Partido Comunista Portugu�s
  • Narrow screen resolution
  • Wide screen resolution
  • Auto width resolution
  • Increase font size
  • Decrease font size
  • Default font size
  • default color
  • red color
  • green color
�
�

Orçamento do Estado para 2009 - Intervenção de Agostinho Lopes AR
Sexta, 07 Novembro 2008
euros.jpgConvenhamos que é admirável, depois de anos e meses de governação segundo os melhores cânones neoliberais, ouvir o Sr 1º Ministro indignar-se com os que defendem que o Estado deveria sair de áreas como a saúde, a educação, a segurança social", reduzido às "áreas de soberania", denunciando a "ideologia do Estado Mínimo e o programa de desmantelamento do Estado social", etc, etc, chegando até, calcule-se, a falar de "pensamento único", que pelos vistos são dois: o do Muro de Berlim, e o dos "produtos financeiros desregulados". Fica-nos a dúvida, se são arroubos de recém-convertido a um requentado keynesianismo ou apenas um discurso neoliberal de fachada keynesiana? São sem dúvida, milagres da crise financeira!  

Orçamento do Estado para 2009 (encerramento do debate na generalidade)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Convenhamos que é admirável, depois de anos e meses de governação, segundo os melhores cânones neoliberais, ouvir o Sr. Primeiro-Ministro indignar-se com os que defendem que o Estado deveria sair de áreas como a saúde, a educação, a segurança social, reduzido às «áreas de soberania», denunciando a «ideologia do Estado Mínimo e o programa de desmantelamento do Estado social», etc., chegando até, calcule-se, a falar de «pensamento único», que, pelos vistos, são dois: o do Muro de Berlim e o dos «produtos financeiros desregulados».

Fica-nos a dúvida se são arroubos de recém-convertido a um requentado keynesianismo ou apenas um discurso neoliberal de fachada keynesiana.

São, sem dúvida, milagres da crise financeira! Porque o neoliberalismo é, mais uma vez, a matriz do Orçamento do Estado para 2009 (proposta de lei n.º 226/X), como se demonstra na obsessão pelo défice, primeiro objectivo e critério-chave das decisões orçamentais, pela compressão dos custos do trabalho, pela redução no Estado de recursos humanos e eliminação de instrumentos económicos e serviços públicos essenciais, pelas privatizações, pelo prosseguimento da liberalização de mercados e promoção da dita regulação, conceito e prática neoliberal.

O Estado do Governo PS não sai das áreas sociais, de facto, nem liquida serviços públicos.

Não, que ideia! A técnica é outra: mete o capital privado nas áreas sociais e nos serviços públicos, por contratação, pelas parcerias público-privadas, pelas concessões, como sucede na saúde, nos transportes, no ensino, etc., para lá das privatizações propriamente ditas da Galp, da ANA, da TAP, da REN, da Inapa!

Na sua intervenção, o Primeiro-Ministro evitou uma análise rigorosa, verdadeira, da situação económica e social do País, o balanço dos seus orçamentos de Estado, da sua política.

Fugiu dos temas incómodos como o desemprego, o endividamento das famílias, das empresas e do País e fez de conta que o Código do Trabalho nada tem a ver com o neoliberalismo...

A sua «modernidade» foi a velha proclamação «pusemos as contas públicas em ordem» do Dr. Salazar e a sua «democracia», a recusa de ouvir os portugueses em referendo sobre o projecto de Tratado, federalista, militarista e neoliberal para a União Europeia.

Dizendo-se preocupado com o social e as famílias, o Primeiro-Ministro «enche» a sua intervenção com uma decisão acordada e decidida há dois anos sobre o salário mínimo. Comentando a posição do PSD, mais reaccionária do que a reacção, esqueceu-se dos seus próprios «pecados», quando, em 2005, qualificou a proposta da CGTP-IN, de 500 €, em 2010, de «absolutamente demagógica e fantasista»!

«Telhados de vidro», Sr. Primeiro-Ministro!

Mas o Primeiro-Ministro sabe que não basta a sua fixação para que vigore.

Ora, o Governo pretende, com o Código do Trabalho, dar uma brutal machadada na capacidade de os trabalhadores e de as suas organizações transformarem os acordos salariais aos diversos níveis em realidade nas empresas e locais de trabalho!

Depois, o Governo não avança com uma proposta para a reposição do poder de compra perdido em 2008 pelos trabalhadores.

O mesmo para reformados e pensionistas, a par da expropriação de cerca de 40 000 reformados dos retroactivos que lhes são devidos de 2007 e 2008.

Mas, para ter um salário e, no futuro, uma reforma, mesmo que insuficientes, é necessário ter um emprego, um posto de trabalho.

Ora, o Primeiro-Ministro esqueceu-se completamente de falar do seu objectivo dos 150 000 postos de trabalho.

Sobre as outras prioridades do Governo - saúde, educação, ensino, ciência e tecnologia e segurança -, mais do que as palavras de análise das verbas orçamentais, sobram e esclarecem as críticas e as lutas dos seus profissionais e dos seus utentes.

Esclarecem as inúmeras carências e insuficiências ao nível das instalações e equipamentos e situação dos seus recursos humanos, a que este Orçamento do Estado não responde minimamente!

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Ao fim de três Orçamentos do Estado e de um Orçamento rectificativo, o Governo descobriu as pequenas empresas!

Descobriu que lhes devia dinheiro! Descobriu que precisavam de linhas de crédito, que precisavam de uma fiscalidade adequada.

