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Extractos da Intervenção de Carlos Amaro - Sessão sobre a Agricultura e o Mundo Rural
Sábado, 09 Junho 2007

Extractos da Intervenção de Carlos Amaro,
Comissão junto do Comité Central para a Agricultura

Camaradas e amigos
A Conferência Económica que o Partido irá realizar em Novembro próximo ocorre no ano em que se cumprem 20 anos da adesão de Portugal à então CEE.
No que respeita à agricultura este período foi marcante nas profundas alterações que a realidade actual evidencia. Estas alterações não são exclusivas de Portugal. Ocorreram também nas agriculturas dos outros países da União Europeia, ainda que com gradações diferentes de país para país.
Em Portugal foram determinantes destas alterações a adesão de Portugal à CEE, mas sobretudo a política agrícola de direita de sucessivos governos, sozinhos ou em coligação, do PSD, CDS-PP e PS, e, a partir da década de 90, o domínio mundial da globalização capitalista.
Alterou-se profundamente o quadro de referência da agricultura face à economia e à sociedade, e também ao chamado Mundo Rural.


No plano estrutural:
Entre 1989-2006 desapareceram mais de 250 mil explorações e cresceu a concentração da terra.
A Superfície Agrícola Útil (SAU) das culturas temporárias diminuiu 450 mil hectares, acentuando-se em particular a queda dos cereais. A SAU das culturas permanentes diminuiu 140 mil hectares. As pastagens permanentes cresceram mais de 800 mil hectares devido sobretudo ao aumento da área das pastagens espontâneas.


Nos campos do Sul predomina de novo o latifúndio, sustentado agora pelos subsídios da PAC (em particular das chamadas ajudas directas), incentivadoras do imobilismo produtivo, enquanto na terra adquirida por estrangeiros se desenha já uma nova agricultura, com sistemas produtivos adaptados às características mediterrânicas da região (olival, citricultura, …).
No Centro e Norte predomina a pequena e média exploração, mas acentua-se a diferenciação acelerada das explorações por via da pluriactividade e pluri-rendimento dos agricultores: cerca de 60% das famílias dos agricultores tem rendimentos sobretudo exteriores à exploração, ou seja, os rendimentos da actividade agrícola já são menores no conjunto dos rendimentos das suas famílias.
Não obstante, a agricultura familiar representa: 95% das explorações; mais de 50% da SAU; ocupa cerca de 85% das UTA (Unidades de Trabalho Agrícola); contribui com mais de 60% para a MBS (Margem Bruta Standard).


No plano produtivo e tecnológico:
O número de hectares por unidade de trabalho passou de 4,1 para 11,0 hectares, o que significa uma diminuição do tempo de trabalho necessário (isto é, menor exigência da força de trabalho) (na União Europeia, 18 hectares)
Aprofundou-se a investigação genética vegetal e animal e emergiu a genética molecular (transgénicos e clonagem animal). Cresceu a difusão das tecnologias agrobiológicas; da produção integrada e protecção integrada.
Ganha terreno e perspectiva-se a abertura da agricultura a produções não alimentares – culturas aromáticas; floricultura; e, mais recentemente, as culturas bio-energéticas.
No plano económico e social:
Cresceu a produção e a produtividade, ainda que em níveis distantes da média da União Europeia (rendimento das explorações cerca de 32% da média da União Europeia, e a competitividade cerca de 35%, no princípio desta década).


Mas o peso da agricultura reduziu-se drasticamente: na economia passou, nas últimas três décadas, de 15% para 4%; o seu peso no emprego de 30% para 5%.
As importações agrícolas continuam a ter um peso negativo na economia portuguesa, mas a taxa de cobertura das importações passou de 37% para 45% (1995-2005), o que significa uma evolução positiva de 8 pontos percentuais do rácio importações/exportações agrícolas.
O grau de aprovisionamento [relação em unidades físicas (peso) da produção realizada com o consumo interno] é superior a 70% para o arroz, frutos, batata, ovinos e caprinos; é excedentário para o leite e o vinho (ainda que haja variações anuais).
É claramente inferior nos cereais com reflexos, evidentemente, na carne, cujo grau de aprovisionamento é satisfatório (bovinos mais de 60%, suínos mais de 65%, aves mais de 90%), mas que se deve às grandes importações de cereais para rações).
É gravemente inferior no azeite, produção em que temos vantagens comparativas.
No plano do chamado Mundo Rural:
A população agrícola já não coincide com a população rural. Em diversas regiões já constitui uma minoria.


A agricultura já não unifica o espaço rural.
Surgem de novo os incultos, mas «agora não são já uma fronteira de expansão da actividade agrícola, mas manchas que marcam os limites ainda em retracção do aproveitamento agrícola do território».
A agricultura perde peso na estruturação das relações sociais.

Camaradas e amigos
Hoje, nos países desenvolvidos (em graus, certamente, diferenciados), cresceu a produtividade e a produção e, no quadro actual de um mercado aberto, a questão que se coloca é a de saber se a agricultura e os agricultores têm capacidade para dar resposta às exigências do consumo em qualidade e preço, nas quais as tecnologias agro-ambientais têm a maior importância após o impacto social de patologias animais e de situações de manifesta acumulação de toxicidades na cadeia alimentar.
Hoje, na capacidade competitiva da agricultura, pesa tanto a produtividade física (quantitativa) quanto a qualidade da produção.


É neste quadro, camaradas, que penso que qualquer projecto/estratégia de desenvolvimento, ou tão só de preservação da agricultura, tem que enraizar.
Tendo em conta os condicionalismos naturais e as vantagens comparativas.
Tendo em conta o contexto actual do mercado comunitário e mundial e o facto de a intervenção do Estado na economia estar hoje significativamente condicionada, independentemente da natureza política dos governos.
Hoje não é já possível produzir de tudo à margem dos condicionalismos agronaturais e do mercado, a menos que, por absurdo, se pense regressar a uma economia autárcica, ou sair da União Europeia. Sem prejuízo, evidentemente, da necessária firmeza e determinação dos governos lutarem pelos interesses do País e dos agricultores.
Tendo em conta ainda que o orçamento agrícola da PAC, que representava na União Europeia dos 15 mais de 50% do orçamento da União, e que, agora, as perspectivas que se desenham, após o alargamento, apontam para a sua retracção.
É tudo, camaradas. São estas as notas que aqui queria deixar, como contributo para este Encontro.