação no encontro do Secretário-Geral do PCP e que ele diga "O
nosso Encontro Nacional" e
justamente afirme: É mais uma importante
iniciativa de um partido que não só está atento aos problemas das mulheres
portuguesas, como continua determinado em contribuir com a sua reflexão
própria, a sua intervenção e o destacado papel das mulheres comunistas, para ampliar a luta organizada
pela sua emancipação.
Essa
ampliação passa pela participação daqueles indivíduos que ali estão, não apenas
representando-se si mesmos, mas à sua experiência de luta nos seus sectores, e
cada um deles deve depois ser alguém que, nas organizações de onde provém,
transmitirá o que no Encontro aprendeu. Por outro lado, a ampliação não é
apenas quantitativa. Realizado num ano em que se realizará um Congresso, este
encontro é encarado como um contributo
para esse momento da reflexão do colectivo maior. Por isso, ele é um processo
que é parte integrante de um processo maior e é, ainda de ampliação que essa
integração nos permite falar.
Por outro lado, se este Encontro é um ponto de partida
mais do que um ponto de chegada, não se pode dizer que ele parta do zero. De
facto , enquanto momento de reflexão sobre a luta das mulheres pelos seus
direitos ele é ambém um momento num processo
de reflexão que vem detrás. Como
o podemos, por exemplo, perceber ao ler
o documento de apoio que cita momentos anteriores dessa reflezão. Momentos que
hoje estão fixados em publicações também da editorial Avante!: A conferência do PCP. A emancipação da mulher no
Portugal de Abril, de 1986; o Seminário A mulher na comunidade local: Raízes, Identidade,
Aspirações. As estratégias necessárias, de 1991; As mulheres e o poder loal. Contribuições para a
reflexão e a acção, de 2003; e ainda a Resolução política do XVII Congresso do PCP, realizado em 2004. Mas o
património de reflexão a partir do qual aqui se trabalha é também um património
de princípos e método de análise, um corpo de orientações gerado pelo movimento
operário e comunista internacional. Um
nome pode e deve aqui ser referido, o nome de Clara Zetkin, de quem as edições
Avante!, em colaboração com a Organização das Mulheres Comunistas, publicaram
uma antologia de textos, abundantemente comentados, em comemoração dos 150 anos do seu
nascimento. De facto não é exagero afirmar que este documento, entre outros
referenciais teóricos e metodológicos, que guiam as suas análises, é também
inspirado por análises, orientações e formulações dessa dirigente
revolucionária internacional que marcou a luta das mulheres e o pensamento e a
acção do movimento operário e comunista na luta pela emancipação feminina.
E se este documento de apoio ao encontro cita e
incorpora todo esse património de reflexão e acção, deve ainda reconhecer-se
que ele cita e trabalha também estudos e trabalhos feitos por outros autores e
autoras sobre aspectos e problemas
sectoriais dos direitos das mulheres.
O documento parte de um primeiro momento em que
recapitula os avanços conseguidos com o 25 de Abril e que depois nos confronta
com as consequências de trinta anos de política de direita. Aqui é de sublinhar
a ainda hoje impressionante listagem de conquistas e avanços no plano da
legislação ordinária e da CRP conseguidos na fase de fluxo revolucionário. A
profundidade das transforrmações que então se processam é tal que se projectam
mesmo na fase política em que a característica dominante é a da resistência e boicote ao caracter avançado
do regime democrático-constitucional. Contudo nas últimas três décadas, a evolução da
situação das mulheres no trabalho e na sociedade evidencia o agravamento das
injustiças sociais e a continuada perpetuação do "tradicional" ciclo de
discriminação em função do sexo, o que pesa sobre a sua situação no trabalho
- seja das jovens, seja das que têm um
percurso profissional consolidado - e se repercute na vida familiar e na sociedade em geral (29). É a partir da observação rigorosa da
realidade que se confirma o laço existente entre a efectivação dos direitos das
mulheres e os direitos dos trabalhadores.
E o documento tira uma ilação ideológica necessária : A tentativa dos governos
de justificar o malogro das suas políticas de igualdade pela persistência das
representações sociais de mulheres e de homens, atribuindo à divisão
assimétrica do trabalho no seio da família ( esfera privada) as desigualdades
das mulheres no trabalho (esfera pública),
procura iludir o impacto das
políticas económicas e sociais na
perpetuação da divisão sexual de
papéis na família, no trabalho e na sociedade (31). É à luz da exposição desta
mistificação que o documento inventaria alguns dos temas da ofensiva ideológica
do discurso dominante que visam mistificar as razões da situação das mulheres,
constitui-las num conjunto socialmente homogéneo, que de facto não são,
isolá-las da luta dos trabalhadores e conduzi-las para falsas soluções e becos
sem saída.
Em seguida, o documento analisa a situação actual
em resultado da política do governo de José Sócrates no campo da saúde, da segurança social e da
educação, assim como as consequências da privatização dos serviços sociais e das
falsas promessas de apoio à maternidade e à família. O documento denuncia o
conjunto de propostas de alteração para pior do Código de Trabalho, que
constitui um inaceítável retrocesso júrídico-político e se for aprovado e
aplicado um enorme retrocesso social de natureza civilizacional, um instrumento
de guerra de classe contra o conjunto dos trabalhadores e em particular as
mulheres trabalhadoras. De forma igualmente pertinente, o documento denuncia o projecto de tratado da União
Europeia, o chamado Tratado de Lisboa, pelo modo como empobrece a democracia e
fragiliza direitos, não acolhendo
direitos fundamentais, consagrados na CRP, como o direito ao trabalho, a
proibição de depedimentos sem justa causa, assim como os direitos sexuais e reprodutivos, consagrados na
legislação portuguesa.
Os três capítulos finais têm por objecto a análise
da acção e da luta das mulheres e das suas organizações, a consideração dessa
luta no quadro da luta de classes e o
papel insubstituível desempenhado e a deseempenhar pelo PCP.
O apelo do Encontro, "Com o PCP dar mais força à
luta da mulheres", tem significativamente a forma de um compromisso de todas as
mulheres e homens comunistas em torno de objectivos imediatos de luta. Um
compromisso que, no quadro da luta de classes, liga esses objectivos imediatos
à esperança longa e activa na
emancipação, que o PCP protagoniza e, assim,
projecta Abril em direcção ao futuro, em direcção ao socialismo, em
direcção à conquista do direito das mulheres à igualdade real.
Terminarei, citando 2 parágrafos da secção final
do documento de apoio:
O ideal comunista, considerando que "o grau de emancipação da mulher é a medida
natural do grau de emancipação geral" e que o desenvolvimento de cada um é a
condição do desenvolvimento de todos", liga de forma indissolúvel a emancipação
da mulher à luta por profundas transformações sociais, à luta pela liquidação
da sociedade capitalista, em que a riqueza de uns se acumula à custa da
exploração e opressão de outros seres humanos (72).
Para o PCP, a emancipação efectiva da mulher é,
portanto, inseparável do combate ao
capitalismo e da luta pelo socialismo. Na fase actual da vida no nosso país, a
luta emancipadora das mulheres é ineparável do combate às políticas de direita,
à defesa das conquistas de Abril, ao aprofundamento do regime democrático como
parte integrante da luta pelo socialismo. (id.ibid.)
E, do mesmo modo que a emancipação dos trabalhadores
só pode ser obra dos próprios trabalhadores, a emancipação das mulheres deve
ser obra das próprias mulheres (id.ibid.).