Hoje, depois de deixar falir milhares e de outras milhares caírem em situações já de difícil sobrevivência, anuncia que vai salvá-las!

Mas não vai.

O que o Orçamento do Estado para 2009 tem para oferecer às pequenas empresas são as sobras do festim oferecido ao sector financeiro e a algumas grandes empresas monopolistas e umas tacanhas medidas fiscais.

A questão central para a generalidade das pequenas empresas portuguesas e para a economia nacional é a dinamização e defesa do mercado interno, ou seja, mais poder de compra dos portugueses e maior capacidade financeira das autarquias locais.

Ora, a isto não responde o Orçamento do Estado.

O Governo PS nega-se a ver o endividamento das famílias, das empresas e do País.

O Primeiro-Ministro, tal como relativamente ao emprego, nem sequer aflora a questão. No entanto, a situação é já o principal problema do País!

Percebe-se porquê. Assim não precisa de explicar porque aumentou, entre 2004 e 2007, a dívida das famílias em percentagem do PIB de 23 pontos percentuais, a dívida das empresas não financeiras de 15 pontos percentuais e o endividamento externo líquido de 25 pontos percentuais, sendo que este é o nosso mais significativo e grave défice.

Dívidas que continuaram a crescer em 2008! Porque é que isto aconteceu, agravando uma evolução que vinha dos governos anteriores?

O Governo não quer esclarecer o problema.

Assim, o Governo absolve as suas políticas e pelo caminho iliba o sistema financeiro!

Durante anos, os bancos portugueses foram alavancando os seus balanços com dívida externa, alguma dela a muito curto prazo, apenas com a mira de fazer crescer os seus números e os seus lucros, concedendo mais e mais crédito.

Se o crédito à economia produtiva era pouco, se o crédito à habitação acusava alguma desaceleração, se o crédito ao consumo era insuficiente para fazer crescer os números, então desviavam-se os recursos obtidos para as participações financeiras, em carteiras de acções e de fundos mobiliários e imobiliários, na procura de mais-valias.

Foram anos de maná, em que, com a cumplicidade das autoridades de supervisão e do Governo, a banca portuguesa criou desequilíbrios na estrutura do seu passivo, mas com excelentes resultados no curto prazo para os seus accionistas, à custa do agravamento do endividamento externo e da deterioração de rácios de solvabilidade.

Mas não há problemas. Aí está o Governo solícito, com o dinheiro dos contribuintes, a amparar com 4 mil milhões, mais os vinte mil milhões de aval.

À predação, pela banca, das famílias, das empresas não financeiras e dos sectores produtivos, com comissões e taxas de juro efectivas especulativas, juntou-se a «gula» de grandes ex-empresas públicas fornecedoras de bens e serviços essenciais, em geral não transaccionáveis. Com o alto patrocínio da política de direita e de sucessivos governos, com destaque para o actual, e as suas entidades reguladoras, através de preços de monopólio, o saque foi um «ver se te avias».

Olhemos, por exemplo, para os preços dos combustíveis neste ano de 2008 e os lucros da Galp e restantes gasolineiras! Reflictamos sobre os 900 milhões de euros de lucros da EDP no fim do 3.º trimestre deste ano de crise e os aumentos das tarifas.

O contraponto para o elevado endividamento das famílias e pequenas empresas, por insuficiência, respectivamente, de salários e lucros, são os lucros obscenos dos grupos económicos que controlam o sector financeiro e essas empresas.

Depois, para cúmulo, não pagam a justa contribuição fiscal, gozam de favores fiscais e de grossos incentivos financeiros do Estado.

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

A grande «bandeira» do Governo, bem patente na intervenção do Primeiro-Ministro, é a consolidação orçamental! «Pusemos as contas públicas em ordem»; «A crise orçamental ficou para trás...» - repete o Primeiro-Ministro - «... sem recorrer a receitas extraordinárias...», a que acrescenta, «... geradoras de encargos futuros».

Para ser consequente, deveria falar também das receitas extraordinárias das privatizações, engolidas pela dívida pública, e geradoras de prejuízos presentes e futuros! Mas, sobretudo, o Governo devia ser mais prudente.

Outros, antes dele, supuseram ter enjaulado o dito monstro.

Depois, verificou-se que o alarme era falso.

As recentes previsões de Outono da Comissão Europeia mostram que a solidez dos valores dos rácios do défice e da dívida pública face ao PIB tem «pés de barro».

O Governo deve explicar como vai evitar essas previsões!

Srs. Deputados, o debate na generalidade confirmou um Orçamento do Estado incapaz de responder à crise económica do País.

Um Orçamento do Estado com falta de rigor, que não hesita na manipulação de previsões com objectivos propagandísticos.

É mais um Orçamento do Estado que denota uma elevada falta de transparência.

A Assembleia da República vai escrutinar e votar projectos de centenas ou poucos milhares de euros, como a sede de um rancho folclórico, enquanto nada sabe nem decide sobre importantes projectos de milhões de euros como os do PARES ou da Estradas de Portugal.

Mas é um Orçamento do Estado consequente com os anteriores três Orçamentos de Estado e um Orçamento rectificativo e três anos e meio de governação PS/Sócrates, com os resultados que se conhecem: mais desemprego, maior precariedade, mais emprego não qualificado, menos investimento, mais dívida pública, maior défice comercial, maior endividamento externo, maior endividamento das famílias e empresas, menor poupança, pior distribuição do rendimento, maiores desigualdades sociais, maiores desequilíbrios regionais, menos saúde e menos educação, menos apoio no desemprego.

Pior era difícil, Srs. Deputados!